O Globo
Marcado por bons indicadores econômicos, 2024
termina com ar de crise. O ano foi de embates políticos e fortes recados do
clima
No começo do ano, falando para um grupo de
pessoas que tinha me pedido uma avaliação do que aconteceria em 2024, eu disse:
preparem-se para as surpresas positivas na conjuntura econômica. Elas foram
ainda mais positivas do que eu pensava. O país cresceu mais e de maneira menos
concentrada do que no ano anterior, houve aumento do consumo, da renda, do
emprego e do investimento. A agricultura, que havia puxado 2023, recuou, mas os
serviços e a indústria subiram gerando o crescimento não esperado por ninguém e
que chegou a 3,5%. O desemprego caiu para 6,1%, o menor da série histórica.
Mesmo assim, o ano termina com o travo amargo da inflação fora da meta, um ambiente de crise no mercado financeiro, estresse político, o câmbio disparado, o Banco Central fazendo a maior operação de venda de dólares da história. As boas notícias se confirmaram e foram até melhores do que o previsto, mas inflação de 4,7% pelo IPCA-15, estourando o teto da meta, é um problema que ficou para ser resolvido em 2025.
No mundo, depois da pandemia, houve aumento
de inflação e piora de indicadores fiscais. O fato de ser um fenômeno global
não pode ser entendido como senha para a aceitação de uma inflação mais alta,
porque nosso histórico nessa área é muito perigoso. Descumprir a meta é uma
derrota, mas o que assusta é uma inflação fora de controle. Não está assim, mas
perseguir a meta sempre será fundamental para organizar as expectativas e
orientar a ação das autoridades fiscais e monetárias.
Como efeito de dois anos de crescimento mais
forte e com as políticas sociais dirigidas aos mais pobres no governo Lula, o
país teve a queda do número e do percentual de pobres e extremamente pobres. E
esta foi de fato uma das melhores notícias do ano. Os dados divulgados no
começo de dezembro pelo IBGE, na Síntese dos Indicadores Sociais, mostraram que
o percentual da população abaixo da linha da pobreza, segundo a classificação
do Banco Mundial, foi a menor desde 2012. Ao todo, 8,7 milhões deixaram a linha
de pobreza. Deixaram a extrema pobreza, ou a miséria, 3,1 milhões de pessoas.
Não é o suficiente, a erradicação da miséria é o objetivo a alcançar. Melhorar
a vida dos pobres tem que ser obsessão de quem governa um país com as
desigualdades do Brasil.
Este ano, houve outro salto na área do
combate à pobreza: a presidência brasileira do G-20 construiu a Aliança Global
contra a Fome e a Pobreza. Um feito. O que era uma ideia apenas no começo do
ano acabou sendo um fato concreto, com adesão de mais de 80 países e dezenas de
organizações.
Ao mesmo tempo, foi o ano em que os desastres
climáticos chegaram de forma assustadora no país. O naufrágio do Rio Grande do
Sul em maio e o segundo ano consecutivo de secas na Amazônia foram tragédias de
convencer qualquer cético climático. E, contudo, eles persistem entre nós. Os
gaúchos passaram dias com suas casas e sua economia submersas. No extremo
oposto, geográfico e climático, na Amazônia, maior bacia fluvial do mundo, foi
preciso encontrar caminhos alternativos para levar alimentos e água para as populações
que estavam isoladas pela falta de navegabilidade dos rios. Houve também no
país uma onda inédita de focos de incêndio em florestas e áreas vegetadas, com
indícios criminosos e sem responsáveis identificados.
Na política, as últimas seis semanas de 2024
pareciam as de um ano que não queria terminar. Houve a reunião do G-20 no Rio,
indiciamento de Jair Bolsonaro, generais e tenentes coroneis, mercado
derretendo, aprovação da regulamentação da Reforma Tributária, aprovação do
pacote fiscal, o suspende e libera emendas, prisão de general quatro estrelas
que foi ministro da Defesa, letalidade policial produzindo tragédias em série,
em vários estados, presidente Lula sendo levado, no meio da noite, para São
Paulo e passando por cirurgia de emergência e, mesmo nestes últimos dias do
ano, o país continua vivendo etapas da crise das emendas.
Por mais que o assunto continue estressando a
relação entre Poderes, o país caminhou no sentido certo, o de aumentar a
transparência e a rastreabilidade das emendas parlamentares. O ministro Flávio
Dino na sexta, dia 27, ainda estava fazendo perguntas à Câmara sobre clareza
das emendas. No começo de todo esse processo, parecia impossível o desmonte do
que ficou conhecido como “orçamento secreto”, mais uma herança ruim do governo
passado. Por aproximações sucessivas, o país está cumprindo a Constituição.
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