quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Reprovação a Lula traduz deficiências de seu governo

O Globo

Saúde e segurança são as duas maiores angústias responsáveis pela insatisfação da população

A pesquisa Quaest divulgada nesta quarta-feira mostra que a reprovação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva supera 60% nos três maiores colégios eleitorais do país, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Nos oito estados pesquisados, violência e saúde são as maiores preocupações. A violência é o maior problema para moradores de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. A saúde é o que mais aflige cidadãos de Minas, Paraná, Rio Grande do Sul e Goiás. Trata-se de mais um recado para Lula. Em ambos os temas, o governo federal não tem conseguido dar respostas minimamente satisfatórias à angústia dos brasileiros.

Na segurança, os sinais de que a situação saiu de controle estão por toda parte. Porções significativas do território são dominadas por organizações criminosas que achacam moradores, cobram taxas por serviços essenciais, impõem leis marciais e têm a audácia de impedir a entrada do Estado em seus domínios, como mostram as barricadas na entrada de comunidades do Rio. Facções do Sudeste, como a paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) ou a fluminense Comando Vermelho (CV), atuam em diferentes regiões do país e até no exterior, disseminando a violência. O problema não é novo, mas precisa ser enfrentado.

Disputas sangrentas entre traficantes ou milicianos se traduzem em assassinatos, tiroteios, balas perdidas, prejuízos a aulas e serviços de saúde, quando não em ataques a ônibus e prédios públicos. Nas ruas das metrópoles brasileiras, cidadãos andam com medo, em meio à explosão de furtos e roubos, muitas vezes com desfecho trágico. É óbvio que tudo isso afeta a percepção sobre o governo.

Diante do poder assustador que ganharam as organizações criminosas, os estados não conseguem combatê-las sozinhos. O ônus recai também sobre a esfera federal. É verdade que o Ministério da Justiça elaborou uma Proposta de Emenda à Constituição sensata para a área de segurança, prevendo maior participação federal e melhor integração entre as forças da lei. Mas lá se vão dois anos de mandato, e até agora tudo o que existe é uma proposta que enfrenta dificuldades para avançar.

Na saúde, a situação também é deficiente. O próprio Lula passou recibo, ao demitir a ministra Nísia Trindade. Embora motivos políticos tenham influenciado a decisão, são indisfarçáveis os problemas. Na gestão Jair Bolsonaro, a saúde errática foi alvo preferencial dos petistas. Mas o governo que assumiu vacilou na logística de vacinação, comprou produtos desatualizados, jogou no lixo frascos com validade expirada, hesitou diante da crise dos hospitais federais do Rio e fracassou diante da maior epidemia de dengue já registrada, responsável por 6,6 milhões de casos e 6.230 mortes no ano passado. Não se sabe se o novo ministro, Alexandre Padilha, chega ao ministério para resolver as mazelas da pasta ou apenas para atender aos desígnios de Lula, que parece encarar todas as deficiências de seu governo apenas como “problema de comunicação”.

A realidade das ruas é outra, como mostra a pesquisa Quaest. O cidadão que pena nas filas do SUS para conseguir consulta, exame ou cirurgia, que enfrenta a alta dos preços na feira e no supermercado ou que é obrigado a entregar o celular ao ladrão, muitas vezes sob a mira de uma arma, já se cansou. O receituário de Lula podia convencê-lo há 20 anos, mas não convence mais.

Melhora na vacinação ainda é insuficiente para proteger população

O Globo

Em 2024, houve avanço, mas meta de cobertura foi atingida para apenas 3 das 19 vacinas do calendário infantil

É urgente o Brasil melhorar seus indicadores de vacinação. Em 2024, a meta de cobertura foi atingida em apenas 3 das 19 vacinas no calendário infantil, segundo o Ministério da Saúde — BCG (tuberculose), tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) e reforço de poliomielite. Não se trata de recomeçar do zero. De janeiro a novembro, houve aumento da cobertura em 15 vacinas do calendário. Para 12 delas, uma fração maior da população foi vacinada em 11 meses que em todo o ano de 2023. Na tríplice viral, a meta da segunda dose foi alcançada em 2.408 municípios, aumento de 180% na comparação com 2022. Na oral contra pólio, o salto foi de 93%. Mesmo assim, como disse ao GLOBO Isabella Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), é necessário atingir a meta de cobertura vacinal em todas, do contrário os vírus e agentes patológicos continuarão a apresentar risco.

No caso brasileiro, a hesitação vacinal, resultado da proliferação de desinformação nas redes sociais, nem é o maior problema. Nove de dez brasileiros dizem acreditar que as vacinas “são muito importantes”, de acordo com pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público, da Universidade de Santo Amaro e do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas. Mesmo assim, no levantamento, um quarto dos entrevistados diz não confiar em imunizantes. Isso prova a necessidade de ampliar as campanhas de esclarecimento. Somente 46% dos entrevistados dizem estar “bem informados” sobre o calendário de vacinas.

A maior dificuldade num país de dimensões continentais está na logística. Mesmo quando as vacinas chegam aos postos de saúde, é comum ficarem lá, à espera de quem queira se vacinar. É preciso criar mecanismos para levá-las até a população. Escolas são fundamentais para ampliar a cobertura, segundo Eder Gatti, presidente do Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde. “Esperamos atividades pedagógicas de vacinação e o ambiente escolar para promover a vacinação”, diz ele. “Uma estratégia como essa é importante porque pega a faixa etária jovem, que normalmente não frequenta as unidades básicas de saúde.” Entre abril e maio, segundo o governo, crianças e adolescentes menores de 15 anos matriculados em escolas serão vacinados em todo o país.

À medida que as coberturas vão chegando perto das metas, as três esferas de governo precisam intensificar a ação nos municípios atrasados. A maioria dos estados contém bolsões de não vacinados. Os governadores devem aumentar a pressão sobre os retardatários. Mesmo em municípios com índices crescentes de vacinação, deve haver vacina em locais de grande circulação e busca ativa por quem ainda não foi imunizado. A ciência ainda é incapaz de prevenir ou curar diversas doenças que levam à morte. Naquelas em que já existe solução, é um contrassenso não se proteger.

Erros em série desgastam imagem do governo Lula

Valor Econômico

Amadorismo e desorganização, tanto quanto a parolagem de Lula - que desdenha ajustes fiscais, ajudando a elevar a inflação, dólar e juros -, mostram um governo desorientado e desconexo

No terceiro mandato de Lula, crises que poderiam ser evitadas prosperam sem parar. A experiência acumulada parece ter sido esquecida e substituída por amadorismo para enfrentar com rapidez problemas contornáveis. Eles agora formaram uma sequência destrutiva que está arruinando a imagem do governo Lula. Há uma política econômica equivocada na raiz de boa parte dos desatinos, mas dela não decorre necessariamente a série de erros cometidos pelos burocratas escolhidos pelo presidente. A inflação dos alimentos e a suspensão das taxas de equalização do Plano Safra 24/25 são o pandemônio do momento. As filas de pedidos de aposentadoria no INSS, que se aproximam de 2 milhões e do recorde da gestão de Jair Bolsonaro, podem ser o próximo.

O caso do Pix foi um marco nas desventuras em série que afligem o governo. A iniciativa correta da Receita, de estender a vigilância já exercida nas transações junto a instituições financeiras às do Pix, muito mais ágeis, foi anunciada em setembro, para vigorar em 1º de janeiro. Pela instrução normativa 2.219, movimentações acima de R$ 5 mil por mês nas operações com Pix deveriam ser notificadas à Receita, no caso de pessoas físicas, e de R$ 15 mil, no de pessoas jurídicas.

Não houve grandes explicações sobre a instrução, mas deveria haver. O Pix se tornou a principal forma de movimentação de dinheiro do cotidiano dos consumidores e a principal porta de bancarização da imensa maioria sem conta corrente. Em 2024, as transações com Pix movimentaram R$ 26,4 trilhões, segundo o Banco Central.

No vácuo da falta de esclarecimentos oficiais, prosperaram os interesses da oposição em desgastar o governo com fake news de que as novas regras nada mais eram que o preâmbulo para uma taxação em grande estilo do Pix, a ser acompanhado de minuciosa bisbilhotagem da Receita sobre a renda de todos que o utilizavam.

O governo acordou tarde diante de um turbilhão e o presidente Lula consertou o estrago com outro: revogou a instrução, defendida pelo ministro da Fazenda. O novo regime fiscal, no qual o aumento das despesas depende do avanço da arrecadação, e várias medidas fiscais já tomadas compuseram um ambiente que tornou plausível atribuir ao Planalto uma intenção inexistente. Mas a vigilância fazia sentido e fará falta.

Em seguida vieram as pesquisas constatando derrocada expressiva da popularidade de Lula e seu governo, principalmente entre seu eleitorado mais fiel: o do Nordeste e o de baixa renda. O governo descobriu então que a inflação dos alimentos, que correu à frente dos salários, havia feito um grande rombo em seu prestígio.

Lula contratou um marqueteiro, mas a situação exigia decisões e ações políticas sensatas. A alta dos preços dos alimentos foi maior no governo Bolsonaro. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, que deveria organizar a reação política a uma questão real, improvisou resposta estapafúrdia, que trouxe mais preocupações. Falou que o governo faria “intervenções” no mercado, lembrando os piores momentos da hiperinflação no Brasil. Lula convocou reuniões interministeriais que consumiram horas e nada decidiram.

No curto prazo, há pouca coisa a fazer para consertar os efeitos nocivos já manifestos de um clima hostil na safra passada, com redução de oferta de alimentos e elevação dos preços das commodities que, dolarizadas, causaram ainda mais inflação após a disparada da moeda americana - alimentada pela desconfiança sobre a fragilidade da situação fiscal e pela política de crescimento a qualquer custo de Lula. Mas, na falta de explicação para a alta dos preços, a oposição explorou o contraste entre as bravatas do presidente no passado e realidade presente dos preços altos da carne.

Em meio ao desgaste com a inflação dos alimentos, o Tesouro enviou ofício aos bancos suspendendo novos contratos com crédito subsidiado no Plano Safra 24-25 - a equalização dos juros, pela qual o produtor paga taxa menor que a de mercado e a União entra com a diferença. De novo, estupefação na burocracia federal, pega de surpresa, e reação imediata do agronegócio, cuja simpatia pelo governo Lula é nula.

O Tesouro foi obrigado a fazer o que fez porque o Congresso não votou o projeto de lei orçamentária de 2025 no ano passado, como deveria. A reação do governo deveria ser a de comunicar aos líderes do Congresso e à bancada ruralista que a omissão dos parlamentares está prejudicando a agricultura e que a lei exigia que se interrompessem os créditos. Mas a responsabilidade recaiu sobre o governo, quando era claramente do Congresso. O orçamento só será votado na metade de março.

O papel de desarmar crises compete antes à Casa Civil, que parece menos interessada nisso do que em procurar impedir que a equipe econômica coloque em ordem as contas públicas. Amadorismo e desorganização, tanto quanto a parolagem de Lula - que desdenha ajustes fiscais, ajudando a elevar a inflação, dólar e juros -, mostraram um governo desorientado e desconexo. Criaram uma armadilha insólita: mesmo quando acerta, o governo erra.

Ministério da Saúde precisa correr atrás do prejuízo

Folha de S. Paulo

Nísia cai após erros de gestão e fritura promovida até por Lula, que busca melhor popularidade com reforma nas pastas

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) demitiu Nísia Trindade, agora ex-ministra da Saúde. Mesmo que a pasta tenha cometido erros de gestão, a longa demora na exoneração —que a deixou exposta a críticas públicas de congressistas e até do presidente— denota não apenas pouco caso do petista, mas um governo atabalhoado.

Após o desastre sob Jair Bolsonaro (PL), a chegada de Nísia foi bem recebida por ser um nome técnico com credibilidade.

Formada em ciências sociais pela UERJ, suas pesquisas abordam a relação entre ciência, saúde e desigualdades. Em 2017, foi a primeira mulher a presidir a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), posto que ocupou até 2022.

No entanto, em quase 14 meses de ministério, não conseguiu deixar uma marca, melhorar de modo significativo indicadores do SUS, como filas para consultas e cirurgia eletivas, nem enfrentar de forma eficaz a tragédia anunciada da epidemia de dengue.

Em 2024, mais pessoas morreram pela doença no país (5.873) do que a soma dos oito anos anteriores (4.992). Em dois alertas no início de 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) havia projetado os riscos de crise sanitária em regiões como a América do Sul devido às mudanças climáticas.

Contudo o Ministério da Saúde não preparou a rede básica de atendimento e protelou a autorização para a vacina Qdenga. Nísia foi demitida justamente no dia em que anunciou um acordo para a produção do imunizante do Instituto Butantan.

A calamidade da dengue foi usada por parlamentares para tentar avançar sobre a pasta, que movimenta verba gigantesca —a saúde pública consome 4% do PIB brasileiro, o que representa mais de R$ 450 bilhões por ano.

Com a hipertrofia do Congresso Nacional nos últimos anos, que gera anomalias como o uso opaco das famigeradas emendas, aumenta a pressão sobre o Executivo por nacos do poder.

Isso somado à queda de popularidade de Lula pavimentou o caminho para uma reforma ministerial, iniciada com a troca de Paulo Pimenta na Secom da presidência por Sidônio Palmeira. Especula-se que o vice Geraldo Alckmin (PSB) também cairá da pasta de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços para dar mais espaço ao centrão.

Quem ocupará o lugar de Nísia é Alexandre Padilha, que comandou a pasta da Saúde de Dilma Rousseff (PT) e é ministro de Relações Institucionais. Sua principal marca foi o Programa Mais Médicos, que teve impacto limitado nos resultados almejados.

Por óbvio, disputas por poder e acordos com o Congresso fazem parte, para o bem e para o mal, do presidencialismo de coalização tradicional no Brasil.

Espera-se, porém, que Lula não pense só na governabilidade e, sobretudo, na sua popularidade e na eleição de 2026 —ainda mais em áreas essenciais. Que a busca por resolver os problemas crônicos do país, missão para a qual foi eleito, seja priorizada na reforma.

Denúncias graves contra Bolsonaro antecipam 2026

Folha de S. Paulo

Ex-presidente tenta manter-se no páreo, mas estratégia não convém a candidatos da direita, que precisarão se posicionar

No plano jurídico, o futuro de Jair Bolsonaro (PL), denunciado por tentativa de golpe de Estado e outros crimes, é extremamente difícil. Tão difícil que o ex-mandatário vem privilegiando o front político.

A exemplo do que já fizeram Lula e Donald Trump, ele se declara vítima de perseguição e afirma que é candidatíssimo em 2026. Busca assim desqualificar tanto as acusações criminais como a inelegibilidade já decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ao insistir nesse caminho, Bolsonaro antecipa a campanha presidencial de 2026 e obriga aliados que poderiam substituí-lo como candidato a se posicionarem.

O menos bolsonarista dos postulantes desse campo, o governador Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), parece apostar no rompimento. Já disse que vai lançar-se pré-candidato logo, o que irritou o núcleo do ex-presidente.

Os outros dois potenciais candidatos mais "mainstream", os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e de São PauloTarcísio de Freitas (Republicanos), optaram por permanecer fiéis à causa bolsonarista, defendendo o representante do PL.

Zema ainda deixou entreaberta uma porta de saída. Disse que a Justiça é pródiga em condenar e descondenar ao sabor do momento, mas acrescentou não ser jurista. Tarcísio, até por ser uma invenção política de Bolsonaro, foi bem mais enfático. Classificou a denúncia como "forçação de barra" e "revanchismo".

A estratégia de Bolsonaro lhe convém, mas não interessa necessariamente ao campo conservador. Diante da impressionante erosão da popularidade de Lula, a direita deve chegar a 2026 com boas chances de vitória.

E, se Bolsonaro, na improvável hipótese de livrar-se dos enroscos jurídicos e da inelegibilidade, é o concorrente que tem vantagem na saída, conta, para a chegada, com altíssima rejeição. Uma figura menos controversa tenderia a sair-se melhor com os eleitores moderados, que poderão ser os fiéis da balança na disputa.

É aí que os cronogramas de Bolsonaro e dos demais potenciais postulantes começam a divergir. Se ao ex-mandatário interessa fingir que estará na disputa até o último instante, os governadores precisam de uma definição no mais tardar seis meses antes do pleito, quando vence o prazo de desincompatibilização.

Será uma espécie de hora da verdade. Bolsonaro terá de optar entre seus interesses pessoais e os do campo conservador; Zema e Tarcísio terão de definir se querem mesmo concorrer e se estão dispostos a finalmente romper com o ex-presidente.

Mais um bode expiatório de Lula

O Estado de S. Paulo

Nísia foi demitida da Saúde por um presidente que desde sempre joga suas falhas nos ombros alheios. Num governo sem rumo e sem projeto de país, nem o mais competente ministro terá sucesso

O presidente Lula da Silva recorreu à prerrogativa do cargo e anunciou a troca de comando no Ministério da Saúde, demitindo a ministra Nísia Trindade e nomeando para substituí-la o hoje ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Mas tão inconteste quanto a prerrogativa presidencial de mudar ministros quando bem entender é a confirmação do método a que o petista recorre no manejo de suas funções. Que não haja dúvida: Nísia é o bode expiatório da vez, escolhida por um presidente habituado a jogar suas falhas em ombros alheios.

Fizesse ou não o possível e o desejável, Nísia não conseguiria satisfazer o que dela se esperava – porque, afinal, nem o próprio Lula saberia dizer o que dela esperar. A despeito dos muitos problemas e eventuais acertos no período, o pecado original não está, portanto, na Saúde, mas no Palácio do Planalto e atende por um nome: Lula da Silva, o presidente que não tem a mais pálida ideia do que cobrar de seus ministros que não sejam apelos fáceis de curtíssimo prazo e eficácia duvidosa para o País. Não há outra obsessão em sua mente hoje senão encontrar uma providencial “marca”, capaz de amenizar o desconforto nacional com o seu mandato e assegurar-lhe dividendos em 2026. Como não a encontra, a reforma ministerial foi incluída no rol de soluções para superar a inépcia da qual ele é o maior culpado.

Na teoria lulocêntrica de poder – autorreferente e fiel apenas a si mesma –, o mundo ao redor será sempre menor do que o ego de Lula. Razão pela qual o demiurgo petista não só submete seus auxiliares a situações vexatórias, como deixa correr os boatos sobre sua insatisfação com o desempenho dos ministros. Foi assim ao creditar os problemas do governo às falhas da comunicação, dirigida por Paulo Pimenta até sua substituição por Sidônio Palmeira após meses de fritura pública. A descortesia já havia sido exposta em 2023, quando Lula demitiu a ex-atleta Ana Moser do Ministério do Esporte, trocando-a pelo deputado André Fufuca (PP-MA), que trouxe consigo a promessa de votos do Centrão.

O bode expiatório não está sozinho. Fernando Haddad tem sua autoridade de ministro da Fazenda frequentemente desautorizada pelo chefe e pela ala petista avessa a qualquer responsabilidade na gestão das contas públicas. Marina Silva só tem sua voz ouvida quando o presidente precisa exercer seu sonhado papel de líder global na defesa do planeta. As falhas da articulação política são direcionadas aos ministros da área, como se ao presidente não coubesse liderar e apontar com clareza o que deseja de prioritário no Congresso. Um governo sem rumo e um presidente impopular levam a uma gestão que atira para todos os lados, de forma tão aleatória quanto ineficaz em busca da gratidão popular perdida.

Nísia Trindade é vítima desses tiros. Sua gestão foi decerto marcada por polêmicas e altos e baixos. Após anos de negacionismo bolsonarista, trabalhou para recompor o Programa Nacional de Imunizações e os patamares de vacinação, mas deixou sequelas com os estoques de vacinas da covid-19 com validade vencida. Recompôs programas desmontados, mas não soube lidar com o apetite parlamentar sobre as bilionárias verbas da pasta. Formulou e começou a implementar um programa prioritário de nome pouco marqueteiro – Mais Acesso a Especialistas – e de resultados de longo prazo, mas foi atropelada por um presidente com pressa incontrolável.

Mas se há muitas razões para a queda, inclusive sua inaptidão para a marquetagem, uma delas é claramente política. Ao deslocar Alexandre Padilha para a Saúde, Lula abre espaço para uma troca na área que trata de um vespeiro, isto é, a difícil relação do governo com o Congresso. Na conjugação entre acertos e desacertos, porém, a ministra não merecia a forma como foi demitida, exposta no noticiário por gente próxima ao presidente, que a carimbou como incompetente – como se fosse dela a culpa pela queda na popularidade do governo.

Para sorte de Lula, as vítimas de suas dispensas humilhantes retribuem a indelicadeza com elegância. Ao falar sobre a demissão, Nísia escolheu indevidamente a imprensa, e não o presidente e seus sabujos palacianos, como culpada pela sua fritura pública – sinal de cuidado com o chefe, mas um evidente disparate de quem foi atirada aos leões pela covardia de quem a escolheu.

Calor, novo obstáculo à educação

O Estado de S. Paulo

Com escolas públicas despreparadas para enfrentar calor extremo, é hora de adaptá-las emergencialmente, ou o País mais uma vez condenará alunos a retroceder numa aprendizagem já falha

A onda de calor que fez os termômetros ultrapassarem 40ºC em diversas regiões do País há alguns dias escancarou uma realidade de cuja importância poucos se deram conta até aqui: o despreparo das escolas públicas para enfrentar as altas temperaturas. O fato de muitas escolas padecerem de estrutura ruim já seria problemático em tempos normais, mas se torna mais dramático diante do novo normal decorrente das mudanças no clima. Instalações com pouca circulação de ar, sem ar-condicionado e com rede elétrica precária, salas superlotadas, ventiladores quebrados, quadras poliesportivas sem cobertura e falta d’água são incompatíveis com o calor excessivo do presente e do futuro. Como escreveu a jornalista Renata Cafardo neste jornal, “o aquecimento global já impacta a educação hoje e agora” e “não há mais como enfrentar a crise de aprendizagem no País ignorando a crise climática”.

Não mesmo. Recentemente, no Rio Grande do Sul, a Justiça impediu a volta às aulas porque as temperaturas chegariam a 43ºC, num Estado que já precisou fechar as portas de suas escolas em razão das enchentes do ano passado. No Rio de Janeiro, alunos, professores e funcionários de escolas públicas fizeram protestos contra as más condições. Com 200 entre 1.234 unidades de ensino no Estado sem climatização, o governo fluminense autorizou escolas a reduzir à metade a carga horária presencial durante a onda de calor. Relatos de crianças passando mal e se ausentando das aulas foram vistos e ouvidos em diferentes regiões, inclusive na capital paulista e em cidades do litoral norte do Estado.

Os relatos foram traduzidos em números pelos recentes dados do Censo Escolar, do Ministério da Educação, tabulados pelo Centro de Inovação para a Excelência em Políticas Públicas (Ciepp). Neles se constatou, por exemplo, que só uma em cada três salas de aula de escolas públicas é climatizada. São Paulo é a cidade com os piores índices de climatização do País. Manaus, a melhor. Com uma ressalva: o índice registrado, de 33%, é puxado positivamente pelos Estados do Norte e do Nordeste, mais acostumados com períodos de calor excessivo.

Outra pesquisa, do Instituto Alana e do MapBiomas, mostra que seis em cada dez escolas brasileiras estão localizadas em ilhas de calor. Em um terço das capitais, pelo menos metade das escolas – públicas ou particulares – ficam em locais que apresentam desvios de temperatura considerados altos, pois registram pelo menos 3,5ºC a mais de temperatura de superfície em seu território do que a média urbana. Isso afeta a vida e a aprendizagem de cerca de 2,5 milhões de crianças e adolescentes. A falta de vegetação e a urbanização desenfreada são fatores que contribuem para essa situação: 78% das escolas mais quentes não têm área verde no lote ou têm menos de 20% de cobertura vegetal.

São números e relatos que emitem um grito de alerta em escala nacional. Estudos demonstram que o calor extremo compromete a saúde e a capacidade cognitiva dos alunos, afeta o desenvolvimento do corpo e do cérebro de crianças e prejudica a aprendizagem pelo impacto sobre o raciocínio e a memória. Com efeito, trata-se menos de colocar o dedo em riste para o que não se fez até aqui e mais de direcionar esforços para responder às exigências do novo clima. Em áreas como a cidade de São Paulo, por exemplo, conforto térmico nunca pareceu ser exatamente um problema a resolver. Eram outros tempos.

É o momento agora de descobrir se o País de fato aprendeu com as lições deixadas pela pandemia de covid-19, quando impôs a milhões de crianças e adolescentes um dos mais longos períodos de escolas fechadas em todo o mundo. Não é possível esperarmos a construção ou reforma das escolas com base nas recomendações mais atualizadas de ventilação e com soluções baseadas na natureza, capazes de garantir conforto térmico. Há uma urgência em curso e ela passa por uma solução que, mesmo não sendo a ideal, é a possível num estado de emergência: a instalação de equipamentos de ar-condicionado.

A essa tarefa estão convocados, desde já, o governo federal, governos estaduais e prefeituras. O custo social, nesse caso, será inquestionavelmente maior que o custo financeiro dessa adaptação. Ou mais uma vez condenaremos estudantes a ficar sem aulas presenciais e retroceder numa aprendizagem já deficiente.

O preço do dinheiro fácil

O Estado de S. Paulo

Liberação de FGTS e novas modalidades de crédito dificultam ainda mais a missão do BC

Preocupado com a perda de popularidade, o presidente Lula da Silva editará uma medida provisória (MP) autorizando que trabalhadores que optaram pelo saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) possam retirar o saldo remanescente do fundo em caso de demissão. Integrantes do governo afirmaram ao Estadão/Broadcast que a MP deve liberar algo entre R$ 10 bilhões e R$ 13 bilhões na economia.

Instituída pela Lei 13.932, de 2019, no governo de Jair Bolsonaro, a modalidade saque-aniversário permite o resgate anual de parte do saldo do fundo, mas, se for demitido sem justa causa, o trabalhador fica impedido de retirar o saldo não sacado. Defensor ardoroso do fim do saque-aniversário, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, teve de recuar de seus planos iniciais, dado que a modalidade caiu no gosto popular.

Nada mais justo que trabalhadores tenham acesso aos recursos que acumulam de forma compulsória no FGTS. Mas a celeuma em torno do saque-aniversário é apenas o sintoma de uma enfermidade que acomete as gestões petistas: o estímulo ao crédito para acelerar a economia. O presidente tem reiterado que vem aí o “maior programa de crédito do País”, em alusão a uma nova modalidade de consignado privado com juros mais baixos, o famoso barato que sai caro.

Embora Lula da Silva queira fazer o brasileiro consumir, tudo o que o Brasil não necessita neste momento é de medidas de caráter pró-cíclico. Se o País estivesse atravessando uma crise, tal qual como ocorreu à época da pandemia de covid-19 ou, antes, em 2008, quando problemas no mercado imobiliário dos Estados Unidos arrastaram o mundo para uma das piores recessões já vistas, medidas de estímulo ao crédito teriam sua razão de ser.

Mas não é esse o caso. A economia brasileira está aquecida, o desemprego está em níveis historicamente baixos e os juros estão acima de dois dígitos justamente para mitigar a inflação. Nesse contexto, o Banco Central parece ser o único ator comprometido com o combate à inflação, que não cede porque o governo é movido à gastança.

A gestão Lula da Silva agora quer dificultar ainda mais a já difícil missão do Comitê de Política Monetária (Copom). Ao optar por mais crédito e injetar dinheiro na economia liberando FGTS, o governo acaba por garantir que a Selic, que já se encontra em patamar elevado, permaneça acima de dois dígitos por tempo prolongado. Ao contrário do que proclamou Lula recentemente, nem a macroeconomia é uma “bobagem”, nem a ilusão do dinheiro fácil salvará os pobres.

Mas Lula é teimoso, razão pela qual os preços continuarão sua trajetória de alta e a população vai se endividar mais, como acontece sempre que o PT aplica suas teorias econômicas. Enquanto isso, os juros altos, que lá estão porque o governo detesta austeridade, vão garantir que a relação dívida/PIB, que encerrou 2024 em 76,1%, seguirá subindo.

Pode até ser que, no curtíssimo prazo, a festança do crédito barato e da liberação do FGTS renda alguma simpatia popular para este combalido governo, mas o custo disso será muito alto para o País.

Faltou decoro na troca de Nísia

Correio Braziliense

Nísia foi alvo de um longo e desnecessário processo de fritura, costurado por aliados e reportado pela imprensa. A dinâmica se assemelha à substituição de outras mulheres do primeiro escalão do governo Lula

Durante o evento de sanção da lei do Mais Médicos, em julho de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi categórico ao avisar aos interessados em mexer no comando do Ministério da Saúde: "Tem pessoas e funções que são uma coisa da escolha pessoal do presidente da República. Eu já disse publicamente: a Nísia não é ministra do Brasil, ela é minha ministra".

Nesta terça-feira, cerca de um ano e meio depois, também em um evento para anunciar políticas da pasta — desta vez, uma vacina contra a dengue 100% nacional —, não faltou demonstração de estima à Nísia Trindade. Mas vinda de outra frente. A ministra foi ovacionada por servidores da pasta presentes no salão do Palácio do Planalto e, com voz trêmula, fez um discurso com tom de despedida. Lula ficou em silêncio. Horas depois da cerimônia constrangedora, a demissão foi anunciada.

Na nota oficial que chancelou a troca por Alexandre Padilha, titular da Relações Institucionais, a partir de 6 de março, o chefe do Executivo "agradeceu à ministra pelo trabalho e dedicação à frente do ministério". Ontem, Nísia afirmou que processos de substituição "fazem parte da vivência de qualquer governo" e criticou a imprensa por "antecipar decisões que cabem ao presidente".

É, de fato, prerrogativa de qualquer gestor público, sobretudo de um presidente da República, que mantenha sua equipe condizente com as demandas do momento, ou com as dimensões técnico-políticas, nas palavras de Nísia. Da mesma forma, espera-se dos próximos uma relação de cuidado, principalmente em situações de criticidade.

Pressionado pela queda da popularidade, Lula passou a cobrar mais visibilidade aos feitos do governo. Com isso, a cobiça pela pasta que tem orçamento de R$ 239,7 bilhões e capacidade de adotar medidas facilmente percebidas pela população obviamente aumentou. É de se estranhar, porém, o descompasso entre a declaração explícita de camaradagem em 2023 e o silêncio na cerimônia desta terça-feira.

Nísia foi alvo de um longo e desnecessário processo de fritura, costurado por aliados e reportado pela imprensa. A dinâmica se assemelha à substituição de outras mulheres do primeiro escalão do terceiro mandato de Lula — Daniela Carneiro, no Turismo, em julho de 2023; e Ana Moser, no Esporte, em setembro do mesmo ano.

Há de se ressaltar que todas as ministras que seguem no governo — Anielle Franco (Igualdade Racial), Cida Gonçalves (Mulheres), Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos), Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação), Macaé Evaristo (Direitos Humanos e Cidadania), Margareth Menezes (Cultura), Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima), Simone Tebet (Planejamento) e Sônia Guajajara (dos Povos Indígenas) — declararam, nas redes sociais, a admiração ao trabalho desempenhado por Nísia à frente da Saúde, contrastando com o movimento de atribuir a demissão a uma suposta incompetência da então ministra.

Fortalecimento do SUS, valorização dos profissionais de saúde, aumento da cobertura vacinal, comprometimento com a ciência e combate às desigualdades estão entre os feitos destacados pelas ministras. Também destacados pelo movimento de desagravo que ganhou força logo depois do anúncio da demissão.

Primeira mulher a chefiar a Saúde, Nísia, que tem perfil técnico, aceitou o desafio de reconstruir um setor historicamente crítico e ainda mais enfraquecido por forte desmonte promovido pela gestão anterior, de Jair Bolsonaro. Errou, acertou e, como qualquer pessoa que aceite conduzir um projeto de governo vitorioso nas urnas, está sujeita a críticas. Mas é lamentável, como já expresso neste espaço, o ataque especulativo a que foi submetida e que a reforma ministerial tenha começado sem o devido respeito que Nísia, os demais servidores da saúde e os brasileiros merecem.

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