Jungmann representa o PPS e a Câmara dos Deputados na COP 16
De Cancún
Recapitulemos.
Em 1997 foi firmado o Protocolo de Kyoto, que se tornou efetivo oito anos depois, em 2005. Com ele, passou-se a ter toda uma arquitetura global para a redução das emissões de CO² ou equivalente (outros gases que provocam o efeito estufa).
O protocolo se organizava em duas partes: o Anexo I, com países que assumiam metas vinculantes (ou seja, verificáveis pela ONU), e o Anexo II, com nações que definiriam metas voluntárias, contribuindo para o esforço global de evitar o aquecimento do planeta.
No Anexo I, estavam os países europeus e o Japão. No dois, os emergentes, os pobres e os insulares (ilhas). Isto porque se admitia que o efeito estufa era responsabilidade comum e as obrigações eram diferenciadas, dado que europeus, por exemplo, vinham lançando CO² na atmosfera há séculos e os demais não.
Os EUA, por este critério, deveriam estar no Anexo I, por óbvio, mas jamais subscreveram Kyoto. E criaram uma grande encrenca que perdura até hoje. Isto porque europeus e japoneses estão pagando um preço alto para reduzirem suas emissões. E vêem emergentes como a China e a Índia, gigantes que crescem sem parar, lhes conquistando mercados. E por outro lado, os EUA, até bem pouco tempo o maior poluidor global (a China lhe tomou o lugar), sem fixar qualquer meta de redução de emissões, dado que seu plano permanece travado no Congresso americano e lá deverá ficar ainda por muito tempo.
Ora, reduzir emissões e passar de uma economia de alto para baixo carbono custa dinheiro, muito dinheiro. Encarece produtos que, num primeiro momento, perdem competitividade.
Em meio a uma crise aguda como está vivendo a Europa e que é crônica no Japão, os custos políticos de continuar sob o Protocolo de Kyoto, com seus principais competidores ”soltos”, é alto demais para ser pago....
É em razão disso que o Japão afirmou no início da COP 16 que a segunda fase de Kyoto - a primeira expira em 2012 - eles não iam topar.
É que eles ainda tinham na memória a noite de quinta para sexta-feira em 1997, quando, lá pelas duas da manhã, foram praticamente forçados por Al Gore, então vice presidente dos EUA, e sob enorme pressão dos demais, a subscrever o protocolo que levava o nome da cidade aonde se desenrolava a conferência do clima, Kyoto.
O resto da história é conhecido. Apesar dos esforços de Gore e Bill Clinton, o Congresso americano disse não, recusando-se a referendar o Protocolo. E os japoneses pagaram uma conta amarga e inesquecível...
E os emergentes, o pessoal do Anexo II, gigantes como China, Índia e Brasil, relutaram, mas acabaram todos assumindo metas de redução de emissões ”voluntárias”. Isto é, eles fixam e eles checam o alcance das metas estabelecidas, e comunicam seus resultados à comunidade internacional.
Ou seja, eles não aceitarão que a ONU monitore seus planos e programas de redução de emissões. Vantagem óbvia, vis a vis os países do Anexo I, cujas metas são, lembrem,”vinculantes”.
É esse o impasse, entre os “de dentro” e os “de fora” de Kyoto, que explode em Copenhagen na COP 15.
Então, a China e os EUA acordam em “empurrar com a barriga” qualquer decisão, não assumindo nada que seja vinculante, enquanto os emergentes, que antes não queriam assumir nada, nem voluntariamente, evoluem para metas próprias, porém não internacionalmente verificáveis. Deu no que deu.
A duras penas chega-se ao acordo de Copenhagen, que virtualmente subverte a engenharia de Kyoto. Isto porque, ao lado dos países do Anexo I, com metas definidas em conjunto e de cima para baixo, tem-se agora um processo de “baixo para cima”, com cada país (emergentes mais EUA e demais) assumindo suas metas, prazos, anos de referência, sistemas de verificação, etc.
Resumindo, a COP 15 cristaliza dois sistemas. Um, dos países do Anexo I, vinculante; outro, voluntário, para os dos Anexo II, mais os EUA.
Aceitar ou não esse “duplo trilho” passa a depender crucialmente de como os países do Anexo II vão fazer as suas auditorias de alcance de metas, como vão comunicá-las e como se pode, ou não, questioná-los, aonde e como.
Essa esfinge começou a ser decifrada ontem à noite. Pelo acordo em andamento, Cancún, ao final, diria que as negociações para uma fase dois de Kyoto continuariam – sem metas e, em certa medida, sem data. Porém, o comunicado remeteria a dois anexos. Em um deles se faria menção a Copenhagen e aos seus compromissos compartilhados - segurar o aquecimento global abaixo dos dois graus centígrados até o fim do século XXI, por exemplo. No outro, se relacionaria, pela primeira vez, as metas “voluntárias” dos emergentes e dos EUA, que assim seriam gradualmente incluídas.
Caso essa solução vingue, somada a um processo de verificação dos emergentes proposto pela Índia e, ao que parece, aceito pelos EUA e China, o caminho estaria aberto para a subscrição do texto final.
De quebra, e mais importante, também estará aberto o caminho para que, um dia, todas as metas sejam vinculantes. Ainda que as metodologias e processos de verificação possam variar caso a caso, ou de anexo a anexo, a dicotomia entre os que estão de fora e de dentro, e que emperra um acordo realmente global de redução de emissões, estaria com os dias contados.
Se ao final do processo a que referimos a conta da redução das emissões vier a fechar, limitando o aquecimento aos fatídicos dois graus a mais, terá valido a pena Cancún?
Mais que isso, terá sido um sucesso. Mesmo que não tenha sido recheada de chefes de estado, pois “lá não vai dar em nada”, como disse Lula, negando-se a comparecer...
* Raul Jungmann é deputado federal, membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e dirigente nacional do PPS.
O protocolo se organizava em duas partes: o Anexo I, com países que assumiam metas vinculantes (ou seja, verificáveis pela ONU), e o Anexo II, com nações que definiriam metas voluntárias, contribuindo para o esforço global de evitar o aquecimento do planeta.
No Anexo I, estavam os países europeus e o Japão. No dois, os emergentes, os pobres e os insulares (ilhas). Isto porque se admitia que o efeito estufa era responsabilidade comum e as obrigações eram diferenciadas, dado que europeus, por exemplo, vinham lançando CO² na atmosfera há séculos e os demais não.
Os EUA, por este critério, deveriam estar no Anexo I, por óbvio, mas jamais subscreveram Kyoto. E criaram uma grande encrenca que perdura até hoje. Isto porque europeus e japoneses estão pagando um preço alto para reduzirem suas emissões. E vêem emergentes como a China e a Índia, gigantes que crescem sem parar, lhes conquistando mercados. E por outro lado, os EUA, até bem pouco tempo o maior poluidor global (a China lhe tomou o lugar), sem fixar qualquer meta de redução de emissões, dado que seu plano permanece travado no Congresso americano e lá deverá ficar ainda por muito tempo.
Ora, reduzir emissões e passar de uma economia de alto para baixo carbono custa dinheiro, muito dinheiro. Encarece produtos que, num primeiro momento, perdem competitividade.
Em meio a uma crise aguda como está vivendo a Europa e que é crônica no Japão, os custos políticos de continuar sob o Protocolo de Kyoto, com seus principais competidores ”soltos”, é alto demais para ser pago....
É em razão disso que o Japão afirmou no início da COP 16 que a segunda fase de Kyoto - a primeira expira em 2012 - eles não iam topar.
É que eles ainda tinham na memória a noite de quinta para sexta-feira em 1997, quando, lá pelas duas da manhã, foram praticamente forçados por Al Gore, então vice presidente dos EUA, e sob enorme pressão dos demais, a subscrever o protocolo que levava o nome da cidade aonde se desenrolava a conferência do clima, Kyoto.
O resto da história é conhecido. Apesar dos esforços de Gore e Bill Clinton, o Congresso americano disse não, recusando-se a referendar o Protocolo. E os japoneses pagaram uma conta amarga e inesquecível...
E os emergentes, o pessoal do Anexo II, gigantes como China, Índia e Brasil, relutaram, mas acabaram todos assumindo metas de redução de emissões ”voluntárias”. Isto é, eles fixam e eles checam o alcance das metas estabelecidas, e comunicam seus resultados à comunidade internacional.
Ou seja, eles não aceitarão que a ONU monitore seus planos e programas de redução de emissões. Vantagem óbvia, vis a vis os países do Anexo I, cujas metas são, lembrem,”vinculantes”.
É esse o impasse, entre os “de dentro” e os “de fora” de Kyoto, que explode em Copenhagen na COP 15.
Então, a China e os EUA acordam em “empurrar com a barriga” qualquer decisão, não assumindo nada que seja vinculante, enquanto os emergentes, que antes não queriam assumir nada, nem voluntariamente, evoluem para metas próprias, porém não internacionalmente verificáveis. Deu no que deu.
A duras penas chega-se ao acordo de Copenhagen, que virtualmente subverte a engenharia de Kyoto. Isto porque, ao lado dos países do Anexo I, com metas definidas em conjunto e de cima para baixo, tem-se agora um processo de “baixo para cima”, com cada país (emergentes mais EUA e demais) assumindo suas metas, prazos, anos de referência, sistemas de verificação, etc.
Resumindo, a COP 15 cristaliza dois sistemas. Um, dos países do Anexo I, vinculante; outro, voluntário, para os dos Anexo II, mais os EUA.
Aceitar ou não esse “duplo trilho” passa a depender crucialmente de como os países do Anexo II vão fazer as suas auditorias de alcance de metas, como vão comunicá-las e como se pode, ou não, questioná-los, aonde e como.
Essa esfinge começou a ser decifrada ontem à noite. Pelo acordo em andamento, Cancún, ao final, diria que as negociações para uma fase dois de Kyoto continuariam – sem metas e, em certa medida, sem data. Porém, o comunicado remeteria a dois anexos. Em um deles se faria menção a Copenhagen e aos seus compromissos compartilhados - segurar o aquecimento global abaixo dos dois graus centígrados até o fim do século XXI, por exemplo. No outro, se relacionaria, pela primeira vez, as metas “voluntárias” dos emergentes e dos EUA, que assim seriam gradualmente incluídas.
Caso essa solução vingue, somada a um processo de verificação dos emergentes proposto pela Índia e, ao que parece, aceito pelos EUA e China, o caminho estaria aberto para a subscrição do texto final.
De quebra, e mais importante, também estará aberto o caminho para que, um dia, todas as metas sejam vinculantes. Ainda que as metodologias e processos de verificação possam variar caso a caso, ou de anexo a anexo, a dicotomia entre os que estão de fora e de dentro, e que emperra um acordo realmente global de redução de emissões, estaria com os dias contados.
Se ao final do processo a que referimos a conta da redução das emissões vier a fechar, limitando o aquecimento aos fatídicos dois graus a mais, terá valido a pena Cancún?
Mais que isso, terá sido um sucesso. Mesmo que não tenha sido recheada de chefes de estado, pois “lá não vai dar em nada”, como disse Lula, negando-se a comparecer...
* Raul Jungmann é deputado federal, membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e dirigente nacional do PPS.
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