Folha de S. Paulo
'Extremos' é a obra do ano, ao conciliar tema
urgente com estratégia expositiva genial
Foi mais um ano forte em obras sobre
autoritarismos, democracia e desigualdades.
Duas reedições merecem menção: em "Lélia
Gonzalez: Um Retrato", Sueli Carneiro apresenta ao grande
público uma introdução à trajetória de uma grande intelectual e ativista
brasileira. Por sua vez, o historiador português Rui Tavares procurou, em "Esquerda
e Direita: Um Guia Histórico para o Século 21", reconstruir os
pontos cardeais do debate público com notável sensibilidade histórica.
Entre os lançamentos, "Cachorros", de Marcelo Godoy, se destaca por narrar com riqueza de detalhes a operação de assassinato da direção do Partido Comunista Brasileiro pela ditadura militar brasileira. A matança foi possível graças a uma infiltração nos mais altos níveis do partido, aqui revelada pela primeira vez. O PCB não aderiu à luta armada.
"Chumbo",
de Matthias Lehmann, é a primeira obra de ficção, e a primeira história
em quadrinhos,
a entrar nas minhas listas de fim de ano. Publicada originalmente na França, a
obra fala da ditadura
militar brasileira enquanto conta as histórias de duas famílias
mineiras.
Em "Limite
de Caracteres: Como Elon Musk Destruiu
o Twitter", Kate Conger e Ryan Mac mostram como parte da esfera
pública global passou para as mãos de um bilionário de extrema
direita.
"Takeover: Hitler’s Final Rise to
Power", de Timothy W. Ryback, é a história das negociações dentro da
direita tradicional alemã que permitiram que Adolf Hitler chegasse
ao poder por dentro de instituições democráticas que destruiria logo depois.
Pois é.
Em "Revolusi: Indonesia and the Birth of
the Modern World", David Van Reybrouck reconstrói com brilhantismo a
história da luta pela independência da Indonésia,
um país que esteve no centro de várias lutas centrais da modernidade.
"Assombros da Casa-Grande", de
Marcos Queiroz, mostra como o tema da escravidão e
o medo da rebelião escrava impactaram a elaboração da primeira Constituição
brasileira, em 1824, bem como muito do pensamento político brasileiro
posterior.
Em "Democracia
Negociada: Política Partidária no Brasil da Nova República",
Fernando Limongi e Leonardo Weller produziram uma história da Nova República
fortemente informada pelo que há de melhor na ciência política brasileira.
"O
Silêncio da Motosserra: Quando o Brasil Decidiu Salvar a Amazônia",
de Claudio Angelo e Tasso Azevedo, conta a história da redução do
desmatamento na Amazônia brasileira de 2005 a 2012, uma das grandes
lutas políticas do mundo nas últimas décadas. É o relato de uma grande vitória
brasileira.
Bruno Carazza começou a publicar o
esperado "O País
dos Privilégios", que discutirá os mecanismos pelos quais o
Estado brasileiro produz e reproduz desigualdades e ineficiência. O primeiro
volume trata dos abusos da elite do funcionalismo público brasileiro.
Para escrever "Extremos:
Um Mapa para Entender as Desigualdades no Brasil", Pedro
Fernando Nery viajou para lugares que ocupam extremos nas estatísticas de
desigualdade brasileiras. Enquanto apresenta suas histórias, discute dados e
propostas de políticas públicas que ajudariam a resolver o problema.
Conciliando um tema urgente com uma estratégia expositiva genial, é o livro do
ano.
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