quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

O poder digital - Merval Pereira

O Globo

Falta sensibilidade política à administração pública na divulgação de medidas burocráticas que podem afetar o dia a dia das pessoas

O governo tomou a decisão certa ao cancelar a resolução da Receita Federal sobre o Pix que resultou numa boataria desenfreada sobre a possibilidade de taxação dessa transação financeira que caiu no gosto popular. Isso quer dizer que a criação do Pix não deu votos a Bolsonaro na recente disputa presidencial, mas tirou de Lula, devido a uma mentira deliberada. Esse é um doloroso exemplo para o governo de que sua comunicação está falha, e numa área fundamental, que é a economia popular.

Falta sensibilidade política à administração pública na divulgação de medidas burocráticas que podem afetar o dia a dia das pessoas. Sobra malícia política à oposição para atacar os flancos abertos do governo. É evidente que a comunicação do governo era um setor falho, pois colocar num posto como a Secretaria de Comunicação, num momento em que a tecnologia avançou terrivelmente, um político que nunca fez esse tipo de trabalho foi uma demonstração de que o governo não dava importância para o cargo, para a força que tem hoje a comunicação, especialmente a digital.

A disputa interna entre o ex-ministro Paulo Pimenta e a primeira-dama Janja, que controlava a comunicação digital por meio de pessoas escolhidas por ela, também ressaltou as falhas. Os bastidores da disputa mostram que a visão analógica de Pimenta não combinava com a comunicação digital necessária. Agora está lá um especialista, Sidônio Palmeira, e deve melhorar. O governo tem coisas boas para anunciar, sem dúvida, mesmo que, como qualquer governo, esconda o que é ruim e amplifique o que é bom.

Mas não creio que seja essa a maior necessidade. O governo é ineficaz em vários aspectos. O único setor que é ativo e inovador é a economia, e justamente por isso cria muito ruído dentro do próprio partido do governo, porque a equipe econômica tem uma visão que não combina com a do PT. Além do mais, o ministro Fernando Haddad não tem a força política exigida para administrar remédios amargos quando necessário e engole sapos com mais frequência do que seria razoável.

Mas os outros setores do governo não são eficientes, não trazem boas notícias. Era presumível que o Brasil fosse se destacar no cenário internacional do meio ambiente, mas nem isso acontece, porque há embates dentro do PT. Há os que são contra a ministra Marina Silva, os que querem a exploração do petróleo na Margem Equatorial. E assim o governo não sai do lugar, porque se debate entre questões ideológicas dentro de seu próprio partido. A Cultura melhorou — estava aniquilada —, mas sem novidade; voltou a fazer o que sempre foi feito.

Somente agora o setor da Educação, que era uma esperança de mudança devido ao êxito no Ceará do hoje ministro Camilo Santana, começou a dar sinais de vida, com o incentivo à formação e à interiorização dos professores, além do programa Pé-de-Meia, criado há um ano. Mas os resultados do Pisa continuam evidenciando nossa decadência. É um governo incapaz de mobilizar o país, e agora está comprando outra briga, a volta do imposto sindical.

A crise do Pix demonstrou que o governo não desperta confiança no cidadão comum, pois os desmentidos serviram apenas de combustível para mais notícias que colocavam em dúvida as negativas. A questão das fake news é grave, mas é um fenômeno antigo, embora potencializado pelas redes sociais. Muito diferente do tempo em que Lula sozinho arrebanhava multidões. A volta do imposto sindical seria uma maneira de financiar os sindicatos para que voltem a ter uma atuação proeminente na disputa do espaço político, mas será outro equívoco. Tentar buscar no passado a solução que está no futuro. A reforma ministerial, uma próxima medida para o governo melhorar nesse segundo tempo do jogo, demonstrará se Lula entendeu que a aliança democrática tem de ser para valer ou se o governo continuará paralisado pelo PT.

 

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