Correio Braziliense
O colégio eleitoral deu 480 votos a Tancredo
e 180 a Maluf, apesar do boicote da bancada do PT — apenas três deputados
participaram e votaram no político mineiro. A eleição representou o fim do
regime militar
Após o golpe militar de 1964, que destituiu o
presidente João Goulart, a esquerda brasileira se dividiu: uma cobrara mais
radicalidade do governo Jango, outra recomendara moderação. A primeira avaliava
que o golpe poderia ser evitado se houvesse uma reação armada; a outra, que
isso seria inútil e provocaria um banho de sangue.
Na mesma linha de raciocínio, a primeira
partiu para a luta armada, acreditava que derrubaria a ditadura com uma
revolução. A segunda, considerava essa opção uma aventura fadada ao fracasso. A
melhor alternativa seria unir as forças democráticas contra o regime, em defesa
das eleições diretas e da convocação de uma Constituinte. Havia liberais que se
opuseram ao golpe, entre eles os pessedistas Tancredo Neves (MG) e Amaral
Peixoto (RJ).
Foi um longo caminho, que somente se
concretizaria em 15 de janeiro de 1985, por uma via que ninguém tinha previsto:
a eleição indireta de Tancredo Neves, no colégio eleitoral criado pelo próprio
regime para institucionalizar a ditadura.
O velho político mineiro, liberal e conciliador, surfou a onda da campanha das Diretas Já, que mobilizou a opinião pública e promoveu grandes manifestações de protesto. O ponto de partida foi a apresentação de um projeto de emenda constitucional restabelecendo as eleições diretas para presidente da República, em fins de 1983, pelo deputado Dante de Oliveira (MDB-MT).
A emenda mobilizou a opinião pública e as
lideranças de oposição, produzindo, também, grande impacto no Partido
Democrático Social (PDS), governista, porque havia uma ala que não concordava
com a candidatura de Paulo Maluf e desejava o fim do regime. No Congresso,
ganhava corpo uma proposta de pacto entre a oposição e os descontentes do PDS,
com vistas a lançar um candidato único à Presidência, em pleito direto a ser
realizado em novembro de 1984. Tancredo seria esse candidato, mas não tinha
apoio do MDB.
De janeiro a abril de 1984, os comícios em
favor das eleições diretas reuniram multidões nas capitais e principais cidades
do país, sob a liderança de Ulysses Guimarães (MDB), que pretendia disputar a
Presidência da República. Todos os líderes da oposição se engajaram na
campanha, entre os quais os governadores Franco Montoro, de São Paulo, e Leonel
Brizola, do Rio de Janeiro.
O movimento sindical, cuja estrela maior era
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a União Nacional dos Estudantes (UNE)
foram responsáveis pela mobilização popular. Tancredo participou com destaque
de todas as manifestações, porém, não afastava a possibilidade de disputar o
pleito presidencial indireto, caso a emenda Dante de Oliveira não fosse
aprovada por maioria absoluta, como aconteceu, na sessão da Câmara dos
Deputados de 25 de abril de 1984.
Eleição de Tancredo
No final de junho, o MDB lançou o nome de
Tancredo, que renunciaria ao governo de Minas, para disputar o pleito no
colégio eleitoral com apoio de Ulysses. Quatro dias depois, a Frente Liberal,
dissidência do PDS, rompeu com o governo, dando início às negociações com a
oposição para apoiar Tancredo, indicando o senador José Sarney para vice.
Em 15 de janeiro, ou seja, há 40 anos, o
colégio eleitoral deu 480 votos a Tancredo e 180 a Maluf, candidato governista.
A eleição no terreno escolhido pelo próprio regime pôs um ponto final na sua
existência.
Entretanto, ontem, essa data histórica foi
solenemente ignorada pelo presidente Lula. O motivo é político: o PT não votou
em Tancredo no colégio eleitoral. Três deputados do partido discordaram dessa
orientação: Bete Mendes (SP), José Eudes (RJ) e Aírton Soares (SP), que
deixaram a legenda para não serem expulsos.
“Decidi votar no Tancredo porque seu
adversário, o deputado Paulo Maluf, representava a linha dura do regime
militar. Sua vitória significaria o recrudescimento do regime, a argentinização
do processo brasileiro”, disse Aírton Soares.
Os demais membros da bancada não compareceram
à votação: Eduardo Suplicy (SP), Luiz Dulci (MG), Irma Passoni (SP), José
Genoino (SP) e Djalma Bom (SP). Ecos da velha divisão da esquerda na crise de
1964.
Entre fins de janeiro e princípios de
fevereiro de 1985, Tancredo visitou os Estados Unidos e vários países da
Europa. Com o seu regresso ao Brasil, articulou a formação de seu ministério.
Um dia antes da posse, marcada para 15 de março de 1985, porém, foi submetido a
uma cirurgia de emergência. Sarney tomou posse como presidente em seu lugar, em
meio à comoção e à perplexidade.
Tancredo viria a falecer na noite de 21 de
abril, depois de ter sido submetido a sete cirurgias. Na manhã de 22, Sarney
foi confirmado na Presidência. No dia 23, o corpo de Tancredo chegou ao
aeroporto de Belo Horizonte para receber as homenagens de cerca de 1,8 milhão
de pessoas. No dia 24, na presença de 50 mil pessoas, foi enterrado no
cemitério de São João del Rey, sua terra natal.
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