quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Os ilusionistas

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Se o PAC fosse o que dizem o que o PAC é, o país não estaria neste ambiente recessivo. Simples como isso. Se houvesse investimentos criando uma demanda da ordem de R$646 bilhões em dois anos, não haveria desaceleração. Se apenas 2% das obras estivessem atrasadas, o país estaria andando. O governo está fazendo propaganda extemporânea e usando o Exército em frentes de obra.

O truque para o gordo número que o governo apresentou foi somar intenções de investimentos privados, que podem nem ser feitos, planos de estatais engordados por razões políticas, com investimento público que pode ou não ser feito. Depois, colocar tudo num mesmo embrulho e mostrar como obra do governo. Tudo é PAC, até o que é feito pelos estados com dinheiro dos estados. A entrevista de ontem foi para escalar o número, levando-o dos iniciais R$503 bilhões para R$646 bilhões os recursos do programa até 2010.

Tirando toda a fumaça, o governo, nos últimos dois anos, se comprometeu a investir no PAC, com recursos do Orçamento, segundo o balanço do site Contas Abertas, R$35 bilhões; executou despesas de R$22 bilhões; pagou no exercício efetivo apenas R$8,5 bilhões. Se somar o que pagou do que ficou pendurado de anos anteriores, no chamado "restos a pagar", foram R$18,7 bilhões.

O setor público no Brasil investe pouco historicamente. Veja na tabela preparada pelo economista Fábio Giambiagi, com dados do Tesouro Nacional, que o investimento tem se mantido um pouco abaixo ou um pouco acima de 1% do PIB ao ano. O fundo do poço dessa série foi em 2003, quando chegou a 0,5%.

Uma reunião de prestação de contas seria bem-vinda. Se fosse de fato uma prestação de contas com transparência, mostrando onde está havendo problemas, que tipo de problemas e como devem ser removidos. Mas foi mais uma cena fantasiosa de apresentação de um número inflado para que, ao fim, se desse o recado eleitoreiro. "O governo quer um candidato que queira a continuidade do PAC." Isso é propaganda fora de hora e no mesmo tom do que foi feito pelo governo durante a campanha municipal: vinculando-se projetos desejados pela população com o voto em determinado candidato.

Vários projetos do PAC estão sendo tocados pelo Exército, como a transposição do Rio São Francisco e as obras na BR-101 e na BR-319. O Exército é usado como empresa de obras, e para criar fato consumado e, assim, dissuadir os opositores do projeto. Em outros casos, a incapacidade gerencial é escondida pela acusação de que "o meio ambiente" é que impede a obra.

Em vários países, as obras para retomada do nível de atividade estão sendo usadas como parte do projeto de transição para uma economia de baixo carbono. Os projetos do PAC, com dinheiro público, licenciados ou patrocinados pelo Estado, são feitos como se a questão ambiental e climática fosse uma abstração. A variável não é levada em conta, apesar de ser tratada com cada vez mais seriedade no mundo inteiro. Esse descuido explica o fato de o governo prever no seu plano decenal energético 67 termelétricas. É também pelo mesmo descuido com o futuro climático que o governo trata com tanto descaso as propostas alternativas para a BR-319, estrada que liga Manaus a Porto Velho. A obra, se for concluída, levará o desmatamento para o coração do estado mais preservado do país: o Amazonas. O governo faz projetos que criam enormes riscos ambientais e depois culpa o "meio ambiente" de impedir a aceleração do crescimento. Não é segredo para ninguém que a BR-319 é a alavanca na qual o ministro Alfredo Nascimento espera se projetar na candidatura ao governo do estado.

O PAC não tem o tamanho que dizem, a maior parte do número é fumaça. E no que tem de verdadeiro ele é, em muitos casos, uma ameaça, por ser planejado e executado com uma visão retrógrada.

Parte do espetáculo do crescimento do PAC anunciado ontem é o inflado plano de investimento da Petrobras. O preço do petróleo despencou, a demanda caiu, as empresas estão descapitalizadas, a Petrobras tem que pegar dinheiro na Caixa Econômica e no BNDES para se financiar, e diz que vai aumentar seu plano de investimento. Não vai por falta de dinheiro, mas o número fabricado serve ao propósito de apresentar outro número, o do PAC, bem gordo que justifique a frase: "O candidato de 2010 terá que apoiar o PAC."

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