Valor Econômico
A condenação tanto do ex-presidente da
República quanto de oficiais superiores das Forças Armadas é uma espécie de
último e tardio episódio da proclamação de 15 de novembro de 1889
O dia 25 de novembro de 2025 poderá ficar na
história dos marcos de transformações e mesmo supressão de valores supostamente
pétreos da organização política do país. Aqueles que preservaram, em nossa
república anômala, exceções à regra da igualdade jurídica de todos. Concepções
antimodernas e antirrepublicanas, disfuncionais. Não as de uma república de
cidadãos.
Esta é uma sociedade com fortes resquícios,
em sua estrutura política, da sociedade estamental do antigo regime. Nos livros
do século XVIII, de uma ordem religiosa de São Paulo, encontrei registros de
que a esmola para um nobre pobre era de 12 vezes a esmola de um simples pobre.
Rigor da quantificação na definição do que era aqui a sociedade estamental, não
a das diferenças sociais de classe. As diferenças eram de nascimento.
Mesmo não sendo propósito do STF, na condenação dos réus militares do processo do golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, igualou ele, social e politicamente, todos os participantes do golpe já em andamento desde antes da eleição de 2022. Enfim, de fato, todos juridicamente iguais.
A condenação tanto do ex-presidente da
República quanto de oficiais superiores das Forças Armadas desconheceu e anulou
a suposta legitimidade do nosso estamentalismo estrutural e ilegal. Uma espécie
de último e tardio episódio da proclamação de 15 de novembro de 1889.
Republicaniza a República.
Uma medida poderosa no sentido de abolir os
estamentos, pela época da Independência, foi a de José Bonifácio, que suprimiu
o morgadio. A concentração do direito de herança dos bens da família
constituído na figura do filho primogênito.
Os militares não estão sozinhos no nicho
socialmente classificatório do seu estamento. Outros grupos reivindicam
privilégios estamentais até mesmo no caráter hereditário do estamentalismo. É o
caso dos políticos brasileiros, qualquer que seja sua origem social. Anomalias
na legislação brasileira concedem aos que já estão no Legislativo, os que já
têm poder, direitos maiores e desiguais, na disputa eleitoral, nas mamatas e
privilégios que caracterizam os mandatos. Candidato de primeira vez entra na
disputa eleitoral desfavorecido em face dos benefícios decorrentes de mandato
já em exercício, que negam a igualdade necessária à disputa democrática.
Ou seja, o Legislativo é aqui um poder com
privilégios estamentais, que podem se transformar em privilégios de família,
como acontece com a família Bolsonaro e com as de muitos outros políticos
brasileiros. O privilégio estamental acobertado pelo exercício vicário do
pertencimento a uma categoria social já estabelecida. Por esse meio os
políticos disfarçadamente a transformaram em vitalícia e até mesmo, de certo
modo, em hereditária.
Na monarquia, bispos e padres católicos eram
um estamento. Agora, evangélicos reivindicam imunidade e intocabilidade para
burlar a Constituição, ao misturar ilegalmente religião e política.
Tanto no caso dos religiosos quanto no caso
dos militares de então, as pessoas comuns, nessas funções, ingressavam em
estamentos diversos dos de sua origem, o que neles apagava o defeito de
nascimento e da impureza de sangue, portanto de inferioridade social.
As prisões e o início de cumprimento de
longas penas das ocorrências de agora são um fato historicamente significativo.
Uma surpreendente novidade. As instituições não são manipuláveis.
A peculiar história política do Brasil não
reproduz as tendências gerais da história da totalidade dos países modernos.
Aqui, a proclamação da República não ocorreu como expressão de uma realidade
social em crise. Em face do que ocorria na Europa da mesma época, em que o
desenvolvimento econômico gerou contradições que implicaram a reformulação do
Estado e da concepção de representação política. Em outros países a estrutura
política tornara-se obsoleta em face do desenvolvimento econômico, da
industrialização e modernização da economia.
Aqui a república não foi expressão do
desenvolvimento econômico que apenas começava. Nela os militares expressavam
seus próprios interesses corporativos, sua ambição de poder pelo poder e nele a
função de substitutos do povo e da sociedade civil.
Essa anomalia criou um sistema de
cumplicidades, que tolhe os militares vulneráveis ao que é, também, um sistema
de manipulação de conduta. Os momentos do golpe mostraram que são minoria. A maioria
mostrou-se corajosamente íntegra no cumprimento do dever, conscientes da
impessoalidade de sua função.
A anomalia antidemocrática do regime
bolsonarista, com sua ideologia estamental da impunidade, criou o golpe de
Estado difuso e cotidianamente contínuo, mesmo com os protagonistas fora do
poder.

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