O Globo
A soma de avanços globais, como o combate à
fome e a citação dos super-ricos, consolida o sucesso da presidência brasileira
no G20
A presidência do Brasil no G20 veio construindo consensos e avanços concretos durante o ano todo. Mesmo assim, o dia de ontem foi intenso. A crise provocada pelo ataque russo à Ucrânia levou o G7 a pedir a reabertura da declaração conjunta, já fechada, e o Brasil resistiu. Aceitou depois incluir duas palavras que não alteravam o texto. A Argentina criou problemas em vários pontos que já estavam acordados e não queria fazer parte da Aliança contra a Fome. Depois, recuou e disse que não atrapalharia o consenso. O presidente Lula tinha pedido para manter-se o dia inteiro na sala e ficou até sair o comunicado conjunto.
Quando Lula
declarou que estava lançando naquele momento a Aliança Global contra a
Fome e a Pobreza era o final de um processo de muita negociação
e que, ao fim, teve um nível de adesão surpreendente: 82 países. A Argentina,
que chegou criando caso para chamar a atenção, acabou aderindo porque tinha se
isolado. Já se sabia que no comunicado seria necessário aparar muitas arestas e
para isso trabalharam os diplomatas numa visão pragmática. Não haveria mesmo
consenso sobre taxação dos super-ricos, mas a meta que a diplomacia perseguiu
foi a de introduzir pela primeira vez o tema num documento do G20. E conseguiu.
E por que não tratar do assunto? Os números são acachapantes: 10% da população
mundial têm 50% da renda e 75% da riqueza. Enquanto 50% das pessoas têm 8,5% da
renda e 2,5% da riqueza.
— A disparidade é alta, um acordo sobre o que
fazer é difícil. Tínhamos a total consciência disso desde o início, mas agora a
questão está posta. Haverá mais troca de informações tributárias e mais troca
de experiência sobre o assunto — disse uma pessoa que participou das
negociações.
Existem outros avanços. Os bancos
multilaterais passarão agora a ter um roteiro de reformas. Tem um nome pomposo:
“Roadmap Towards Better, Bigger and More Effective MDBs”, mas é conhecido mesmo
por “roteiro do G20 para os bancos multilaterais”. Eles não vão reformar a
governança, mas se comprometeram com uma série de reformas internas para serem
mais eficientes e terem mais dinheiro para projetos como combater a fome e agir
contra a mudança climática. “E nós fizemos isso, esse consenso, ao longo deste
ano”, disse um negociador.
Houve uma coincidência feliz. No ano em que o
Brasil está presidindo o G20, o brasileiro Ilan Goldfajn é o presidente do
conjunto dos bancos em desenvolvimento. Isso tornou mais fácil o entendimento,
mais intensas as conversas e mais convergentes os objetivos, me disseram fontes
do governo. Falei com Goldfajn sobre isso, e ele me disse o seguinte.
— A gente trabalhou este ano com dois grandes
assuntos: a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e a reforma dos bancos
multilaterais. O presidente Lula fez bastante esforço e ele criou essa aliança.
Aderimos. E o que significa aderir à Aliança? Significa entrar na tentativa de
combate à fome e à pobreza nos próximos anos e se comprometer com isso. O
compromisso do BID foi um dos mais fortes. A gente realocou 25 bilhões de
dólares nos próximos três anos para essa iniciativa. Em reais, são R$ 140 bilhões.
Isso sem falar que faremos uma doação de 200 milhões de dólares, cerca de R$
1,3 bilhão, para assistência técnica junto aos países pobres que adotarem
políticas de combate à fome.
Ter bancos multilaterais maiores, melhores e
mais eficientes, significa ter mais recursos. Como? Uma das formas será o uso
dos Direitos Especiais de Saque para alavancar a ação dos bancos de
desenvolvimento. Houve avanço também nessa complicada negociação técnica. O FMI
teve que concordar, dado que o DES é uma moeda de reserva. Mas será fundamental
para aumentar os recursos para a Aliança.
Na área climática houve avanços relevantes.
João Paulo Capobianco, secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente e
Mudança Climática, ressalta a criação da força-tarefa de clima para enfrentar a
emergência climática que gerou o documento “Esforço de empenho”, que é uma
chamada à ação. Os países do G20 são 80% das emissões do mundo. O
secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda, Rafael Dubeux, destaca a
criação do fundo de florestas tropicais, o TFFF, um mecanismo inovador que paga
a quem preserva as florestas. A soma de todos os avanços consolida o sucesso da
presidência do Brasil no G20.
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