Valor Econômico
Ministro da Fazenda, até quando acertou, pareceu fraco e derrotado no anúncio do pacote
Maldito o dia em que Fernando Haddad aceitou
a sugestão de Natuza Nery e dedilhou ao violão diversos acordes de Blackbird,
dos Beatles, numa entrevista dada no seu gabinete, na Esplanada dos
Ministérios.
A culpa, obviamente, não foi da jornalista,
que fez o convite para mostrar um lado mais humano do ministro da Fazenda,
posição ocupada por personagens geralmente retratados de forma sisuda.
Haddad tampouco deve ter medido as
consequências do seu gesto. Afinal, trata-se de um político, a quem, além da
vaidade que emana do exercício do poder, interessa mostrar-se popular e,
coerente com seu perfil, cool.
Mas a atitude não condizia com a responsabilidade que repousa sobre seus ombros. A performance aconteceu passados apenas seis meses do início do governo - prazo curto para apresentar-se relaxado ou, pior ainda, para cantar (no caso, tocar) vitória sobre os enormes desafios econômicos confiados à sua gestão.
Arrependimento maior deve ter o ministro por
uma declaração infeliz dada em 2017, num seminário no Insper, faculdade na qual
deu aulas no interlúdio entre sua saída da prefeitura de São Paulo e a campanha
presidencial em que enfrentou Jair Bolsonaro.
Valendo-se do manjado truque de falsa
modéstia autodepreciativa, recurso utilizado com frequência por certos
intelectuais para quebrar o gelo em seminários, Haddad declarou que só havia
estudado dois meses de economia, para ser aprovado no exame de mestrado, e que
durante o curso na USP colava dos colegas Alexandre Schwartsman e Naércio
Menezes, dois proeminentes profissionais da área.
A piada injustamente lhe custou caro. Em
tempos em que os prints (e os takes) são eternos, o vídeo circula pelas redes a
cada decisão polêmica do ministro, mesmo sendo claramente uma brincadeira -
ninguém é aprovado na Anpec e tampouco conclui o mestrado em economia num dos
mais importantes departamentos de pós-graduação do país impunemente, sem muita
dedicação e estudo - e tendo sido feita muitos anos antes de sua indicação para
a Fazenda.
Ambas as imagens - a execução improvisada do
sucesso dos Beatles e a declaração no Insper - circularam freneticamente no
final da semana, quando as taxas de juros dispararam e o dólar chegou a R$ 6
após o anúncio das medidas voltadas para reforçar o arcabouço fiscal pela
equipe econômica liderada por Haddad.
Para além da disputa política, em que os
memes são utilizados para ridicularizar e minar a credibilidade dos
adversários, as chacotas tendo o ministro como alvo traduzem também uma crítica
à sua posição subserviente no episódio.
Após semanas de preparação de um longamente
esperado “ajuste pelo lado da despesa”, o pacote explicitou as fragilidades de
Haddad. Seu plano deixou a desejar em escopo - por não conseguirem adequar aos
limites do arcabouço fiscal os gastos atrelados à receita, como as vinculações
da saúde e da educação - e em timing (a transição do abono salarial será
concluída em longos dez anos).
Haddad e sua equipe também perderam a queda
de braço com a ala política do governo em diversas frentes, como a reformulação
da política de seguro-desemprego e a necessidade de uma adequação mais
ambiciosa da deficitária previdência dos militares.
Mesmo quando acertou, no caso da apresentação
da proposta de reforma do imposto de renda, a impressão passada para a opinião
pública foi de ter cedido à pressão de Lula para cumprir a promessa de campanha
de isentar quem ganha até R$ 5 mil por mês.
Faz parte da natureza do cargo de ministro da
Fazenda dizer mais “nãos” do que “sins”, principalmente quando as contas
públicas se mostram cronicamente desajustadas e a dívida, em elevação. Também
se exige do mais influente e poderoso auxiliar do Presidente da República saber
comunicar a ele, e a toda a sociedade, as duras medidas exigidas pelo momento
econômico.
Na semana passada a realidade se impôs a
Haddad de forma muito dissonante à melodia de Paul McCartney. Incapaz de
convencer Lula da importância de cortar gastos ineficientes, passou a impressão
de estar despreparado para cumprir sua promessa de recolocar as contas públicas
em equilíbrio.
Resta saber como Haddad vai lidar com a
situação a partir de agora. Os próximos meses se anunciam desafiadores no front
externo, com a volta de Trump e um futuro incerto de guerras comerciais e ações
que fortalecerão o dólar frente ao real. Por aqui, a pressão por abaixar os
juros, com uma diretoria do Banco Central quase inteiramente indicada por Lula,
subirá à medida que a eleição se aproxima.
Na segunda metade do mandato, Haddad tem
diante de si a missão de concluir as principais missões que se impôs: as
reformas tributárias do consumo e da renda. Ambas, porém, só surtirão efeito no
médio prazo, além do horizonte político deste governo, obcecado com 2026.
Daqui até lá, Haddad precisa se equilibrar
entre as cobranças de Lula e do PT, a desconfiança do mercado e seus projetos
pessoais de deixar um legado para o país. Conseguirá terminar o mandato sem
desafinar?
3 comentários:
Vi o vídeo/meme do Haddad no Insper. Fácil perceber que se trata de uma piada, mas, como não há qualquer contexto, tem-se a impressão de que é atual. O que levou, inclusive, inúmeros internautas a levarem ao pé da letra a fala do ministro. Enfim.
Acreditar em Ministro da Fazenda do PT é terraplanismo econômico...
e o Galípolo? vai entreagar a rapadura qdo? ou alguém acredita em uma gestão técnica do preferido do PT??
Hadad faz o que pode.
Postar um comentário