"Estelionato eleitoral" é uma figura de linguagem que se tornou muito popular na política brasileira e tem utilidade apartidária. Lula, em 1994, acusou o Plano Real de ser um "estelionato eleitoral" que não resistiria a longo prazo, e o candidato tucano José Serra encerrou sua primeira campanha presidencial, em 2002, acusando Lula, que venceria a eleição, de ter que praticar um "estelionato eleitoral" para governar, pois suas promessas não poderiam ser cumpridas.
São dois casos em que a expressão foi utilizada na disputa política, e, se as acusações estavam certas ou não, depende da posição ideológica de cada um.
Mas há em curso hoje um "estelionato eleitoral" que independe da ideologia para ser identificado e punido.
Trata-se do caso da deputada federal eleita em 2010 Jaqueline Roriz, do PMN do Distrito Federal, contra quem o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu ao Supremo Tribunal Federal abertura de inquérito.
A deputada aparece - no que parece ser uma nova fornada de vídeos que faz parte do escândalo que derrubou o governo de José Roberto Arruda - recebendo um pacote de dinheiro das mãos do ex-delegado de polícia Durval Barbosa, que entre 2000 e 2006 dirigiu a Companhia de Planejamento do Distrito Federal, passando como herança do governo Roriz para o de Arruda na qualidade de secretário de Relações Institucionais.
As práticas também prosseguiram, e Barbosa, quando achou que Arruda estava lhe preparando algum golpe, decidiu fazer um acordo de delação premiada e denunciou o esquema de corrupção do qual era um dos atores principais.
Ator nesse caso pode ser usado também no sentido literal, pois Barbosa montou um aparato em seu gabinete que filmava todos os que nele entravam para arrecadar sua parte no esquema, proporcionando cenas memoráveis de degradação explícita.
As cenas são da campanha eleitoral de 2006, e justificaram a Operação Caixa de Pandora, que colocou de cabeça para baixo a política brasiliense.
É aí que fica explicitado o "estelionato eleitoral" de Jaqueline Roriz. À época do escândalo, um dos grandes espantos nacionais era como não havia gravação envolvendo o ex-governador Joaquim Roriz, em cuja administração teve início tal prática de distribuição de dinheiro público.
Sua filha, a mesma Jaqueline, então deputada distrital, teve a petulância de aparecer em um comercial de seu partido na televisão dando supostas lições de moral, defendendo a transparência na atividade política.
Referiu-se à "sucessão de fatos que está envergonhando o Distrito Federal" como se nada tivesse a ver com aqueles escândalos, e criticou a possibilidade de haver uma intervenção federal na política da capital do país.
Se o filme agora divulgado tivesse aparecido naquela leva de 2009, Jaqueline Roriz estaria hoje cassada, não tendo concorrido na eleição de 2010, quando se elegeu deputada federal.
Como esse filme, e muitos outros, estão com Durval Barbosa - que escolhe a melhor ocasião para divulgá-los de acordo com seus interesses políticos -, ele só veio a público agora.
Jaqueline poderia se livrar de qualquer punição dentro do Congresso por uma armação montada pelo PT durante a crise do mensalão, iniciada em 2005.
No Conselho de Ética da Câmara, que analisava em 2007 os pedidos de cassação dos envolvidos no mensalão, surgiu uma proposta, de autoria do atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, então deputado federal pelo PT, de que só pudesse haver processos referentes a atos cometidos depois da posse do acusado.
Como o governo tinha a maioria na Comissão de Ética, essa aberração ética foi aprovada e serviria, hoje, para livrar Jaqueline Roriz de uma cassação de mandato.
A tendência era essa, até a sociedade se mobilizar para lembrar aos deputados que há limites para a falta de decoro coletiva.
O primeiro passo foi a renúncia da deputada da comissão de reforma política, evitando assim que a desmoralização fosse completa - embora nela permaneçam vários deputados envolvidos em processos justamente por acusações de ilegalidades em campanhas eleitorais, um dos temas centrais do debate da reforma.
O passo mais importante foi levar o presidente da Câmara, Marco Maia, a enxergar a possibilidade de uma punição onde inicialmente ele não via nenhum indício de crime.
Mesmo diante do ato de corrupção ativa filmado, e da voz da deputada gravada pedindo um aumento da parte que lhe cabia naquele escândalo, Maia não se comoveu, querendo mais evidências.
Pegou tão mal seu autismo político, que ele agora já está disposto a instalar o Conselho de Ética, o que só não aconteceu porque o corregedor da Câmara, o deputado Eduardo Fonte - mais conhecido como Dudu, um pupilo do famigerado Severino Cavalcanti, que renunciou à presidência da Câmara por envolvimento em um episódio de corrupção -, estava viajando.
Deve-se também à ação do PSOL essa mudança de atitude. O senador Randolfe Rodrigues, do Amapá, e o presidente do PSOL no Distrito Federal, Toninho de Andrade, entregaram requerimento à Corregedoria da Câmara pedindo a abertura do processo, que, na semana que vem, quando o Conselho de Ética for instalado, será analisado.
A possibilidade de punição tem precedentes, inclusive familiares: Joaquim Roriz, pai de Jaqueline, denunciado por uma negociação suspeita ocorrida antes do início de seu mandato, renunciou ao Senado em 2007 para não ser cassado.
Mas o presidente da Câmara é que trouxe ao debate a questão do "estelionato eleitoral" de Jaqueline. Como ela se apresentou como candidata a deputada federal, sem que os eleitores soubessem que cometera o crime agora revelado, os teria induzido a erro.
Se a moda pega...
São dois casos em que a expressão foi utilizada na disputa política, e, se as acusações estavam certas ou não, depende da posição ideológica de cada um.
Mas há em curso hoje um "estelionato eleitoral" que independe da ideologia para ser identificado e punido.
Trata-se do caso da deputada federal eleita em 2010 Jaqueline Roriz, do PMN do Distrito Federal, contra quem o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu ao Supremo Tribunal Federal abertura de inquérito.
A deputada aparece - no que parece ser uma nova fornada de vídeos que faz parte do escândalo que derrubou o governo de José Roberto Arruda - recebendo um pacote de dinheiro das mãos do ex-delegado de polícia Durval Barbosa, que entre 2000 e 2006 dirigiu a Companhia de Planejamento do Distrito Federal, passando como herança do governo Roriz para o de Arruda na qualidade de secretário de Relações Institucionais.
As práticas também prosseguiram, e Barbosa, quando achou que Arruda estava lhe preparando algum golpe, decidiu fazer um acordo de delação premiada e denunciou o esquema de corrupção do qual era um dos atores principais.
Ator nesse caso pode ser usado também no sentido literal, pois Barbosa montou um aparato em seu gabinete que filmava todos os que nele entravam para arrecadar sua parte no esquema, proporcionando cenas memoráveis de degradação explícita.
As cenas são da campanha eleitoral de 2006, e justificaram a Operação Caixa de Pandora, que colocou de cabeça para baixo a política brasiliense.
É aí que fica explicitado o "estelionato eleitoral" de Jaqueline Roriz. À época do escândalo, um dos grandes espantos nacionais era como não havia gravação envolvendo o ex-governador Joaquim Roriz, em cuja administração teve início tal prática de distribuição de dinheiro público.
Sua filha, a mesma Jaqueline, então deputada distrital, teve a petulância de aparecer em um comercial de seu partido na televisão dando supostas lições de moral, defendendo a transparência na atividade política.
Referiu-se à "sucessão de fatos que está envergonhando o Distrito Federal" como se nada tivesse a ver com aqueles escândalos, e criticou a possibilidade de haver uma intervenção federal na política da capital do país.
Se o filme agora divulgado tivesse aparecido naquela leva de 2009, Jaqueline Roriz estaria hoje cassada, não tendo concorrido na eleição de 2010, quando se elegeu deputada federal.
Como esse filme, e muitos outros, estão com Durval Barbosa - que escolhe a melhor ocasião para divulgá-los de acordo com seus interesses políticos -, ele só veio a público agora.
Jaqueline poderia se livrar de qualquer punição dentro do Congresso por uma armação montada pelo PT durante a crise do mensalão, iniciada em 2005.
No Conselho de Ética da Câmara, que analisava em 2007 os pedidos de cassação dos envolvidos no mensalão, surgiu uma proposta, de autoria do atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, então deputado federal pelo PT, de que só pudesse haver processos referentes a atos cometidos depois da posse do acusado.
Como o governo tinha a maioria na Comissão de Ética, essa aberração ética foi aprovada e serviria, hoje, para livrar Jaqueline Roriz de uma cassação de mandato.
A tendência era essa, até a sociedade se mobilizar para lembrar aos deputados que há limites para a falta de decoro coletiva.
O primeiro passo foi a renúncia da deputada da comissão de reforma política, evitando assim que a desmoralização fosse completa - embora nela permaneçam vários deputados envolvidos em processos justamente por acusações de ilegalidades em campanhas eleitorais, um dos temas centrais do debate da reforma.
O passo mais importante foi levar o presidente da Câmara, Marco Maia, a enxergar a possibilidade de uma punição onde inicialmente ele não via nenhum indício de crime.
Mesmo diante do ato de corrupção ativa filmado, e da voz da deputada gravada pedindo um aumento da parte que lhe cabia naquele escândalo, Maia não se comoveu, querendo mais evidências.
Pegou tão mal seu autismo político, que ele agora já está disposto a instalar o Conselho de Ética, o que só não aconteceu porque o corregedor da Câmara, o deputado Eduardo Fonte - mais conhecido como Dudu, um pupilo do famigerado Severino Cavalcanti, que renunciou à presidência da Câmara por envolvimento em um episódio de corrupção -, estava viajando.
Deve-se também à ação do PSOL essa mudança de atitude. O senador Randolfe Rodrigues, do Amapá, e o presidente do PSOL no Distrito Federal, Toninho de Andrade, entregaram requerimento à Corregedoria da Câmara pedindo a abertura do processo, que, na semana que vem, quando o Conselho de Ética for instalado, será analisado.
A possibilidade de punição tem precedentes, inclusive familiares: Joaquim Roriz, pai de Jaqueline, denunciado por uma negociação suspeita ocorrida antes do início de seu mandato, renunciou ao Senado em 2007 para não ser cassado.
Mas o presidente da Câmara é que trouxe ao debate a questão do "estelionato eleitoral" de Jaqueline. Como ela se apresentou como candidata a deputada federal, sem que os eleitores soubessem que cometera o crime agora revelado, os teria induzido a erro.
Se a moda pega...
FONTE: O GLOBO
Nenhum comentário:
Postar um comentário