quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Um Banco Central durão. Para quê? Por Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

É preciso dar ao crescimento econômico o mesmo peso destinado ao controle da inflação

A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central não indicou início de redução de juros para janeiro. Há duas hipóteses: ou bem a autoridade monetária não quer se antecipar, evitando ficar a reboque do mercado, ou segue influenciada por uma ideia de que caberia ser durão, por mais tempo, a fim de ganhar a confiança dos mercados.

O argumento do Banco Central para manter a Selic em 15% ao ano, equivalente a um nível real de juros de 11%, baseia-se em três pontos: a lenta convergência das expectativas de inflação à meta de 3% ao ano; a projeção de inflação superior à meta para o chamado horizonte relevante; e a atividade econômica ainda forte.

A pesquisa Focus, que reúne as projeções econômicas dos agentes do mercado, já aponta, por cinco semanas consecutivas, redução na mediana das estimativas para a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2025 e 2026. Na apuração da última segunda-feira, as medianas das projeções para 2025 e 2026, respectivamente, eram: 4,36% e 4,10%. Para 2027, 3,80%.

Na pesquisa Focus de 7 de março, as projeções para 2025, 2026 e 2027 eram as seguintes: 5,68%, 4,40% e 4,00%, respectivamente. Evidentemente, essa mudança expressiva nas estimativas de inflação em 2025 está associada à taxa de câmbio. O Brasil possui uma conta capital e financeira, no balanço de pagamentos, bastante aberta. Isso conduz a uma volatilidade gigantesca na taxa de câmbio. A saber, o diferencial de juros continua a afetar, fortemente, as entradas e saídas de capital, movimento que se convencionou chamar de carry trade, quando o dinheiro é captado em países com taxas de juros baixas e trazido para países com juros estratosféricos.

Vale dizer, o Banco Central projeta que a inflação ficará muito próxima de 3% no horizonte relevante da política monetária, isto é, nos idos da primeira metade de 2027. A pesquisa Focus, como vem ocorrendo há semanas, deve começar a refletir essa convergência da inflação do ano que vem para patamares ainda mais baixos, o que vai ensejar considerações sobre as estimativas para 2027.

A taxa de câmbio não deve sofrer sobressaltos, em 2026, mantendo-se em nível favorável e, a depender da política econômica norte-americana (juros e tarifas), pode até passar por novas reduções (isto é, subidas do real frente ao dólar). Esse é um fator preponderante.

Quanto à atividade econômica, os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do próprio Banco Central indicam uma murcha. O Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre aumentou apenas 0,1%, depois de alta de 0,3% no segundo, e de 1,5%, no primeiro. As projeções para o PIB estão pouco acima de 2% para 2025. No ano que vem, já se projeta PIB mais próximo de 1,5%. Vai ser preciso derrubar ainda mais as projeções de PIB para os juros se movimentarem?

A política monetária pode levar tempo, mas afeta a demanda da economia. Os indicadores de indústria, serviços e comércio estão apontando na mesma direção. Cabe ao Banco Central não ignorar a realidade, sob a ideia de que precisaria angariar credibilidade ou coisa assim.

A hora é de olhar para o risco de uma deterioração da atividade econômica, que poderá vir como uma avalanche, dados os efeitos acumulados dessa política monetária excessivamente conservadora. A redução dos juros precisa começar logo e, mesmo assim, a política monetária ainda operará em níveis contracionistas por boa parte do ano que vem.

A ideia de que o Banco Central precisa ser durão é uma falácia. À autoridade monetária cabe buscar a preservação do valor da moeda e o bom funcionamento do sistema financeiro. Cabe controlar a inflação, perseguindo as metas estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional. Metas que, atualmente, estão completamente fora da realidade. Quem disse ser prudente ou tecnicamente recomendável para a economia brasileira uma inflação de 3% ao ano?

Mesmo que não exista, no Brasil, o chamado duplo mandato para a autoridade monetária – metas de inflação e minimização do hiato do produto ou do emprego –, é dever do Banco Central acompanhar a atividade econômica e o emprego e cuidar para que suas decisões não acabem desprezando o bebê junto com a água suja do banho.

Ademais, uma política monetária conservadora gera despesas com juros impeditivos. O déficit do setor público está em 8,2% do PIB, sendo o resultado primário próximo de zero e o restante explicado pelos gastos financeiros. Como estabilizar uma dívida que recebe mais e mais lenha na fogueira?

A busca do superávit primário é inescapável, mas não anula a necessidade de uma revisão na política monetária. Gostamos muito de copiar os Estados Unidos, mas, curiosamente, nesse tema, não. O duplo mandato e a sinalização de uma curva de juros projetada (e não apenas do juro de curto prazo) pelos membros do Fomc (o Copom americano) são providências que poderiam ser copiadas por aqui.

O Banco Central quer ser durão. Para quê? A credibilidade da atual gestão já está provada. Trata-se de gente séria, como já mostrei aqui. É preciso dar ao crescimento econômico o mesmo peso destinado ao controle da inflação. Nisso, ainda engatinhamos. •

 

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