domingo, 29 de dezembro de 2024

Vale a pena ver de novo? - Merval Pereira

O Globo

Se o Congresso pudesse ou quisesse explicar a questão das emendas - quem aprovou, para onde foi o dinheiro, etc - já teria feito, diante das exigências do STF

Quando todos, especialmente os parlamentares, esperavam que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flavio Dino iria acatar as respostas nada esclarecedoras da Câmara a respeito da liberação das emendas, eis que ele se manteve firme na exigência de informações precisas. Não havia por que a manobra do presidente da Câmara, Arthur Lira, e os líderes, depois da reunião com o presidente Lula no Palácio da Alvorada, pudesse obrigar o governo a pagar as emendas que foram suspensas pelo ministro Dino. A não ser que ele estivesse realmente de conluio com o presidente, como parecem acreditar os parlamentares.

O problema não é com o governo, que está disposto a pagar para não se atritar com o Congresso. Aliás, já fez mais do que deveria, isto é, afirmar, através da Advocacia Geral da União (AGU) que está tudo normal na tramitação, quando todos sabem que ela transgrediu as normas mais elementares de transparência e pessoalidade, como aliás frisou o ministro Dino na resposta. Os líderes que estavam na reunião são os que aprovaram a liberação das emendas, mudando grande parte do que havia sido decidido nas comissões, desviando dinheiro para seus apoiadores.

O deputado Arthur Lira mandou mais de R$ 50 milhões para Alagoas, seu estado, segundo denúncia de partidos políticos como PSOL e NOVO. A tendência no STF é apoiar unanimemente a decisão de Flávio Dino, e não há como reverter. Tudo indica que se o Congresso pudesse ou quisesse explicar a questão das emendas - quem aprovou, para onde foi o dinheiro, etc - já teria feito, diante das exigências do STF.

Deputados queriam que a decisão de Flavio Dino se baseasse na informação que mandaram, francamente incompleta, porque dizem que nada foi alterado sobre o que as comissões decidiram. Mas alegam que as Comissões não têm atas que possam comprovar a afirmação. Mas os partidos e as instituições privadas, como o Instituto Não aceito Corrupção, denunciaram que as comissões foram superadas por várias destinações distintas depois de fechadas. Acho difícil Dino aceitar acordo político para resolver a questão. Seria uma desmoralização para ele, que está sendo tão rigoroso corretamente.

Se acordo houve foi entre setores majoritários do Supremo e o Congresso, como já havia previsto o hoje lobista Romero Jucá, um dos maiores conhecedores das entranhas do Congresso e do Governo. Ele preconizava, no auge da crise desencadeada pelas prisões de políticos e empresários pela Operação Lava Jato, que era preciso fazer um acordo “com STF e tudo” para “conter essa sangria”. Dito e feito, todos os condenados pela maior operação de combate à corrupção já ocorrida no país estão em liberdade, sendo agraciados com o arquivamento de seus processos, com a anulação de suas condenações, com a prescrição de supostas penas por impossibilidade de decretá-las em tempo hábil.

Ficando “tudo como dantes no quartel de Abrantes”, natural que situações idênticas, mesmo que com roupagens diferentes, voltassem a acontecer. Os políticos, que antes se contentavam em manipular as estatais, sem poder de mando no cotidiano, agora voltam as vistas para o verdadeiro poder, que lhes dá direito a definir quanto e quantos se beneficiarão dos cofres públicos, ligando esses interesses particulares à chantagem para aprovar projetos de interesse do governo.

Assim temos uma governança que, em vez de objetivar o avanço do país, mira o avanço privado nas coisas públicas. Com essa dinheirama vinda das emendas parlamentares e dos fundos eleitoral e partidário, os partidos políticos têm meios de desvirtuar as eleições, mantendo o Congresso refém de grupos políticos específicos pelo país afora.

 

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