Correio Braziliense
A principal missão da nova composição do
Copom é restaurar a confiança no RMI após quase meia década de descumprimento
da meta de inflação
Há poucos dias, tomou posse o novo presidente
do Banco Central do Brasil (BCB). O economista Gabriel Galípolo assume o lugar
de Roberto Campos Neto em um momento bastante desafiador para a sequência do
regime de metas de inflação (RMI). Isso porque a inflação brasileira vem
performando acima do teto da meta desde a saída da pandemia em 2021 e, ao se
concretizarem as estimativas mais recentes do Boletim Focus, o IPCA fechará em
dezembro de 2025 em patamares superiores a 5%.
A dimensão do desafio pode ser notada quando o supracitado descolamento da inflação relativa à sua meta ocorre em meio a um dos mais agressivos ciclos monetários observados no país desde a implementação do RMI há 26 anos, em janeiro de 1999. Isso porque o mesmo Boletim Focus projeta Selic acima dos 15% no fim do ano. Esse patamar projetado não acontece há quase duas décadas. Nem nos momentos recentes mais críticos — como a saída da pandemia ou a debacle da Nova Matriz Macroeconômica em 2015, cujos efeitos inflacionários foram agravados por choques de oferta oriundos de um intenso período de estiagem —, a Selic chegou a 15%.
Se a inflação e a taxa nominal de juros
chegarem aos patamares projetados pelo Focus, a taxa real de juros poderá
encerrar o ano acima dos 10%, algo que também não mostra precedentes na
história recente da economia brasileira. Essas projeções, caso se materializem,
indicam o pífio desempenho do RMI nesses anos recentes. Salienta-se que esse
não é um problema exclusivamente doméstico, outras economias têm enfrentado uma
inflação mais resiliente desde a saída da pandemia, mas estão longe de
praticarem juros tão elevados.
Alguns analistas atribuem essa dinâmica da
inflação ao problema fiscal. No entanto, as evidências recentes a esse respeito
são frágeis. Sobre isso, recomendo meu artigo de 20 de dezembro último neste
mesmo espaço. O diagnóstico que parece se ajustar melhor à realidade é o de
desancoragem de expectativas inflacionárias oriundo da deterioração
reputacional recente do BCB.
Para entender melhor esse ponto, é preciso
retornar à saída da pandemia no início de 2021, quando gargalos em cadeias de
suprimento produziram a aceleração da inflação. Naquele momento, havia
incertezas sobre a propagação do choque, muitos economistas recomendaram que o
BCB não reagisse à inflação que começava a acelerar. O BCB, entretanto, agiu
rapidamente e iniciou um ciclo de aperto monetário que foi encerrado apenas nas
proximidades da eleição de 2022. Ali, se acumularam os gargalos em cadeias de
suprimentos com estímulos fiscais formalizados em pelo menos quatro emendas
constitucionais (precatórios, emergencial, kamikaze e de transição) que
contribuíram com o cenário de persistência inflacionária. Naquele momento, a
atuação do BCB (munido de sua autonomia legal) foi correta, produzindo um duro
aperto monetário em resposta ao choque inflacionário.
Embora não tenha sido capaz de convergir a
inflação para o centro da meta em nenhum dos anos calendários desde a saída da
pandemia, o Banco Central vinha performando bem até meados de 2023, quando,
mesmo diante de ataques ideológicos infundados, conseguiu conciliar uma curta
convergência da inflação para a meta e dar início ao ciclo de relaxamento da
Selic observado no segundo semestre daquele ano. É bem verdade que, naquele
momento, a autoridade monetária foi ajudada pela aprovação do Novo Arcabouço Fiscal
(NAF) e pela contínua apreciação do real frente ao dólar.
A partir de então, os erros começaram a se
acumular. O primeiro deles foi o contínuo alongamento do prazo de convergência
da inflação para o centro da meta. Independentemente do mérito dos
descumprimentos, sabemos que o bom funcionamento do RMI supõe um padrão
consistente de cumprimento da meta no decorrer do tempo. Quando isso não é
verificado, a autoridade monetária cai em descrédito e os agentes econômicos
que fixam preços e salários (desempenhando uma parte fundamental para o
funcionamento adequado do RMI) passam a se proteger escolhendo preços baseados
em outros indexadores. Ademais, o descumprimento sistemático da meta de
inflação abre espaço para ruídos como o infrutífero debate de revisão da meta,
recorrente no debate público brasileiro.
O segundo erro foi assistir inerte ao
movimento de depreciações cambiais durante todo ano de 2024. Ali, o BCB parece
ter perdido o tempo das intervenções ao permitir que o dólar começasse o ano
abaixo dos R$ 5,00 e terminasse 2024 acima dos R$ 6,00. Apenas em dezembro, com
a cotação do dólar nos maiores patamares da série histórica, o Banco Central
produziu agressivas intervenções no câmbio para evitar que a situação saísse de
controle. Passthrough é o nome dado pela literatura ao repasse de flutuações na
taxa de câmbio para os índices domésticos de preços. E a inação do BCB diante
da desvalorização do câmbio em 2024 pode significar um elevado repasse para a
inflação doméstica, alongando ainda mais o horizonte de convergência para a
meta.
A principal missão da nova composição do
Copom é restaurar a confiança no RMI após quase meia década de descumprimento
da meta de inflação. O governo, evidentemente, precisa fornecer as condições em
termos de ambiente para que essa confiança seja restaurada.
*Professor do Instituto de Economia e
Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (IERI-UFU)
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