O Globo
Numa cena famosa do livro “O Sol também se
levanta”, de Ernest Hemingway, um personagem pergunta a outro como foi que ele
faliu. O sujeito responde: “De duas maneiras. Primeiro, gradualmente, e então
de repente”. Para o governo Lula,
os resultados da última pesquisa Quaest mostrando
que a reprovação
ao governo já superou a aprovação nos oito principais estados
brasileiros é uma espécie de “gradualmente”.
Mês após mês, vários institutos de pesquisa vêm indicando que o mau humor com o governo só aumenta, apesar de o PIB ter crescido 3%, de o desemprego estar em queda e a massa salarial em alta. Esse estado de coisas se repete até em regiões onde Lula é forte eleitoralmente, e o governo está bastante presente com seus programas sociais, como o Nordeste.
Embora se saiba que a inflação é um dos
principais motivos, a insatisfação com os preços não é nova. O que parece
justificar tamanho tombo na aprovação — comparável apenas ao sofrido por Dilma
Rousseff depois das manifestações de junho de 2013 — é a crise
do Pix, no
início de janeiro, movida pela campanha da oposição sugerindo a fiscalização
dos pagamentos acima de R$ 5 mil visava a cobrar mais impostos.
Desde então, os governistas se dividiram.
Parte diz que se trata de maré passageira e que iniciativas como o PAC ou a vinda
do novo ministro da Secretaria de Comunicação Social, a Secom, ainda podem
revertê-la.
Outra ala defende que é preciso reagir
rápido, melhorando a articulação política e aumentando o diálogo com o mercado,
com o agro e com os evangélicos, para resistir ao avanço da direita sobre o
eleitorado. Essa guinada, porém, depende de uma reforma ministerial que já vem
sendo anunciada desde o ano passado e até agora não aconteceu.
A substituição de Nísia
Trindade por Alexandre
Padilha não muda o panorama — e o pouco que se sabe até agora do que
deve ser a reforma é que petistas serão trocados por outros petistas.
O maior obstáculo para sair do impasse é o
próprio Lula, que não só empurra as decisões com a barriga, como também parece
não ver tanta necessidade assim de mudança. Em seu discurso no evento de 45
anos do PT,
no fim de semana passado, ele enfileirou indicadores positivos e trilhões em
investimentos, disse que nenhum outro fez tanto na área social e repetiu pela
enésima vez que 2025 será o ano da colheita — não porque vá fazer qualquer
mudança substantiva, e sim porque a comunicação do governo será diferente.
“Um governo que não dá informações não tem
como o militante defender, e agora nós vamos dar as informações”, afirmou.
Para Lula, sua verdadeira guerra é contra as
plataformas digitais e as fake news. Mas em 2025 isso mudará, porque, segundo
ele, “a verdade vai derrotar a mentira no Brasil e no
mundo”.
Embora a menção às fake news e à mentira seja
uma referência óbvia ao massacre nas redes sociais no caso do Pix, Lula
preferiu escolher outro exemplo para a plateia de petistas. Num desagravo
a José
Dirceu, João Vaccari Neto e Delúbio Soares — condenados e presos por
corrupção em diferentes processos do mensalão e do petrolão, mas tratados pelo
presidente como “vítimas da mentira” —, afirmou:
“Eles primeiro contam mentiras para tentar
nos destruir. Eu sei o que eles fizeram comigo”.
Claro que não se espera que Lula apague da
memória o período que passou na prisão. Mas, para quem acabara de dizer que o
governo precisa se conectar com o futuro, seu discurso ainda está amarrado
demais a um passado de que muitos brasileiros ainda guardam amarga lembrança.
Sugere, ainda, que ele está mais preocupado com os seus e fornece muito pouco
horizonte a quem já está impaciente.
No palco do PT, o presidente disse que não
será fácil derrotá-lo em 2026. Pode ser, mas aí também os números da Quaest
trazem um alerta importante. Em quase todos os cenários de segundo turno, Lula
ganharia dos adversários em 2026, com duas exceções. Uma é Jair
Bolsonaro, que está inelegível e não pode disputar. Outra, Tarcísio
de Freitas (Republicanos-SP)
— que não se apresentou para jogo, mas é o preferido dos donos do dinheiro e
tem a vantagem de ser desconhecido de fatia considerável de eleitores.
Claro que é cedo para vaticinar o final desse
enredo, ainda mais porque o Brasil é o país das reviravoltas políticas. Mas não
convém a Lula continuar teimando contra a realidade. Como diria o personagem de
Hemingway, quando você faz questão de ignorar o “gradualmente”, fatalmente uma
hora encontrará seu “de repente”.
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