domingo, 14 de junho de 2015

Opinião do dia – Aécio Neves

"Vejo que o Brasil não tem governo. Hoje o PT sofre as consequências da maldita herança que ele próprio deixou para si. No momento que o PT abandona os interesses do país, ao não fazer as correções que precisariam ter sido feitas ao longo dos anos, para se preocupar única e exclusivamente em vencer eleições, ele transfere às famílias brasileiras o preço mais alto dessa conta."

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Aécio Neves é senador e presidente nacional do PSDB na Convenção do PSDB de Minas Gerais. Belo Horizonte, 13 de junho de 2015.

O PT não roda mais a baiana

• Encontro em Salvador revela impasses do partido, que tenta evitar distanciamento da base

• Pela primeira vez em seus 35 anos de existência, o partido tem um governo que não executa o programa que aprovou nas urnas

Luiz Antônio Novaes – O Globo


SALVADOR — Luiz Inácio foi logo avisando: “O PT está machucado, mas bem vivo”. Quem acompanhou de perto o 5º Congresso Nacional do partido, em Salvador, realizado de quinta-feira a sábado, pode constatar que Lula tem razão: sim, o PT está vivo, só que bem mais machucado do que seus dirigentes ousam admitir.

Para a direção partidária, sempre obrigada a vender mais otimismo, o momento é de profunda reflexão, como costuma repetir seu presidente, Rui Falcão. Para as correntes mais críticas, a hora é de inflexão à esquerda, única forma de impedir a descaracterização completa do partido. Para os 750 delegados presentes — número pouco abaixo do esperado — a crise mistura perplexidade, desencanto, dispersão, um resto de esperança e uma enorme balbúrdia no plenário.

A origem do atual drama petista reside em algo inédito: pela primeira vez em seus 35 anos de existência, o partido tem um governo que não executa o programa que aprovou nas urnas. Pior do que não implementá-lo, a presidente Dilma Rousseff não alertou o partido do que iria fazer.

Lula viveu situação semelhante, ao chegar ao Palácio do Planalto, em 2003. Mas avisou antes, com a “Carta ao povo brasileiro”, no início da campanha eleitoral, em junho de 2002, que seria obrigado a adotar medidas de austeridade distantes do tradicional ideário petista. Agora, flagrada na mentira eleitoral, Dilma aprofunda o fosso entre o partido e sua base social mais militante, que já vinha sendo cavado ao longo de uma década de casos de corrupção envolvendo seus dirigentes.

Também incapaz de conter o avanço conservador que se organiza em torno do PMDB na Câmara e no Senado, o PT dá claros sinais de asfixia no espaço da política parlamentar, da ética pública e da economia. O resultado é o que se viu no encontro de Salvador: de um lado, um partido que clama à presidente por uma bandeira capaz de apaziguar a sua base e, com isso, poder defender o seu governo; de outro, uma presidente que pede ajuda ao partido para aprovar um ajuste fiscal que é a causa da insatisfação de sua base. Mirando-se fixamente, um espera que o outro tome uma iniciativa que nunca vem. O que a direção mais pede aos céus é que Dilma compre a briga pela taxação das grandes fortunas. Mas, nesse caso, a presidente passou por Salvador sem deixar nenhuma esperança.

Líder na câmara descarta nova CPMF
No segundo dia do congresso, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, deixou escapar, durante o café da manhã, que o governo pretendia resgatar a CPMF, mas agora só para os mais ricos. Parecia, enfim, uma das boas notícias tão esperadas pelo PT. Mas não foi preciso muito tempo para que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o desmentisse.

O líder do PT na Câmara, José Guimarães, já dera a senha de que o titular da Saúde estava falando sozinho. Para ele, não só o novo imposto sobre a saúde dos ricos não emplacaria, nem a reedição da velha CPMF ajudaria. Tudo o que diz respeito à contribuição, segundo o líder, só aumentaria a rejeição do governo petista na classe média. Mesmo com todos esses desmentidos, Rui Falcão continuou reafirmando que o ministro recebera sinal verde de Dilma para anunciar os estudos. Definitivamente, é cada vez mais difícil ser petista, até dentro do PT.

Nessa quase sinuca de bico, resta ao partido o discurso nada novo de culpar os inimigos de classe, as forças políticas conservadoras e a mídia. A estratégia fornece munição e acalma momentaneamente os militantes, mas não impede que o PT continue frequentando as páginas policiais e os presídios.

Sem novas bandeiras e iniciativas, perto da exaustão, a cúpula partidária tenta flertar com as ruas. As teses para o 5º Congresso, inclusive a do grupo majoritário, mostraram isso. O problema é que, desde junho de 2013, nenhuma das gigantescas manifestações populares no país contou com o protagonismo do PT. Ao contrário: nas duas ondas, o partido e o governo Dilma estiveram no centro das reclamações. Há dois anos, vinham da esquerda, especialmente da juventude; agora, em 2015, partem da direita.

Pressionado por todos os lados, tudo o que PT precisaria, neste momento, é manter intacto seus apoios no movimento sindical. Mas isso também começou a ruir em Salvador: a Central Única dos Trabalhadores (CUT) esteve presente, mas só para protestar contra o ministro da Fazenda e a política econômica de Dilma.

No dia da abertura, na fila dos que esperavam para entrar no auditório onde Dilma e Lula discursariam, delegados ligados a bases sindicais panfletavam o mais contundente manifesto dirigido ao encontro.

Intitulado “O PT de volta para a classe trabalhadora”, o documento foi assinado por 422 dirigentes sindicais. Os primeiros 31 eram membros da Executiva Nacional da CUT. Quase irmã gêmea do PT, a CUT surgiu em 1983 em confronto aberto com a estrutura sindical varguista e depois, bem adaptada ao governo camarada, se esqueceu da promessa de extingui-la. Agora, inclinada para a esquerda, a CUT por pouco não roubou a cena do 5º Congresso. Não foi desta vez, mas a ação inédita e abertamente oposicionista da entidade mostrou que o perigo vem também do que a sociologia do trabalho adora chamar de chão da fábrica.

O crescente descolamento entre cúpula e base só consegue ser remediado pela presença de Lula. Especialista desde os tempos de sindicato na negociação e na conciliação de forças contrárias, ele é o único dirigente que ainda consegue calar o plenário e ser ouvido. Até chegar a vez de Lula discursar, delegados do 5º Congresso, especialmente os da Bahia, patrocinavam, da metade do salão para trás, cenas que beiravam o pugilato. Tudo começara assim que o governador-anfitrião, Rui Costa, tentava fazer seu discurso de boas vindas. Discursar é força de expressão, pois o petista Costa não conseguiu sequer concluir a primeira frase sem que vaias, gritos e palavras de ordem partissem de seus correligionários.

Uma delas assustou parte dos presentes: “Cabula, Cabula, Cabula”. Até que se entendesse que se referiam a um bairro de Salvador (onde a PM matara jovens negros em ação desastradamente justificada pelo governador), muitos ficaram lívidos julgando que, fora de todos os limites, os delegados-manifestantes estivessem gritando “Papuda, Papuda, Papuda”. A confusão durou cerca de meia hora, prolongando-se durante a fala do orador seguinte, o presidente Rui Falcão. Ele apelava, com fala lenta e contida, para que os militantes se dedicassem a mais reflexões. Havia na confusão boa dose da rivalidade local entre os grupos do ex-governador Jaques Wagner e o atual.

Chamado ao microfone, Lula apaziguou a guerra fratricida baiana e, por longos minutos a que os militantes costumam conferir aura mística, voltou a unir o partido numa só voz. Sem a verve habitual, mas explorando com perícia a imensa carga simbólica que representa na história do PT e do país, leu o discurso preparado pelos assessores do instituto que leva seu nome.

Como se ainda fosse presidente, gastou uns bons 15 minutos só de agradecimentos a autoridades presentes, da Bahia, do Brasil e do mundo. Explicou que optara pela leitura para não correr o risco de se empolgar e falar com o fígado. Não demorou para se perceber que, no texto preparado para a ocasião, expressaria o conhecido fígado do próprio partido.

Num dos momentos mais espantosos, quando abordava os desafios enfrentados pelas empresas de comunicação, muitas obrigadas a promover cortes de pessoal, Lula esteve perto de comemorar a demissão de jornalistas. Foi algo além dos ataques habituais à imprensa, mas, como sempre, isso serviu de mote para palavras de ordem contra a mídia, ouvidas no plenário.

Mesmo que o ex-presidente continue senhor absoluto do partido, os lulistas devem ter percebido algumas cenas perigosas, inimagináveis em outros tempos: muitos delegados preferiram acompanhar o discurso do líder máximo deitados no chão. A mesma falta de cerimônia se repetiu com Dilma: a diferença é que, no caso da presidente da República, boa parte dos presentes deixou o plenário antes do fim do pronunciamento. A maioria saiu ao perceber que a defesa que Dilma fazia do ajuste fiscal era bem mais contundente do que parecera quando, minutos antes, afirmara que não mudara de lado e que a medida seria um mero recuo tático.

A fina sensibilidade da plateia para o tema da corrupção, evidenciada mais uma vez quando pedidos de “cadeira, cadeira” foram confundidos com “cadeia, cadeia”, contrasta fortemente com o comportamento dos atuais comandantes do partido. Em nenhum momento, seja nos debates em plenário, seja nas entrevistas coletivas, Lula e os dirigentes do PT trataram como um dado da realidade o que todo o país sabe: que dois presidentes e dois dos seus tesoureiros já foram presos por envolvimento nos escândalos do mensalão e do petrolão. A primeira forma de fugir da questão é pedir socorro à ideologia: não há corrupção no partido; o que há é um processo de criminalização de seus principais dirigentes que, no limite, visa a extinguir o próprio PT. Quem mais recorre a esse expediente surrealista, além de Lula, é Rui Falcão.

Outra maneira de explicar, preferida da presidente Dilma, bate de frente com a primeira. Pela ótica dilmista, quem fez malfeitos, ao menos na Petrobras, só foi encarcerado porque os governos petistas, o dela principalmente, aparelharam e incentivaram os órgãos de investigação a ir até o fim, doa a quem doer. O que é ignorado no primeiro caso, a investigação real levada a cabo por Polícia Federal, Ministério Público e Justiça, abunda no segundo. Como se vê, a conexão lógica entre os dois discursos é zero.

O que os petistas não podem negar é que os tempos de José Dirceu, Genoino, Palocci e Delúbio vão sendo apagados da memória oficial do partido: nenhum deles foi citado no encontro. Só a João Vaccari, tesoureiro ainda preso, coube a honra de ser lembrado com prolongadas palmas. A sugestão foi de Marcus Sokol, líder há décadas da corrente “O Trabalho”, agrupamento trotskista que em remotos tempos incentivava as ações da tendência estudantil Liberdade e Luta.

Ausente do debate público, o fantasma de Dirceu assusta a altíssima cúpula petista, especialmente o Instituto Lula. “Estamos no mesmo saco, eu, o Lula, a Dilma”, disse o ex-presidente que o PT quer esquecer, em conversa com amigos revelada pelo “Estado de S.Paulo”. No desabafo, Dirceu se referiu a Lula e Dilma como omissos e covardes.

Dirceu está magoado com Lula, mas seu filho, não. Ao avistar o ex-presidente a caminho do plenário, o deputado Zeca Dirceu correu até ele e pediu para fazer uma selfie. Bem sucedido, levou para o álbum da família a foto de um Lula sorridente.

O encontro de Salvador também deixará registrado para a História o fim das produções hollywoodianas do partido governista e o início da fase de vacas magras. Por trás da nova filosofia de eventos, que, em ajuste fiscal doméstico, obrigou delegados a pagar com dinheiro do próprio bolso a água gelada que consumiam, encontra-se uma situação real de dificuldade de caixa.

Há grandes dívidas: o diretório de São Paulo tem um buraco de mais de R$ 50 milhões. Mas há ainda grande esforço de marketing para mostrar que o PT, abalado pelos escândalos de financiamento privado de campanhas, irá agora buscar sua sobrevivência financeira diretamente com os militantes. Não à toa, coube a Lula, sexta-feira, lançar a nova modalidade de arrecadação, via internet.

Nada disso, porém, impedirá que o partido continue se abastecendo prioritariamente com o dinheiro privado. Ao desistir de defender apenas o financiamento público, há duas semanas, o PT se acomoda à tendência do Congresso Nacional de permitir a participação direta do poder econômico na política, assim como se prepara para as eleições municipais de 2016, quando o destino do partido passará por teste ainda mais difícil.

Financiamento privado deve continuar
Os delegados do partido decidiram não decidir sobre isso e devolveram o abacaxi ao Diretório Nacional, como queriam os caciques. O que a maioria dos delegados ainda não sabe é que o diretório pretende descascá-lo da forma mais pragmática possível: abrindo exceção, provavelmente de dois anos, para que o dinheiro privado possa irrigar os cofres das milionárias campanhas para as prefeituras em 2016, a de Fernando Haddad, em São Paulo, à frente. Resta saber quais empresários estarão dispostos, após se conhecer a magnitude da bomba chamada delação premiada e o novo ímpeto da Justiça para prender os criminosos de colarinho branco, a contribuir tão generosamente com o partido que esteve no centro dos maiores e mais recentes escândalos.

Assim caminhou o PT em Salvador. Na mais colorida das alegorias, o impasse do partido podia ser vislumbrado no rodopiar de 13 baianas que, com roupas típicas, davam as boas vindas aos delegados. Toda vez que um novo grupo chegava, o coordenador da banda e da coreografia alertava: “É hora de rebolar”. Ao partido que, pressionado por suas bases sindicais, implora à presidente Dilma pelas 40 horas semanais de trabalho, caberia explicar às bailarinas do Rio Vermelho por que, naquela quinta-feira, a jornada, que começara às 9h, só iria terminar às 22h. Mas justificativas para tantas e tão fortes contradições é hoje pedir demais ao PT. Por lá, quase ninguém mais roda a baiana (Joaquim Levy, aliviado, que o diga). Só as exaustas moças e senhoras na porta do hotel de luxo. (Colaborou Sérgio Roxo)

Votação do congresso do PT acaba com vaias após ser adiada decisão sobre doações de empresas

Ana Fernandes, Vera Rosa e Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

• Pleito foi declarado encerrado pelo tesoureiro da sigla, Márcio Macêdo, em meio às críticas de vários militantes que pediam para o tema ser definido neste sábado e não na próxima reunião do diretório nacional

SALVADOR - As votações do texto final que sai do 5º Congresso do PT foram encerradas com vaias dos delegados que queriam apreciar a questão das doações empresariais. A votação para remeter a decisão para a próxima reunião do diretório nacional do partido foi feita por contraste visual dos crachás levantados pelos delegados.

Pelas imagens que são transmitidas pela internet, não ficou claro se havia maioria de cada um dos lados, mas a direção optou por encerrar a questão. O tesoureiro Márcio Macêdo declarou o encontro encerrado e disse que a questão seria remetida ao diretório "sem prejuízo dos debates". Muitos gritaram pedindo votação e houve vaias. Alguns delegados chacoalhavam os crachás no ar em protesto à decisão.

O debate prévio à decisão sobre as doações também foi rápido. Valter Pomar, da corrente Articulação de Esquerda, disse que o Congresso não deveria abrir mão da discussão. "O Congresso tem que reafirmar a posição de não aceitar financiamento empresarial", disse argumentando que a questão era de gravidade e importância. Já o ex-tesoureiro Paulo Ferreira, da CNB, disse que seria um "prejuízo" votar antes de haver uma definição do marco legal sobre o tema.

Em abril, o partido definiu que seus diretórios não recebam doações de empresas e deixou em aberto as doações a candidatos. A Câmara dos Deputados aprovou em primeira votação, nas discussões da reforma política, uma PEC na direção contrária, que veta a doação a campanhas mas libera a partidos. Com isso, o partido se vê pressionado a recuar da decisão. Diretórios estaduais endividados também pressionam por não terem dinheiro em caixa para quitar dívidas de campanha do ano passado.

PT recua de crítica ao ajuste e rejeita romper com PMDB

Vera Rosa, Ricardo Galhardo e Ana Fernandes - O Estado de S. Paulo

• Ao final de 5º congresso, partido é enquadrado pelo governo e evita mudança: desiste de ataque à política econômica e ruptura com aliado

SALVADOR - O governo enquadrou o PT. Após três dias de embates, o 5.º Congresso do partido decidiu ontem não confrontar a presidente Dilma Rousseff e atenuou ainda mais as críticas à política econômica. Intitulada Carta de Salvador, a resolução política do encontro evitou ataques ao ajuste fiscal, não citou o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e rejeitou a proposta que pregava o rompimento da aliança com o PMDB.

Diante da maior crise de seus 35 anos, no rastro dos escândalos de corrupção, o PT também aprovou moção de apoio ao ex-tesoureiro João Vaccari Neto, que está preso, acusado de desviar recursos da Petrobrás. Dividido, o PT não promoveu mudanças internas e adiou decisões importantes, como o referendo sobre o fim das doações empresariais, indicando que pode rever a proibição.

Na última hora, em um aceno à sua base, o partido encaixou na resolução um parágrafo dizendo que “é preciso conduzir a orientação geral da política econômica para a implementação de estratégias para a retomada do crescimento, (...) defesa do emprego, do salário e dos demais direitos dos trabalhadores, que permita a ampliação das políticas sociais”.

A emenda aprovada foi resultado de um acordo entre as duas correntes que mediram forças durante o encontro: a majoritária Construindo um Novo Brasil (CNB), do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a Mensagem ao Partido, do ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro. O grupo de Tarso queria incluir no texto a expressão “alterar a política econômica”, mas foi derrotado.

CPMF. A defesa da CPMF acabou retirada da resolução. No lugar, entrou o apoio a “novas formas de financiamento à saúde” e ao imposto sobre fortunas e grandes heranças, lucros e dividendos. “As pessoas têm medo de imposto. Eu prefiro fazer o debate, mas respeito a decisão da maioria”, disse o presidente do PT, Rui Falcão. Na sexta-feira o ministro da Saúde, Arthur Chioro, defendeu a criação de um novo modelo de CPMF para a área, mas foi desautorizado por Levy.

Gritos contra o ajuste, com pedidos de recontagem de votos, marcaram as disputas entre as correntes no plenário. “A CUT tem razão. Ajuste é recessão!”, bradavam militantes. O congresso terminou sob vaias de alas minoritárias. “Levy era Judas, depois virou Jesus Cristo, foi santificado e subiu ao céu”, ironizou Markus Sokol, da corrente trotskista O Trabalho.

Fora Cunha. Em meio a gritos de “Fora Cunha”, o PT também rejeitou a proposta de tendências mais à esquerda, que pregavam a ruptura da aliança com o PMDB. Emenda da corrente O Trabalho chamava o PMDB do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), de “sabotador do governo”. O deputado Carlos Zarattini (SP) classificou Cunha de “oportunista de ocasião”.

O partido ainda decidiu manter o Processo de Eleição Direta (PED), alvo de denúncias de compra de votos para a escolha dos dirigentes petistas. Favorável à mudança da direção, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, reagiu. “O partido é de massas, mas não de massa de manobra. Isso aqui não é democracia de verdade. É manipulação de pessoas.”

“Há uma crise imensa e nossa expectativa era de que o 5.º Congresso aprovasse resoluções que permitissem superar essa crise. Mas o fato é que não mudou nada”, resumiu Valter Pomar, da Articulação de Esquerda.

Plateia dispersa acompanhou fala de Dilma em congresso petista

Marina Dias – Folha de S. Paulo

• Na metade do discurso, presidente viu público minguar; nem mesmo Lula empolgou

SALVADOR - Quando a presidente Dilma Rousseff foi anunciada para discursar em Salvador já eram quase 23 horas de quinta-feira (11).

No fundo do auditório do hotel que abrigou o 5º Congresso Nacional do PT, dezenas de jovens conversavam em várias rodinhas, quase todos de costas para o palco. Falavam alto, riam, tiravam selfies e bebiam cerveja.

A falta de atenção não é comum em reuniões do PT. Os dirigentes do partido em geral escutam compenetrados os discursos do comando do partido e da presidente. Mas desta vez não foi assim.

Por 50 minutos, Dilma tentou explicar o ajuste fiscal de seu governo, criticado por muitos setores do PT.

Porém, mesmo com a presidente a poucos metros, um grupo preferiu ouvir a fala esparramado no chão, vendo Dilma pelo telão instalado ao fundo. Um deles, deitado no chão de carpete, dormia com a boca aberta e a cabeça apoiada em uma mochila.

Do meio para o fim de sua fala, a presidente presenciou a debandada de militantes e dirigentes, que saíam às filas do auditório ou dedicavam-se a outras atividades ali mesmo.

A desatenção dos petistas não poderia ser atribuída apenas ao estilo mais arrastado de discurso, comum a Dilma. A dispersão era notória também momentos antes, nas falas do presidente nacional do PT, Rui Falcão, e até do ex-presidente Lula --que leu seu discurso, algo inusual.

PT evita polêmicas e encerra congresso sem crítica a ajuste

Marina Dias, Catia Seabra , João Pedro Pitombo – Folha de S. Paulo

• Trecho que propunha 'alteração da política econômica' foi retirado e substituído por redação mais branda

• A pedido do Planalto, proposta de reedição da CPMF, extinta em 2007, também não consta do documento final

SALVADOR - Diante daquela que pode ser a maior crise dos seus 35 anos de história, o PT decidiu, após três dias de discussões, mexer pouco na sua estrutura partidária e atenuar críticas ao governo da presidente Dilma Rousseff e à sua política econômica.

Documento final aprovado no 5º Congresso Nacional do PT, neste sábado (13) em Salvador, não cita nominalmente o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, como propunham alas mais à esquerda da legenda, e diz que é necessário conduzir a política econômica "para a ampliação das políticas sociais."

"É preciso conduzir a orientação geral da política econômica para implementação de estratégias para a retomada do crescimento e defesa do emprego, do salário e dos demais direitos dos trabalhadores que permita a ampliação das políticas sociais", diz a emenda.

Ela foi aprovada após acordo entre as duas maiores tendências da sigla, CNB (Construindo um Novo Brasil), do ex-presidente Lula, e Mensagem ao Partido, do ex-governador Tarso Genro (RS).

A edição inicial da emenda propunha uma "alteração da política econômica", mas a expressão foi trocada de última hora após o acerto entre os dirigentes.

Uma proposta de reedição da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), extinta em 2007, havia sido incluída no texto inicial pelo presidente nacional do PT, Rui Falcão, mas a pedido do Planalto, o trecho foi retirado do documento final.

Em entrevista a jornalistas no fim do congresso, Falcão mostrou insatisfação sobre o assunto e disse que "as pessoas têm medo de falar de imposto". Segundo ele, porém, o partido se posicionou com críticas ao ajuste fiscal do governo Dilma evitando apenas "personificá-las".

"Acho que houve sim críticas a aspectos da política econômica, embora não dessa forma de 'fora, Levy', personificando críticas. Queremos uma orientação com mais emprego, mais salário, mais investimento, e isso não dá para ser feito com taxa de juros de 14% ao ano", afirmou o dirigente.

Ainda no campo econômico, como um pedido do PT de aceno à esquerda do governo, foi mantido no texto final propostas de impostos sobre grandes fortunas, herança e lucros e dividendos.

PMDB
O PT também rejeitou a revisão da política de alianças, que tem como principal aliado o PMDB, partido do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Apesar da decisão, dirigentes petistas ecoavam gritos de "fora, Cunha" enquanto era discutida a proposta sobre a ruptura com o PMDB e demais partidos aliados.

No Twitter, o presidente da Câmara ironizou os ataques do PT. "Quero agradecer as manifestações de hostilidade no congresso do PT. Isso é sinal que estou no caminho certo. Ficaria preocupado se eu fosse aplaudido lá".

Os petistas decidiram ainda adiar a discussão sobre financiamento privado de campanha e manter as eleições internas como forma de eleger a direção do partido.

PT encerra encontro sem decidir sobre doações

• Partido aguardará fim da reforma política para fechar posição sobre financiamento empresarial de campanhas

• Documento final de congresso petista poupa política econômica e não cita ajuste fiscal. Recriação da CPMF, defendida pelo presidente do PT, é rejeitada

Leticia Fernandes e Sérgio Roxo – O Globo

SALVADOR - Diante de incertezas com os rumos das votações da reforma política no Congresso Nacional, o PT adiou a decisão sobre a suspensão das doações de empresas — e deixou para o diretório nacional a definição que determinará se a legenda continuará a receber financiamento empresarial nas próximas eleições. O adiamento foi defendido pelo presidente do PT, Rui Falcão, no 5º Congresso do partido, encerrado ontem em Salvador.

Em abril, antes da votação da reforma política na Câmara dos Deputados, o diretório nacional do PT decidira que o partido não aceitaria mais doações empresariais. Só os candidatos petistas poderiam continuar a receber contribuições de empresas para suas campanhas. Havia a expectativa de que o 5º Congresso do PT referendasse essa decisão.

Porém, no mês passado a Câmara aprovou o financiamento empresarial apenas para os partidos, e não para os candidatos — o inverso do que o PT decidira. Isso criou uma situação difícil para a arrecadação eleitoral petista.

Nesse quadro, o PT só deve fechar uma posição sobre o tema após a decisão final do Congresso Nacional. As votações da reforma política poderão levar meses. Há uma reunião do diretório nacional petista prevista para agosto, mas, dificilmente, até lá o Parlamento já terá chegado a uma definição.

O PT também encerrou os debates na Bahia sem entrar em confronto com o governo Dilma Rousseff. O texto defendido pela ala majoritária do partido, da qual faz parte o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi aprovado pelos delegados do encontro e excluiu críticas diretas à política econômica, sem menções ao ajuste fiscal.

A única citação direta ao cenário econômico fala em "conduzir a orientação geral da política econômica para implementação de estratégias para retomada do crescimento". A emenda era fruto de um acordo entre as principais tendências internas, incluindo a corrente majoritária, a CNB. O texto original da emenda era um mais incisivo: falava em "alterar a política econômica", mas foi modificado.

Se o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, deixou de ser o "Judas" e foi esquecido pelos petistas, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não teve a mesma sorte. O PT defendeu a aliança com o PMDB, mas hostilizou o deputado aos gritos de "Fora Cunha!".

Intitulado "Carta de Salvador", o texto final do encontro petista excluiu também o apelo pela volta da CPMF, tema que gerou polêmica anteontem entre membros do governo e entre dirigentes do PT. A posição final foi uma derrota de Rui Falcão. No encerramento do encontro, ele mais uma vez defendeu o ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, preso na Operação Lava-Jato.

'O PMDB não repetirá a aliança com o PT'

Entrevista. Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados

• Cunha afirma que ‘modelo está esgotado’ e partido ‘vai buscar o seu caminho em 2018’

Daniel Carvalho e Erich Decat – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Diante das ameaças de isolamento do vice-presidente e articulador político do governo Michel Temer por integrantes do Planalto, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), avisa: “Qualquer tentativa de sabotagem do Michel acabará em ruptura”.

Em entrevista ao Estado, Cunha admite rusgas com Temer, mas promete solidariedade e ameaça antecipar o desembarque do PMDB do governo. “O PMDB dificilmente repetirá a aliança com o PT. Este modelo está esgotado.” Ele cobra “adesão” do PT ao governo Dilma Rousseff e atribui ao partido a impopularidade da presidente. Sobre críticas de aliados e opositores, diz preferir ser “ditador” a “frouxo”. Ao receber a reportagem em seu gabinete na noite de quinta-feira, Cunha comentou a cor verde da gravata que usava. “A esperança é a última que morre. Mas ela morre.”

Estado - O senhor classifica o PMDB como governista ou oposicionista?

O PMDB fez parte do processo de reeleição, faz parte do governo. Mas não é para dizer amém a tudo o que acontece. E o PMDB dificilmente repetirá a aliança com o PT em algum momento. Não repetirá.

Estado - Por quê?

Porque este modelo PMDB com o PT está esgotado. Temos obrigação de dar sustentabilidade política para o governo dela (Dilma Rousseff). Mas o PMDB vai buscar o seu caminho em 2018. Não vejo o PMDB de novo numa candidatura do PT.

Estado - O senhor prevê um distanciamento agora em 2016?

Em algumas capitais, sem dúvida.

Estado - Como está a relação da Câmara com o governo depois da entrada de Michel Temer na articulação?

É muito melhor. O que vejo aqui, pelo cheiro no corredor, é que há ainda problemas com a própria base e com o governo. Vejo nitidamente que há uma tentativa de sabotagem do PT ao Michel dentro da articulação. Não tenho dúvida nenhuma disso. E isso é um tiro no pé, porque a condição, quando levaram o Michel, era que, justamente, você não vai demitir o vice. Qualquer tentativa de sabotagem do Michel acabará em ruptura.

Estado - Essa tentativa é algo pontual dos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Jaques Wagner (Defesa)?

Não atribuo nomes. Só sinto o cheiro no ar. A fábrica do perfume cabe a vocês pesquisar.

Estado - Mas e esse episódio recente deles se colocando em relação à Secretaria de Relações Institucionais, assumida por Temer em abril?

Havendo ruptura desse processo com o Michel, haverá ruptura do PMDB com o governo. Isso é inevitável. Na hora em que o Michel for sabotado e confrontado no processo, deixar o comando da articulação política, da qual ele não pediu para ser, não tem razão nenhuma de o PMDB ficar no governo.

Estado - Um eventual enfraquecimento de Temer significa um fortalecimento seu?

elo contrário. Ficarei solidário ao Michel e partirei para defender o rompimento em conjunto. Não sou adversário do Michel, nem confronto o Michel. Sou aliado dele. Posso ter, eventualmente, as minhas rusgas, mas é fruto da amizade. Mas jamais tivemos qualquer gesto de afastamento ou deslealdade.

Estado - No próximo Congresso do PMDB, o Rio vai ter candidato a presidente do partido?

Não é esse o caso. O PMDB pode abraçar uma tese qualquer do Rio, mas não existe disputa. Pelo contrário, se você pode ter uma candidatura como a do Eduardo Paes (prefeito do Rio) para presidente da República, você não vai partir para o enfrentamento partidário. Você quer unir, e não dividir.

Estado - O senhor é a favor da permanência do Michel Temer no comando do PMDB?

Depende muito de ele querer. Ele querendo pode ser uma maneira de evitar dez candidaturas. O Michel não é um obstáculo a uma mudança. Michel está cumprindo o ciclo dele de vice-presidente da República por dois mandatos. Ele não é candidato a presidente da República. Não faz um trabalho voltado para isso. Se o fosse, poderia ter o apoio de todo mundo do partido, mas não é.

Estado - A presidente Dilma consegue recuperar a popularidade? O ajuste fiscal ajuda ou atrapalha?

Você sofre o desgaste da contestação do que você prometeu na campanha eleitoral e faz diferente no exercício do governo. Isso gerou uma contestação que levou a uma continuada perda de popularidade, agravada pelo processo das denúncias generalizadas de corrupção e pela situação da economia, que deu uma deteriorada. Tenho impressão de que ela (impopularidade) chegou ao ápice. Depois, a tendência é recuperar.

Estado - Essa recuperação vem agora?

Para ela melhorar os níveis de popularidade depende de três fatores: conseguir recuperar a economia, ter uma estabilidade política e precisa, efetivamente, mostrar ações. Dependendo do sucesso ou insucesso desse conjunto, ela poderá recuperar mais ou menos.

Estado - A presidente disse ao ‘Estado’ que “o Congresso, até agora, não se caracterizou por dar uma derrota ao governo”. Ela tem razão?

O governo, efetivamente, não sofreu derrotas contundentes, mas, obviamente, o governo não teve os resultados das votações em sua plenitude, na forma que esperava. Quando o governo entra em pautas que não são propriamente dele, como o caso da (redução) da maioridade penal, faz disso um cavalo de batalha, comete um erro. O governo quis mergulhar em algumas derrotas propositalmente. O governo pode até ter opinião, mas não pode atuar no processo. Veja o absurdo o governo querer constituir uma aliança de PT com PSDB para derrotar o PMDB porque eu anunciei a pauta. E, o que é pior, de uma forma inócua porque vou votar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do mesmo jeito. Às vezes, é um conflito absolutamente desnecessário.

Estado - Quem ‘mergulha’ o governo em derrotas? O próprio governo ou o PT?

Essa é uma pergunta que você deve fazer ao governo. Às vezes, o governo mergulha na pauta do PT. É um erro.

Estado - O senhor concorda com a tese de que o regime vigente no Brasil é o “parlamentarismo branco”, e não o presidencialismo?

Acho que o regime que deveria estar vigente no Brasil é o parlamentarismo, com as figuras do chefe de Estado e do chefe do governo. O parlamentarismo, do meu ponto de vista, protege o sistema político como um todo porque, numa crise política qualquer, cai o governo e não cai o Estado. Nossa Constituição foi feita para ser parlamentarismo.

Estado - Há risco de a presidente Dilma acabar isolada, sem apoio do PT?

Acho que não. O instinto de sobrevivência vai preservar. Por mais que ele pinte e borde, o governo é o governo deles. Se eles a isolarem, vão ficar com que governo? Não vão ser oposição ao governo que elegeram. É uma circunstância difícil.

Estado - Pode haver uma tentativa de deslocar a imagem do governo e do PT.

Vejo que a rejeição ao PT é muito maior que a ela (Dilma) na rua. Grande parte da impopularidade dela vem da impopularidade do PT. Não é o PT que está com impopularidade por causa dela.

Estado - E a proposta de reeleição para presidente da Câmara?

Não parte de mim.

Estado - Mas tem o seu apoio?

Não se vê um gesto meu nesse sentido. Não me elegi para um mandato que não fosse para o qual a Constituição não me desse o direito. Então, não tenho que alimentar esse tipo de especulação.

Estado - Mas obtendo assinaturas para a PEC, vai colocar para votar?

É um constrangimento para mim. Primeiro, conseguir assinaturas tem um longo caminho pela frente. Não tenho nenhum atrativo para mudar uma regra que possa me beneficiar diretamente. Até acho que vão sentir saudades de mim depois que eu sair. (risos)

Estado - Muitos deputados o chamam de ditador e dizem que o senhor tem um estilo de rolo compressor...

Pior se eu fosse frouxo, não é? (risos). Aí, não se votava nada.

Com pauta 'bomba', Cunha impõe ritmo frenético de votações

- O Globo

• Projetos em análise têm perfil conservador e são incômodos ao governo

BRASÍLIA - Desde que assumiu a presidência da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) preparou o terreno para manter a Casa em protagonismo, com temas polêmicos e de interesse dele e de seu grupo. Desengavetou propostas que estavam há anos tramitando e criou comissões especiais para analisá-las. E, assim como aconteceu com a reforma política e com a redução da maioridade penal, que pretende votar no próximo dia 30, tem condições de trazer à pauta outras "bombas" antes do final do semestre.

Entre as propostas já avançadas estão emendas constitucionais polêmicas, como a PEC da demarcação das terras indígenas, e a PEC que trata da escolha dos ministros do STF, alternando a indicação entre o Executivo e o Congresso, que deve estar pronta para ser votada no início de julho. Outro debate que pode avançar é o que está sendo travado na comissão temática do pacto federativo. Cunha e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), estão unidos na busca de uma solução que direcione mais recursos para estados e municípios — fatalmente usando o combalido caixa federal.

O empenho de Cunha anima os deputados aliados que ele colocou em postos chaves para levar adiante a pauta radical. Os deputados Danilo Forte (PMDBCE) e André Moura (PSC-SE), respectivamente presidente e relator da comissão do pacto federativo, pedirão a Cunha esta semana que agilize a instalação da comissão especial da PEC 172, que proíbe a União de delegar serviços a estados e municípios sem lhes garantir as verbas necessárias para a execução.

A pressão é para votar nas comissões essa PEC e outras medidas do pacto antes do recesso parlamentar de julho, já preparando o terreno para votações polêmicas no segundo semestre também.

— A PEC é simples, já foi discutida. Outros pontos do pacto federativo serão abordados separadamente e o que for mais consensual, tentaremos aprovar antes de julho — disse Moura.

O próprio Cunha admite que já tem uma programação bastante polêmica até o fim do semestre, com a votação da reforma política e o projeto que trata do indexador das dívidas estaduais e municipais.

Mas disse que, se a PEC 172 estiver pronta para ir a plenário, será pautada. E sinaliza com outras polêmicas, como o projeto que altera a correção do FGTS para o mesmo índice da poupança.


— Se a PEC 172 estiver pronta para votar, eu ponho (em votação). Tenho uma programação muito clara até o dia 16 de julho e, politicamente, não consigo pôr mais temas — diz Cunha.

Além dos temas que preocupam o governo, avança na Câmara uma pauta conservadora. Deputados pressionam para votar projetos nas comissões do Estatuto da Família e do Estatuto do Desarmamento até agosto. Depois de audiência pública prevista para 25 de junho, para a qual foram convidados Toni Reis, representando a comunidade LGBT, e o pastor Silas Malafaia, a comissão do Estatuto da Família deve votar o relatório.

Se agrada aos aliados mais próximos, a agenda frenética de Cunha preocupa deputados.

— A agenda polêmica que ele trouxe para plenário expõe as fraturas do país. Existe hoje uma fúria " legisferante" que nem sempre é o melhor. Os parlamentos dos países mais avançados não ficam aprovando leis uma atrás da outra. Parlamento bom fiscaliza, não fica só aprovando leis — avalia o tucano Luiz Carlos Hauly (PR).

Em seu 11 º mandato, Miro Teixeira ( PROS- RJ) diz que a ação de Cunha tem um lado bom, que é o fato de ele manter o Congresso em funcionamento, mas o fato de recorrer a pautas polêmicas cria uma sensação equivocada de que os problemas serão resolvidos:

— A Câmara está funcionando, o que é bom, mas o ronco do motor está desafinado. As votações aqui não estão refletindo em benefício do povo. Cunha está potencializando o panis et circenses. Distrai a população com temas como o da redução da maioridade, que não resolvem.

Para Paulo Pimenta (PT-RS), na medida em que pauta tantos temas conflituosos ao mesmo tempo, Cunha cria desgaste até mesmo na base de aliados dele:

— Tem gente do PSDB reagindo. Os temas polêmicos expõem todos os deputados. Não só os temas da sociedade, mas isso de construção de um shopping aqui.

Aécio diz que PSDB não tem do que se envergonhar em MG

Leonardo Augusto - O Estado de S. Paulo

• Senador e presidente da sigla falou durante a posse do novo diretório estadual e rebateu as críticas da atual gestão de que assumiu o Estado em grave crise financeira

BELO HORIZONTE - O senador Aécio Neves (PSDB) afirmou neste sábado, 13, que o PSDB não tem do que se envergonhar em relação ao período em que governou Minas Gerais. Ao todo, com próprio Aécio, o também senador Antonio Augusto Anastasia e Alberto Pinto Coelho (PP), que encerrou o mandato em 2014, o grupo político do PSDB comandou o estado por 12 anos. Nas eleições do ano passado, Fernando Pimentel (PT) bateu Pimenta da Veiga ( PSDB) na disputa pelo governo estadual.

Desde que assumiu, o petista vem deixando claro ter assumido um estado em grave crise financeira. "É a grandiosidade de nossa obra que assusta quem chegou agora" disse o tucano, durante discurso aos correligionários.

"Se posso dizer alguma coisa a quem está hoje no Palácio da Liberdade é 'faça uma Minas melhor que a deixamos'". Conforme o senador, a convenção realizada hoje é o " marco zero" para que o PSDB retome os governos no estado e no Brasil. "Se não venci as eleições, hoje o meu ânimo é ainda maior", afirmou o senador, derrotado por Dilma Rousseff na disputa presidencial há menos de oito meses. O parlamentar, e o governador de São Paulo Geraldo Alckimin, já disputam espaço dentro do partido com vistas às eleições para o Palácio do Planalto em 2018.

PT. O tucano também voltou a criticar o PT e disse que a sigla tenta fazer lavagem cerebral no povo brasileiro para fazer com que esqueçam "o mal que fizeram ao País". O parlamentar discursou durante a posse do novo diretório estadual do partido em Minas Gerais, deputado federal Domingos Sávio, depois de convenção da sigla realizada neste sábado na Assembleia Legislativa.

Segundo Aécio, o Brasil passa por crise moral e que isso seria obra exclusiva dos governos petistas de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva. "Esquecem que muitos do partido (o PT) foram presos porque não souberam diferenciar o público do privado", afirmou.

PSDB tenta conter ímpeto de seus radicais

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

• Debate sobre maioridade penal e impeachment de Dilma expõe diferenças entre caciques e bancada da Câmara

• Cúpula do partido freia deputados, mas conta com eles para dialogar com os novos segmentos eleitorais

SÃO PAULO - Poucos dias antes de iniciar sua peregrinação por Brasília em defesa de uma proposta alternativa à redução da maioridade penal, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), pediu a um aliado que fizesse um levantamento informal sobre a posição da bancada de seu partido na Câmara sobre o tema.

O resultado o surpreendeu: dos 53 deputados do partido, 40 diziam ser favoráveis à emenda constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos.

Muitos mudaram de opinião desde então, mas o resultado da enquete é um reflexo das transformações sofridas pela bancada do PSDB nos últimos tempos.

Os tucanos nunca tiveram uma bancada tão jovem e tão conectada às redes sociais da internet. A média de idade é 50 anos, e o deputado mais novo tem 26. Ela é mais diversificada, incluindo até evangélicos e delegados de polícia, e mais radical.

Ao lado de Alckmin, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), presidente nacional da legenda, conseguiu na semana passada conduzir a bancada da Câmara a uma posição intermediária na discussão sobre os menores infratores.

Prevaleceu um projeto do senador Aloysio Nunes (SP), que reduz a maioridade penal apenas para crimes mais graves, como homicídios, estupros e sequestros.

"Hoje, 95% dos nossos deputados estão fechados com a proposta", diz o líder da bancada na Câmara, Carlos Sampaio (SP).

O ímpeto dos deputados --apelidados de "cabeças pretas", numa referência à sua média de idade-- foi criticado por nomes históricos do PSDB, como o ex-deputado Arnaldo Madeira e o ex-governador paulista Alberto Goldman. Eles viram na oposição aguerrida sinal de ausência de um projeto e de responsabilidade com as finanças do país.

Os deputados contra-atacaram. "Arnaldo e Goldman são pessoas queridas e têm história no partido, mas é como colocar o Zico e o Pelé para jogar na seleção", diz o deputado Marcus Pestana (MG).

Não foi a primeira vez neste ano que as rusgas extrapolaram o ambiente interno. Não raro, os "cabeças brancas", como são chamados os membros da sigla no Senado --mais velhos que a média dos deputados-- puxam o freio em questões polêmicas.

Foi assim no debate sobre o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. A bancada da Câmara defendeu a iniciativa abertamente. Mas líderes como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e Alckmin foram contra, e Aécio forçou uma mudança de rumo. Ouviu reclamações e teve que se defender: "Não há recuo, há estratégia", disse.

Infantaria
Mesmo assim, os tucanos dizem que a sigla vive um momento de grande unidade interna, ainda mais para um partido conhecido por rivalidades internas profundas.

"Precisamos da infantaria, porque eles dialogam com parte importante da sociedade, que espera o enfrentamento do PT", diz um dirigente.

Líderes que têm criticado os deputados por assumir posições incoerentes com o que o partido defendeu no passado, como o fim da reeleição e a mudança do fator previdenciário, cumprem o papel de manter a interlocução do PSDB com segmentos mais tradicionais do eleitorado.

No domingo passado (7), em um artigo publicado no jornal "O Estado de S. Paulo", FHC disse que o partido não deveria aderir ao "quanto pior, melhor". O texto foi interpretado como sinal de reprovação à maneira como Aécio conduz o partido --mas o senador falou com o ex-presidente e soube do teor do artigo antes da publicação.

Merval Pereira - Aos trancos e barrancos

- O Globo

Recusado no Congresso Nacional do PT o rompimento com o PMDB, por que os petistas não têm condições políticas neste momento para bancá-lo, continuaremos a sentir na pele o desgaste do relacionamento entre os dois maiores partidos do país, ambos tentando encontrar caminhos próprios para o grande embate em 2018.

As eleições municipais do próximo ano serão presumivelmente o marco da separação nada amigável dos dois partidos que sustentam o governo Dilma, com o PMDB se fortalecendo nas bases e o PT vendo desmoronar sua estrutura municipal.

O PMDB foi o partido que mais elegeu prefeitos em 2012, conquistaram 1.024 das 5.568 prefeituras em disputa (18,4% do total). Em seguida aparecem PSDB (12,6% do total), PT (11,4%), PSD (8,9%), PP (8,42%) e PSB (7,9%). O PT foi o que mais recebeu votos para Prefeito, devido especialmente à boa votação que o candidato eleito Fernando Haddad obteve em São Paulo.

Hoje, já não é provável a reeleição de Haddad, e a decadência do PT pode ser constatada a olhos vistos. A união com o PMDB vai sendo levada aos trancos e barrancos para não antecipar a débâcle completa, mas a maneira de manter essa política de coalizão está cada vez mais decadente.

Disse Paulo Okamotto, o primeiro amigo do ex-presidente Lula, que sua convocação para depor na CPI da Petrobras faz parte da “luta política” para debilitar Lula. Até é isso mesmo, embora existam fatos concretos a serem apurados em relação às doações extemporâneas da empreiteira Camargo Correa ao Instituto Lula.

Mas a explicação para terem desandado as medidas de proteção ao líder máximo do PT são mais prosaicas: Hugo Motta, o jovem-velho presidente da CPI, disputa com um companheiro de partido a indicação do chefe da delegacia do Ministério da Pesca na Paraíba, estado onde os dois fazem política. E que política! O que será que eles vêem de tão importante nessa delegacia regional da Pesca?

E tem mais: Motta, que é um fiel seguidor de Eduardo Cunha (ora, por quem sois!!) estaria apenas pegando uma rebarba na vingança de seu líder contra o governo, que ameaça vetar emendas a uma medida provisória do PIS/Confins que beneficiam empresas.

Há fantasmas do PMDB por todo lado. Às vésperas de uma votação decisiva no Tribunal de Contas da União (TCU), que pode definir a sorte das pedaladas do governo Dilma, abrindo as portas para que a oposição volte a insistir no pedido de impeachment, agora baseado em decisão concreta de crime contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, o governo tenta reunir suas forças, e o ex-senador do PMDB Vital do Rego é um dos votos a serem conquistados.

Ele tem diversos apadrinhados pelos escalões governamentais, que estavam excitando a cobiça de seus colegas ainda na ativa. Com a súbita importância estratégica do TCU no momento, Vital do Rego resolveu não abrir mão de suas indicações.

Por fim, há um movimento forte dentro do governo para fingir que não aconteceu a tentativa mal sucedida do chefe do Gabinete Civil Aloizio Mercadante de tirar poderes do vice Michel Temer na coordenação política.

Esse avanço de Mercadante na área que agora é do PMDB causou sérios conflitos internos, e acelerou o que já era previsível, o distanciamento entre as duas legendas, rumo a caminhos distintos nas eleições de 2016 e 2018.

Não é à toa, portanto, que o ex-presidente Lula está lançando a idéia de um amplo arco de esquerda para apoiá-lo para presidente em 2018, caso vislumbre condições de vencer. O tal arco esconderia a sigla PT, que de resto já foi escondida durante a campanha de 2014, e serviria para dar pelo menos uma aparência de consistência à coalizão eleitoral que não deverá contar com o PMDB e outras siglas que hoje estão na base aliada.

Parece outro tiro no pé, pois o eleitorado brasileiro, mostram pesquisas e estudos acadêmicos, não é de esquerda. Lula só chegou ao Palácio do Planalto quando deu uma guinada para o centro, aceitando com muita satisfação qualquer apoio da direita que aparecesse.

Dora Kramer - Infiel à origem

- O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Luiz Inácio da Silva falou ao PT, no 5.º Congresso, como se os fatos e os atos pudessem ser apagados por gestos de vontade ou por simples obra da conveniência.

Na sexta-feira, em Salvador, Lula citou a campanha eleitoral de 1989 para lembrar aquele tempo em que “a gente vendia camiseta e adesivo de carro”. O intuito da recordação era o de incentivar os militantes a passear no passado, quando o PT, segundo ele, era vivido “com mais intensidade que hoje”.

O convite de retorno às origens inclui a ideia de levar os petistas a batalharem por doações individuais de dinheiro, a fim de “resolver parte dos problemas” do partido e – pelo que se depreende das intenções contidas na Carta de Salvador, principal documento do congresso – providenciar uma inflexão à esquerda.

O que seria isso? Uma readaptação da política de alianças, deixando agora de lado partidos do centro à direita com os quais o PT se aliou para governar. Muito bem. Mas não foi a direção do Partido dos Trabalhadores que em 2002 resolveu adernar ao centro-direita justamente com a meta de parar de perder eleições?

Mais: uma vez no poder, aliou-se ao que de mais conservador existia sob argumento de que não havia outra maneira de governar. Nada contra, uma escolha ditada pelas circunstâncias. É de se conferir, no entanto, o que acha disso a militância que na época não foi consultada a respeito.

Outro problema: se o PT optou por um caminho para ganhar, como espera vencer voltando à trilha que o levou à derrota por três eleições?

Pode-se argumentar que os tempos são outros. Perfeito. Mas a mudança foi para todos. Lula também mudou. E a percepção que se tem dele também. Hoje já não conta com a aura do mito intocável. É um político investigado por suspeita de praticar tráfico de influência em favor da construtora Norberto Odebrecht.

Contra ele existem outras questões, a respeito das quais deve explicações não esclarecidas. Por exemplo, as doações daquela empreiteira ao Instituto Lula (a título de quê?) e uma reunião com Paulo Roberto Costa – corrupto confesso – em 2006 no Palácio do Planalto para falar sobre Petrobrás. Assim constava na agenda oficial.

Com esse passivo – ao qual se pode acrescentar o apartamento triplex do Guarujá construído com dinheiro da cooperativa dos bancários, as viagens mundo afora financiadas por empreiteiras, hospedagens em hotéis de luxo pagas sabe-se lá por quem – fica bastante mais complicada a manutenção da simbologia do operário com identificação plena na camada do Brasil proletário.

Essas e outras perguntas até então não haviam sido feitas a Lula em campanhas presidenciais. Mas, em 2018, certamente serão postas e precisarão ser respondidas por ele se porventura vier a se candidatar.

Nessa hipótese, será uma reconciliação de construção difícil. Lula era o operário que havia sido aceito no paraíso. Uma vez lá, abusou, foi malvisto e por isso ensaia uma volta aos seus.
Estes, por sua vez, agora têm o direito de desconfiar dessa nova carta de intenções.

Provocações. Começa a se conversar na Câmara sobre a possibilidade de se apresentar uma proposta de referendo, plebiscito ou recall, no meio do mandato presidencial. Nada de sério, só mais uma invenção da reforma política.

Suas excelências, quando nada mais têm a fazer de útil, sacam de dentro da manga das camisas uma ideia inútil. Essa agora é uma delas. Pelo comezinho fato de que essa história não tem outro objetivo que não o de criar uma chateação para a presidente Dilma Rousseff. Isso dito de forma explícita por um líder do governo no Congresso.

O líder, integrante do PMDB, ainda faz a provocação lembrando que esse tipo de instrumento existe na Venezuela e que, por isso, é possível que agrade ao PT.

Bernardo Mello Franco - Conversa com o almirante

- Folha de S. Paulo

O almirante Julio de Sá Bierrenbach, que morreu na quinta-feira aos 96 anos, não gostava da esquerda e de esquerdistas. Em 1962, devolveu a Ordem do Mérito Naval em protesto contra a entrega da condecoração a Leonel Brizola. Em 2014, continuava a chamar de "revolução" o golpe que derrubou o presidente João Goulart.

As convicções não o impediram de contribuir para o fim do arbítrio da ditadura. Como ministro do Superior Tribunal Militar, ele denunciou a tortura e ajudou a desmontar a farsa que encobria os responsáveis pelo atentado do Riocentro.

Bierrenbach chegou ao STM em 1977. Na posse, disse que os presos deveriam ser intocáveis e que os interrogatórios precisavam de inteligência, não de violência. Três meses depois, defendeu a absolvição de um réu que havia sido torturado para confessar um assalto a banco.

"Já é tempo de acabarmos, de uma vez por todas, com os métodos adotados por certos setores policiais de fabricarem indiciados, extraindo-lhes depoimentos perversamente, pelos meios mais torpes, fazendo com que eles declarem delitos que nunca cometeram", disse.

Em 1981, voltou a desafiar o regime ao contestar o arquivamento do caso Riocentro. Apontou "inúmeras falhas e omissões" no inquérito, que transformava em vítimas os militares que fizeram o atentado. "Não estamos aqui para fazer um julgamento de conveniência", afirmou.

O almirante perdeu a votação, mas preservou a dignidade. No fim da vida, prestaria depoimento à Comissão da Verdade, ajudando a remover a farsa da história oficial.

Fui visitá-lo no ano passado, em Copacabana. Ele disse que os militares deveriam ter devolvido o poder aos civis em 1965, como prometiam, e não duas décadas depois. "Sempre fui contra o continuísmo dos generais", afirmou. "Hoje fico satisfeito porque quem elege é o povo. Não é um regime ditatorial, sob o pensamento de uma só pessoa."

Luiz Carlos Azedo - Sobre o carisma e a ética

• Dilma exerceu o poder no primeiro mandato como se fosse uma matriarca, mas agora exerce uma autoridade racional-legal. Nesse aspecto, a distinção entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade ressurge como questão central

- Correio Braziliense

Toda a tensão registrada no congresso do PT encerrado ontem, habilmente contornada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, gira em torno da permanência da legenda no poder e não em razão da crise ética que se instalou no país, cujo epicentro são as investigações da Operação Lava-Jato, que investiga o escândalo da Petrobras e ameaça levar de roldão o partido e seu principal líder. Nenhuma autocrítica profunda foi feita em relação aos fatos que puseram a legenda à beira do precipício. A estratégia adotada pelo petista foi salvar seu carisma, fonte de sua liderança, e deixar à própria sorte a presidente Dilma Rousseff, que exerce uma liderança de perfil burocrático, castilhista e sofre dramática rejeição desde que assumiu o segundo mandato.

O pensador alemão Max Weber definia, grosso modo, três formas de exercício do poder. O primeiro deles é o carismático, que é exercido pelo “profeta”, pelo “senhor da guerra”, pelo “demagogo” ou “pelo governante plebiscitário”, papéis nos quais Lula se encaixa perfeitamente, dependendo das circunstâncias. Não é o caso da presidente Dilma Rousseff, cujo perfil fica perdido entre o poder “tradicional”, patriarcal, no qual os dominados são totalmente dependentes do senhor e ganham seus cargos seja por privilégios ou concessões feitas por ele; e o poder “racional-legal”, que se baseia na existência de um estatuto, um processo legal, no qual o cidadão obedece à regra e não à autoridade.

Essas fronteiras são mais complexas do que a narrativa petista. Por exemplo, numa ordem democrática, há quem viva “para” a política e aqueles que vivem “da” política, isto é, a veem como meio de enriquecimento. Quem vive por uma causa, porém, segundo Weber, também viveria dela, pois transforma sua ação num fim e, simultaneamente, no meio de vida. Fica muito difícil distinguir aqueles que veem a política como um “bem comum” e os que a praticam como “negócio”, para usar a tradução do jurista italiano Norberto Bobbio. O drama dos militantes e eleitores petistas é que já não conseguem distinguir entre seus dirigentes e representantes quem é quem nessa situação, embora o partido tenha sido construído sob a égide do “bem comum”.

Mas voltemos ao ex-presidente Lula e à presidente Dilma. Enquanto o primeiro se movimenta com foco no próprio carisma, com objetivo de se manter como alternativa de poder em 2018, a segunda se vê diante da tarefa de administrar o fracasso político-administrativo e a crise ética do PT. Dilma exerceu o poder no primeiro mandato como se fosse uma matriarca, mas agora exerce uma autoridade racional-legal. Nesse aspecto, a distinção entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade ressurge como questão central.

Toda ação política pode se orientar por uma ou outra, mas isso “não quer dizer que a ética da convicção equivalha à ausência de responsabilidade e a ética da responsabilidade, à ausência de convicção”, dizia Weber. A ética da convicção justifica as ações, porém, quando os fins se mostram catastróficos, na política, a responsabilidade não pode ser terceirizada, atribuída à vontade divina, à incompreensão humana, à decadência do mundo... Já não basta pôr a culpa no outro para manter a chama da convicção. Essa é a lógica, porém, que orientou o PT no seu congresso.

No Estado democrático, a ética da responsabilidade se sobrepõe à vontade política. É ela que garante a legitimidade das ações. Esse é o drama da legenda, que não aceitou esse limite em vários momentos, da crise do “mensalão” às “pedaladas fiscais”. A fuga pra frente de Lula, ao se movimentar como candidato a presidente em 2018, não resolve o problema de Dilma. Haja vista, por exemplo, o julgamento das contas do ano passado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que deve ocorrer esta semana. O governo subestimou suas dívidas em R$ 256 bilhões, além de cometer 16 distorções legais. Dilma amarga alta impopularidade, não pode se dar ao luxo de governar pela ética das convicções. Sua sobrevivência depende da ética da responsabilidade no exercício do cargo.

Eliane Cantanhêde - ‘No mesmo saco’

- O Estado de S. Paulo

Sempre pode mudar, mas, neste momento, os rumos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Vana Rousseff apontam em direções opostas. Lula entrou no alvo e afunda em suspeitas; Dilma parece sair da fase mais aguda da crise - apesar de tudo...

O PT e Dilma têm comido o pão que o diabo amassou e eles próprios assaram em fogo alto. O partido queima sua imagem em mensalões e petrolões e Dilma torra definitivamente a imagem de “gerentona” com o não crescimento, a inflação e os juros escorchantes e o desemprego aumentando. Até aqui, porém, Lula era coadjuvante da crise, até mesmo como alvo das manifestações. Agora, passou a protagonista.

Primeiro, a informação de que o já famoso delator Paulo Roberto Costa voou a Brasília especificamente para papear com o então presidente Lula, no Palácio do Planalto, num encontro listado pela própria Petrobrás entre as “viagens Pasadena”. E a dias da formalização desse mico de grandes proporções.

Depois, a descoberta de que a Camargo Corrêa, envolvida até a tampa na Lava Jato, despejou R$ 3 milhões no Instituto Lula, sem falar outros trocados doados simultaneamente ao partido. A isso somem-se as viagens de Lula, sobretudo para a África, a bordo de jatos de grandes empreiteiras.

Aliás, não ajuda Lula em nada o Itamaraty produzir um memorando interno para driblar a lei da transparência e impedir a divulgação de documentos que, oficialmente, já são de domínio público. E por quê? Para que a imprensa - logo, a opinião pública - não acabe aprofundando detalhes das relações perigosas entre Lula e a Odebrecht, outra listada na Lava Jato.

Como sempre que não tem o que dizer, Lula usou o acolhedor ambiente do congresso do PT para fugir dessas questões e descascar em cima da imprensa. “Parece que as pessoas não querem mais ler as mentiras que eles publicam.” Se não for pedir demais, dá para dizer quais são essas “mentiras”? Os dados econômicos? O aparelhamento das estatais? O julgamento do mensalão no STF? As investigações do Ministério Público e da PF sobre o desmanche da Petrobrás?

Quanto mais Lula se enrola, mais Dilma começa a respirar melhor. Emagreceu 15 quilos, recupera a autoestima, pedala pelas redondezas do Alvorada e até dá-se ao luxo de comparecer à abertura do congresso do PT, discursar quase uma hora e... não ser vaiada. Ufa!

Também listou um monte de ideias e abastece a tal “agenda positiva”, ora com um ambicioso plano de safra, ora com um novo plano de investimentos para tapar os buracos da precária infraestrutura nacional. As intenções são grandiosas. As dúvidas sobre a viabilidade, igualmente.

Essa Dilma renovada sai da toca e cruza oceanos e mares para agitar a agenda externa e produzir boas pautas para a demanda interna. Após Bruxelas, para o encontro Celac-União Europeia, vem aí a viagem mais esperada há anos, aos EUA.

Dilma encontra investidores privados em Nova York no dia 28, janta na Casa Branca no dia 29, tem intensa agenda com Barack Obama (reuniões, entrevistas, assinatura de atos) no dia 30 e depois vai à Califórnia tratar de alta tecnologia. A expectativa do governo é não só uma nova etapa nas relações Brasil-EUA, mas manchetes favoráveis na imprensa tupiniquim.

O equilíbrio entre Lula e Dilma, porém, não é exatamente assim: um sobe, o outro cai. Um depende visceralmente do outro, tanto quanto o PT depende de ambos. Ou, repetindo José Dirceu, que sabe das coisas, estão todos “no mesmo saco”.

Com um detalhe interessante: por mais que o PT fique esbravejando contra o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o partido precisa dele quase tanto quanto de Dilma e de Lula. Se o ajuste fiscal der certo e a economia aprumar, o horizonte petista em 2018 é um. Se não, é outro, mais sombrio para o partido, para Dilma e para Lula. O PT está nas mãos de Levy. Quem diria...

Pedro S. Malan - Tudo muito pouco usual

- O Estado de S. Paulo

“Ficará cada vez mais claro quão pouco usual foi a última década”, escreveu a revista The Economist em julho de 2013. E tem razão: a década 2003-2013 foi muito pouco usual, como quer que se defina a expressão. Porque na sua primeira metade foi marcada pelos anos de auge (2003-2008) do que Ken Rogoff chamou de “o mais longo, o mais forte e o mais amplamente disseminado ciclo de expansão da história moderna”. Com a súbita caída do pano no último trimestre de 2008.

E sua segunda metade, de fins de 2008 até pelo menos 2013, foi marcada pelos efeitos da maior crise econômica e financeira desde os anos 1930 e pelas consequências, nada triviais, do tipo de respostas de política econômica por parte dos países desenvolvidos - e da China. Se esses dois quinquênios (2003-13) não foram unusual, é difícil imaginar o que seriam.

No Brasil também está ficando progressivamente mais claro quão pouco usual foi a década de 2003/04 a 2013/14. E quantos de nossos sérios problemas nesta dificílima transição de Dilma 1 para Dilma 2 têm raízes em processos decisórios e crenças seguidas há mais de oito anos, desde a virada de Lula 1 para Lula 2 - e mantidas nos anos que se lhe seguiram.

De meados de 2003 a meados de 2008, o primeiro quinquênio da década “pouco usual”, o Brasil, como é ou deveria ser sabido, beneficiou-se, e muito, de uma combinação de três fatores. Primeiro, uma situação internacional extraordinariamente favorável, que lhe permitiu acumular US$ 190 bilhões de superávits comerciais, ter superávit em conta corrente em cada um dos cinco anos de 2003 a 2007 e acumular quase US$ 200 bilhões de reservas internacionais no período. Segundo, uma condução da política macroeconômica que, enquanto lá estiveram o ministro Palocci e sua equipe (até março de 2006) foi na prática a continuidade da política macroeconômica de FHC 2. Terceiro, por uma herança não maldita de avanços feitos pelo Brasil na vigência de administrações anteriores. Creio que brasileiros razoavelmente informados sabem quão pouco usual foi esse primeiro quinquênio. E como pouco usual - e diferente - foi o período subsequente.

Com efeito, a virada de Lula 1 para Lula 2 foi marcada por uma autodeclarada “inflexão desenvolvimentista” que tinha como objetivo acelerar o crescimento econômico pela liderança do Estado e de suas empresas. O PAC, que Eduardo Gianetti chamou de “programa de abuso da credibilidade”, foi a expressão mercadológica dessa inflexão. Seu anúncio, no início de 2007, contemplava mais de 1.600 “ações de governo” (mais de 900 obras e mais de 700 “estudos e projetos em andamento”). Com o PAC, e o crédito oficial, o Brasil começou a fazer política de estímulo à demanda mais de um ano e meio antes da eclosão da crise global de fins de 2008. Na “revisão” do PAC do início de 2009, o número de ações do governo havia passado para mais de 2.200, das quais cerca de metade seriam obras. O investimento esperado: mais de R$ 1 trilhão.

A capa da Economist de novembro de 2009, com a estátua do Cristo Redentor decolando como um míssil, captava bem o espírito do momento: não só a política “anticíclica” adotada desde 2007, como sua ampliação como resposta à crise de 2008/09, pareciam ter despertado o “espírito animal de investidores internos e externos”. O Brasil parecia ter, finalmente, descoberto como alcançar uma trajetória de crescimento elevado de forma sustentada. A política dita keynesiana parecia ter funcionado, e muito bem, de 2007 a 2009. Por que não dar-lhe continuidade?

Foi o que o Brasil fez, e pelo quarto ano consecutivo em 2010, na suposição de que os estímulos ao consumo, privado e público, levariam certamente a uma grande expansão da oferta doméstica, portanto, do emprego e do salário real. E veio o insustentável superaquecimento da economia - 7,5% no ano em termos reais. A crescente euforia assegurou a eleição de Dilma em 2010.

Bem que houve, em 2011, uma tentativa de lidar com o superaquecimento de 2010 e seus previsíveis efeitos em termos de pressões inflacionárias e déficits crescentes do balanço de pagamentos. Ambos são inevitáveis quando a demanda cresce muito mais rapidamente que a oferta doméstica no horizonte de tempo relevante. Mas o esforço foi abandonado no segundo semestre de 2011 e surgiu a velha “nova matriz macroeconômica”, para tentar o que seria um crescimento acelerado em novas bases.

E vieram o programa integrado do investimento em logística, a criação de mais uma estatal para gerenciá-lo e o anúncio, três anos atrás, de um programa com ambições excessivas: 10 mil km de ferrovias, 5 mil km de rodovias, portos e aeroportos. Com o presidente da nova empresa (EPL) afirmando, na virada de 2012 para 2013, que com R$ 500 bilhões ele “zeraria” o déficit de infraestrutura do Brasil em cinco anos.

E vieram as decisões sobre o setor elétrico (MP 579), a imposição de ônus excessivos à Petrobrás (controle de preços, construção de quatro refinarias, 30% de participação mínima obrigatória em qualquer campo do pré-sal, a criação da Sete Brasil para encomendar a construção de 29 sondas a vários estaleiros, alguns por construir). Como escrevi neste espaço, “tudo parecia possível, porque desejável - se apenas houvesse vontade política”.

Para o Brasil pós-outubro de 2014 talvez esteja começando a ficar um pouco mais claro que as sérias dificuldades atuais exigem mais que alguns poucos “ajustes”, algumas poucas correções de “malfeitos”, algumas poucas recalibragens de alguns erros de “dosagem”. Essas exigências, imperiosas na área fiscal, expressam também problemas mais profundos de oferta, agravados por consequências de decisões tomadas desde o início de 2007.

Estamos, talvez, no começo do fim de um ciclo, ao longo do qual uma determinada visão e uma determinada política ultrapassaram, por larga margem, sua funcionalidade, relevância e utilidade.

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Pedro S. Malan é economista, foi ministro da fazenda no governo FHC

Miriam Leitão - Tergiversar em alemão

- O Globo

A presidente Dilma Rousseff disse a Deutsche Welle coisas de impressionar. Falou que chegar a um acordo entre Mercosul e União Europeia “depende das duas partes”. De quem mais, não é mesmo? E tergiversou sobre a Venezuela. A fala do ex-presidente Óscar Arias sobre o tema foi límpida. Segundo Arias, a Venezuela não é mais uma democracia e é inexplicável o silêncio dos países da região.

O ganhador do Nobel da Paz foi simples, direto, convincente. Explicou que o que se trata é de um país em que as eleições foram usadas para enfraquecer as instituições democráticas. É mesmo inexplicável o silêncio do Brasil ao que acontece por lá. A Deutsche Welle deu uma oportunidade para a presidente Dilma se explicar e perguntou o seguinte: “O mundo observa com preocupação a situação da Venezuela, o governo alemão e a Comissão de Direitos Humanos da ONU já se manifestaram preocupados. Como a senhora avalia a situação do país vizinho?” Era hora de, afinal, deixar claro de que lado está a diplomacia brasileira depois de tão longo silêncio e tantas oportunidades perdidas. A presidente deu uma resposta estranha. Começou defendendo a democracia, lembrando que tivemos ditaduras na região e, quando respondeu a questão, disse:

— Nós estruturamos toda uma política de apoio e de colocação de determinados marcos na relação com a Venezuela, no sentido de que a oposição e a situação, o governo e a oposição, respeitem os marcos institucionais democráticos legais da Venezuela — disse Dilma.

A oposição tem líderes encarcerados sem acusações convincentes. Eles não puderam ser visitados pelo ex-presidente espanhol Felipe González. Não há acusação clara contra eles. Não foi feito o devido processo legal. E não é, portanto, a oposição que ameaça os “marcos institucionais, democráticos, legais” da Venezuela. Ela tem tentado, dentro do confinado espaço institucional que o chavismo impôs ao país, fazer o seu papel. Não há como tratar os dois lados como se fossem igualmente ameaças à democracia. Um lado prendeu, o outro está preso, e a presidente Dilma sabe muito bem o que isso significa.

A rádio Deutsche Welle insistiu no tema, porque a resposta era insuficiente. Argumentou que a presidente é criticada por não ter uma posição mais firme sobre a perseguição à oposição na Venezuela. Dilma tergiversou. “Muita gente gostaria que virássemos as costas para a Venezuela, como muito tempo foi feito com Cuba.” Comparação indevida. A Venezuela faz parte do Mercosul, que tem como uma das suas cláusulas fundadoras o compromisso com a democracia, portanto, o silêncio sobre o que acontece lá é, como disse o vencedor do prêmio Nobel, “inexplicável”. A presidente continuou respondendo sobre Cuba, a respeito da qual não havia sido perguntada. Falou do apoio do Brasil ao país, do financiamento do Porto de Mariel, da reaproximação entre Havana e Washington. Quando, afinal, voltou à Venezuela afirmou: “Nós não somos golpistas. Nós não somos também de interferências e intervenções em países irmãos”.

Essa frase transforma o Paraguai em primo. Irmão é que não é, porque lá houve interferência. O país ouviu críticas fortes e foi suspenso temporariamente do Mercosul quando o ex-presidente Fernando Lugo sofreu impeachment num processo sumário, apesar de estar previsto pela Constituição do país. Naquele caso, valeu a cláusula democrática do bloco, e o Brasil “virou as costas” para o Paraguai por vários meses. Agora, o mesmo governo acha interferência indevida exigir respeito às liberdades individuais de líderes oposicionistas e à liberdade de imprensa na Venezuela.

A empresa de radiodifusão alemã não se deu por satisfeita e nem deveria, já que a presidente não respondera a questão. Disse que todos esperam que o Brasil, pelo seu poder na região, se posicione de forma mais contundente sobre a repressão. “Eles vão esperar para sempre, não vai ter uma forma mais firme de posicionamento?”

Dilma então respondeu que o Brasil jamais será uma potência “de porrete na mão” e que não seria um “interventor”. Ninguém falara em intervenção, no sentido de uso da força, nem em porrete. O que se quer da presidente é uma condenação à violação flagrante dos princípios democráticos na Venezuela. O silêncio é inexplicável.