Folha de S. Paulo
As democracias deram um passo importante
quando a ideia de alternância no poder foi entronizada
Que o Congresso não está polarizado já sabemos: a vasta maioria
dos partidos que apoiavam Bolsonaro agora também apoiam Lula.
Que o eleitorado está polarizado, mas não calcificado é incontroverso.
Mas, como argumentei em coluna recente, a polarização assume um
caráter muito distinto quando o sistema é multipartidário, fragmentado e com
baixíssima identificação partidária. A disjunção voto presidencial e voto
legislativo (o fenômeno do voto Lira/Lula; ou centrão/Lula) ou a avaliação positiva
do governo Lula por parte não trivial de eleitores de Bolsonaro não sugerem
calcificação. A opinião pública não define o sistema político. As instituições
importam: federalismo, regras eleitorais (lista aberta), sistema partidário,
presidencialismo.
Felipe Nunes e Thomas Traumann mostram que a
polarização é afetiva e não programática. Ela se expressa no sentimento
negativo em relação ao adversário mais que por desacordo programático. Como
mostram os autores, este último se restringe a poucas questões comportamentais
(ex. aborto; sexualidade nas escolas), ou porte de arma. A posição do
eleitor(a) a respeito destes temas é o principal preditor do voto presidencial;
não há discordância sobre privatização ou sobre o papel do Estado na redução da
desigualdade. O mesmo padrão pode ser observado nos EUA. Mas as semelhanças
param aqui.
Os autores apresentam tabelas distinguindo opiniões anti-PT e pró-PT. Assim, os que estão na
oposição ao PT são definidos como antipetistas —terminologia bastante problemática por
razões conceituais e empíricas.
Sabemos que na história do sistema representativo, a oposição inicialmente era
vista com desconfiança. Era uma ameaça existencial em potência; no limite, "regicida". As democracias deram um passo
importante quando a ideia de alternância no poder foi entronizada. Não é por
outra razão que a oposição passou a se chamar "loyal opposition": a
oposição leal ao sistema. É bizarro denominar a oposição com referência a quem
está no poder; deslegitima-se a oposição. Os democratas americanos não poderiam
ser definidos como antitrumpistas. É como o adversário a define, e não uma
categoria analítica.
Mais problemático é a oposição ser definida pela forma como reage às políticas do
governo incumbente durante mais de três mandatos. Assim, uma suposta
característica do antipetismo seria a rejeição de, por exemplo, programas de
transferência de renda.
No entanto, a lógica se inverte quando sob Bolsonaro tais programas se
expandiram e os simpatizantes do governo passaram a apoiar o programa. O que
sugere que é a lógica incumbente —oposição e a competição eleitoral que definem
em larga medida os sentimentos do eleitorado.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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