O Estado de S. Paulo
Uma breve análise das palavras do presidente Lula é necessária, no mínimo para ajudar os cursos de Economia em sua árdua tarefa de ensinar uma ciência tão inexata
Os últimos dois meses presenciaram um quadro
econômico nacional em deterioração e que tem afetado sobremaneira a situação
política, incluindo a avaliação do presidente Lula. Vale notar, no entanto, que
há dois movimentos em paralelo. Numa via, o descrédito fiscal já vinha minando
as perspectivas de mercado há meses. Noutra, um descompasso nos preços tem
tornado a inflação uma ameaça e impactado o orçamento familiar em aspectos
bastante críticos.
Infelizmente, a teoria econômica é eivada de lacunas na compreensão de diversos dos elementos centrais de nossa vida econômica, como a renda, a produção e os preços, notadamente o preço do nosso dinheiro. Mesmo em relação às causalidades que ganham ares de verdade inelutável, as controvérsias teóricas e práticas são imensas.
É inegável que o preço dos alimentos está na
base da dinâmica inflacionária recente que validou a escalada da taxa de juros
que o Banco Central vem promovendo, em parte impulsionado pelo câmbio. No
entanto, também não há como negar que o resultado do déficit público brasileiro
não está distante da maioria dos países relevantes no contexto mundial.
As duas coisas poderiam ser explicadas pela
autoridade governamental sem a criação de maiores celeumas, avançando num
debate necessário sobre as principais questões da economia brasileira. Mas o
fato é que ambas desgastam profundamente o governo Lula. Tanto que o próprio
presidente se manifestou sobre o absurdo do preço do ovo e sobre o tamanho do
déficit público.
Permito-me transcrever as palavras recentes
de Lula sobre o assunto: “Isso é uma bobagem. O déficit fiscal foi zero,
ninguém tem mais responsabilidade de fazer as coisas corretas do que eu. Se
você for fazer uma dívida para comprar uma casa, tudo bem, mas não se pode
gastar à toa. Eu não estou governando pela primeira vez, eu fui o presidente
que paguei o FMI, fiz uma reserva internacional que o Brasil não tinha. Quem
fala disso (gastos do governo) está querendo viver de especulação”.
Uma breve análise das palavras do presidente
Lula é necessária, no mínimo para ajudar os cursos de Economia em sua árdua
tarefa de ensinar uma ciência tão inexata.
Comecemos pelos “especuladores”. É verdade
que os analistas de mercado têm feito muito alarde em torno da incapacidade do
governo federal em administrar seu caixa de forma a gerar credibilidade no que
toca às condições de sustentabilidade fiscal. Também importa observar que, por
vezes, os comentários que a imprensa colhe junto a estes agentes de mercado
venham embarcados numa dose imprópria de interesse particular no jogo do preço
dos papéis.
Um aspecto, no entanto, não pode escapar ao
mandatário: se a especulação se sustenta no tempo, algo está produzindo o caldo
que a alimenta. E esse caldo é produzido pelo próprio presidente Lula, cujo
movimento de garantia de apoio à sua área econômica para o controle das contas
públicas é, no mínimo, errático e oscilante.
É estranha a fala do chefe de Estado sobre a
sua responsabilidade em fazer as coisas corretas. A afirmação deveria ser
sustentada por atos que não fossem dúbios no compromisso de manter a situação
fiscal sob controle. De nada adianta vociferar contra os que manipulam
expectativas sobre o resultado fiscal e, no minuto seguinte, abraçar o velho
populismo e negociar com os grupos de interesse que impedem que as contas
públicas sejam controladas. Isso, sim, gera as condições para a especulação
prosperar.
Cabe também mencionar o lapso de memória
sobre o Fundo Monetário Internacional (FMI). Lula deveria lembrar que a
situação cambial, naquele final de 2002, apresentou tal nível de deterioração
porque o candidato em ascensão cansou de dar declarações de que não respeitaria
os contratos e realizaria auditorias em torno das dívidas interna e externa.
A questão das reservas internacionais é outro
assunto que deveria ser objeto de maior reflexão por nosso presidente. O nível
de reservas chegou a um patamar muitas vezes superior ao necessário para
garantir nossas contas externas contra movimentos especulativos. A grande
maioria dos analistas econômicos desconhecia a lógica de manter reservas tão
altas a um custo fiscal tão absurdo, o que tira dos pobres o dinheiro para as
políticas públicas.
Vale observar, para que o leitor compreenda o
custo das reservas, que o Brasil, por meio do Banco Central, aplica os dólares
que tem em títulos diversos, notadamente os do Tesouro dos Estados Unidos. Mas,
como as reservas são de propriedade de agentes privados, o Brasil paga juros em
reais a esses investidores. Pequeno detalhe, a diferença entre os juros reais
daqui e de lá é absurda e esse custo é arcado pelo Tesouro Nacional.
Importante ressaltar é a ausência de um
posicionamento articulado em torno de uma política comum, em que as metas sejam
perseguidas por todos dentro do governo federal. Vale dizer, o fracionamento do
governo só joga querosene na fogueira do descrédito fiscal, legitimando os
especuladores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário