segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Haddad desafinou e se mostrou frágil - Bruno Carazza

Valor Econômico

Ministro da Fazenda, até quando acertou, pareceu fraco e derrotado no anúncio do pacote

Maldito o dia em que Fernando Haddad aceitou a sugestão de Natuza Nery e dedilhou ao violão diversos acordes de Blackbird, dos Beatles, numa entrevista dada no seu gabinete, na Esplanada dos Ministérios.

A culpa, obviamente, não foi da jornalista, que fez o convite para mostrar um lado mais humano do ministro da Fazenda, posição ocupada por personagens geralmente retratados de forma sisuda.

Haddad tampouco deve ter medido as consequências do seu gesto. Afinal, trata-se de um político, a quem, além da vaidade que emana do exercício do poder, interessa mostrar-se popular e, coerente com seu perfil, cool.

Mas a atitude não condizia com a responsabilidade que repousa sobre seus ombros. A performance aconteceu passados apenas seis meses do início do governo - prazo curto para apresentar-se relaxado ou, pior ainda, para cantar (no caso, tocar) vitória sobre os enormes desafios econômicos confiados à sua gestão.

Arrependimento maior deve ter o ministro por uma declaração infeliz dada em 2017, num seminário no Insper, faculdade na qual deu aulas no interlúdio entre sua saída da prefeitura de São Paulo e a campanha presidencial em que enfrentou Jair Bolsonaro.

Valendo-se do manjado truque de falsa modéstia autodepreciativa, recurso utilizado com frequência por certos intelectuais para quebrar o gelo em seminários, Haddad declarou que só havia estudado dois meses de economia, para ser aprovado no exame de mestrado, e que durante o curso na USP colava dos colegas Alexandre Schwartsman e Naércio Menezes, dois proeminentes profissionais da área.

A piada injustamente lhe custou caro. Em tempos em que os prints (e os takes) são eternos, o vídeo circula pelas redes a cada decisão polêmica do ministro, mesmo sendo claramente uma brincadeira - ninguém é aprovado na Anpec e tampouco conclui o mestrado em economia num dos mais importantes departamentos de pós-graduação do país impunemente, sem muita dedicação e estudo - e tendo sido feita muitos anos antes de sua indicação para a Fazenda.

Ambas as imagens - a execução improvisada do sucesso dos Beatles e a declaração no Insper - circularam freneticamente no final da semana, quando as taxas de juros dispararam e o dólar chegou a R$ 6 após o anúncio das medidas voltadas para reforçar o arcabouço fiscal pela equipe econômica liderada por Haddad.

Para além da disputa política, em que os memes são utilizados para ridicularizar e minar a credibilidade dos adversários, as chacotas tendo o ministro como alvo traduzem também uma crítica à sua posição subserviente no episódio.

Após semanas de preparação de um longamente esperado “ajuste pelo lado da despesa”, o pacote explicitou as fragilidades de Haddad. Seu plano deixou a desejar em escopo - por não conseguirem adequar aos limites do arcabouço fiscal os gastos atrelados à receita, como as vinculações da saúde e da educação - e em timing (a transição do abono salarial será concluída em longos dez anos).

Haddad e sua equipe também perderam a queda de braço com a ala política do governo em diversas frentes, como a reformulação da política de seguro-desemprego e a necessidade de uma adequação mais ambiciosa da deficitária previdência dos militares.

Mesmo quando acertou, no caso da apresentação da proposta de reforma do imposto de renda, a impressão passada para a opinião pública foi de ter cedido à pressão de Lula para cumprir a promessa de campanha de isentar quem ganha até R$ 5 mil por mês.

Faz parte da natureza do cargo de ministro da Fazenda dizer mais “nãos” do que “sins”, principalmente quando as contas públicas se mostram cronicamente desajustadas e a dívida, em elevação. Também se exige do mais influente e poderoso auxiliar do Presidente da República saber comunicar a ele, e a toda a sociedade, as duras medidas exigidas pelo momento econômico.

Na semana passada a realidade se impôs a Haddad de forma muito dissonante à melodia de Paul McCartney. Incapaz de convencer Lula da importância de cortar gastos ineficientes, passou a impressão de estar despreparado para cumprir sua promessa de recolocar as contas públicas em equilíbrio.

Resta saber como Haddad vai lidar com a situação a partir de agora. Os próximos meses se anunciam desafiadores no front externo, com a volta de Trump e um futuro incerto de guerras comerciais e ações que fortalecerão o dólar frente ao real. Por aqui, a pressão por abaixar os juros, com uma diretoria do Banco Central quase inteiramente indicada por Lula, subirá à medida que a eleição se aproxima.

Na segunda metade do mandato, Haddad tem diante de si a missão de concluir as principais missões que se impôs: as reformas tributárias do consumo e da renda. Ambas, porém, só surtirão efeito no médio prazo, além do horizonte político deste governo, obcecado com 2026.

Daqui até lá, Haddad precisa se equilibrar entre as cobranças de Lula e do PT, a desconfiança do mercado e seus projetos pessoais de deixar um legado para o país. Conseguirá terminar o mandato sem desafinar?

 

3 comentários:

Mais um amador disse...

Vi o vídeo/meme do Haddad no Insper. Fácil perceber que se trata de uma piada, mas, como não há qualquer contexto, tem-se a impressão de que é atual. O que levou, inclusive, inúmeros internautas a levarem ao pé da letra a fala do ministro. Enfim.

Anônimo disse...

Acreditar em Ministro da Fazenda do PT é terraplanismo econômico...
e o Galípolo? vai entreagar a rapadura qdo? ou alguém acredita em uma gestão técnica do preferido do PT??

ADEMAR AMANCIO disse...

Hadad faz o que pode.