Valor Econômico
O mundo está mais perigoso. E a questão de
segurança econômica ganha ainda mais relevância com Donald Trump de volta à
Casa Branca
Os ocidentais se referiam sobretudo à China
quando falavam até recentemente do tema. Agora, os EUA são também uma ameaça.
Parceiros se inquietam com a abrupta mudança em alianças americanas,
intimidações no comércio com choques tarifários, ameaças de “tomar” o Canal do
Panamá e tornar o Canadá o 51º Estado americano, reivindicar o controle da
Groenlândia e abocanhar metade dos minerais críticos da combalida Ucrânia em
nome de interesses estratégicos.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von
der Leyen, tirou uma rápida conclusão: “Sabemos que haverá um aumento no uso de
ameaças e de ferramentas de coerção econômica, como sanções, controles de
exportação e tarifas. Vimos isso novamente nos últimos dias e a rapidez com que
as coisas podem se agravar”.
Nesse cenário, um bom número de países acelera a cartografia dos riscos, para adotar suas políticas de segurança econômica, uma área cada vez mais dinâmica. Em vários deles, incluindo os europeus, o grau de integração econômica com a China é levado em conta com cuidado. Existe inquietação com o excesso de capacidade industrial chinesa, mas também o reconhecimento de que custaria caro reforçar a resiliência das economias se desviando da segunda maior economia do mundo. Isso poderia reduzir a eficiência e aumentar os preços no mercado interno, como notam certos analistas.
Uma estratégia de segurança econômica é
normalmente articulada em torno de diversificação de importações e de
exportações para evitar dependência excessiva em relação a parceiros
importantes; política de filtragem na entrada e saída de investimentos; intervenção
em setores críticos financiando políticas industriais e reforçando a segurança
tecnológica; medidas para desencorajar a coerção econômica e atenuar os
estragos que pode causar; acesso a matérias-primas críticas; resiliência de
cadeias de abastecimento; restrições nos mercados de compras públicas, por
exemplo.
Na União Europeia, o tradicional comissário
de Comércio agora é também comissário de Segurança Econômica. A UE faz uma
revisão dos instrumentos existentes, para eventualmente criar outros visando
aumentar a segurança, a competitividade e reduzir dependências.
Considera isso ainda mais importante no
cenário de intensificação brutal da concorrência econômica. Uma corrida já está
lançada, como destacou Von der Leyen: dos chips à inteligência artificial, do
lítio ao quantum, das tecnologias limpas ao espaço, e corrida armamentista.
Novas corridas continuarão a se acelerar - em tudo, desde o espaço da
informação, rotas marítimas ou equipamentos militares avançados.
No Brasil, parece haver na Esplanada dos
Ministérios esforços esparsos, que deveriam levar à criação de uma força-tarefa
para ajudar a navegar nesse cenário de desmonte acelerado dos princípios que
sustentaram a ordem global por três quartos de século.
No Congresso Nacional, um deputado da
Paraíba, Murilo Galdino (Republicanos), adiantou-se com um projeto que
“autoriza o Congresso Nacional, por motivo de segurança nacional, a permitir
que o Brasil adote medidas imediatas de reciprocidade a país-membro que, em
desacordo com as normas da Organização Mundial do Comércio, determine a
elevação de tarifas de produtos brasileiros destinados à exportação”.
Depois de mais clareza sobre próximos passos
nos EUA e reações de parceiros, não será surpresa se o Itamaraty e o Mdic
elaborarem uma medida provisória que justamente dê base jurídica para o país
retaliar contra ações unilaterais de comércio como as anunciadas por Trump, mas
não exclusivamente.
Além disso, o Brasil não tem como ignorar o
exame do uso de moedas locais no comércio, no sentido de criar alternativas de
liquidação de transações comerciais. O dólar pode ser transformado ainda mais
em arma, e sanções usadas com alcance sem precedentes.
O Brasil precisará afinar também sua
estratégia sobre minerais críticos. O país tem ativos na luta mundial pelo
controle desses materiais que são essenciais para muitas tecnologias modernas e
para a segurança nacional e econômica: é o maior produtor mundial de nióbio,
com 92% do total; produz 13% da bauxita no mundo, para produção de alumínio; 8%
do grafite natural, usado para baterias e material para produção de aço; e 9%
do tântalo mundial, que serve para superligas e compensadores para dispositivos
eletrônicos.
Há alguns anos, os EUA insistiram em obter do
Brasil exclusividade e compromisso de o país não restringir exportações dos
minerais críticos, sem sucesso. Recentemente, o Congressional Research Service
(CRS), que dá assistência a parlamentares americanos, observou que a política
comercial dos EUA para a América Latina nos últimos anos, bem antes portanto de
Trump, abandonou o foco em liberalização comercial para se concentrar mais no
atendimento de preocupações de segurança nacional. Reforçar as cadeias de suprimento
em setores estratégicos emergiu já há algum tempo como objetivo prioritário de
Washington no hemisfério, em parte pela proximidade geográfica e pela
abundância de minerais críticos.
Em todos os casos, buscar se preparar não é
simplesmente definir retaliações, mas pensar diferentes estratégias que levem
em conta igualmente que há uma assimetria forte, considerando a bala na agulha
em Washington.
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