A nova coordenação política do Palácio do Planalto ainda precisa superar o ceticismo da base de sustentação política do governo, antes de se julgar pronta para enfrentar desafios como votar a reforma tributária ou ao menos sonhar em recuperar o imposto do cheque, o sujeito oculto da Emenda 29, para citar dois projetos na ordem do dia do debate político. A base aliada dá um crédito de confiança, mas duvida do sucesso da empreitada.
Às razões:
O mesmo PT que aposta em Gleisi Hoffmann (Casa Civil) na gestão, duvida do poder de fogo de Ideli Salvatti (Relações Institucionais) para levar a bom termo o toma lá (cargos e emendas parlamentares), dá cá (votos necessários para aprovar os projetos de interesse do governo) que constitui a rotina nervosa da relação do Palácio do Planalto com a base aliada e parte da oposição - alguém duvida?
O problema da dupla Gleisi-Ideli é a desconfiança generalizada de que elas serão vítimas do mesmo mal que acometeu Antonio Palocci e o hoje ministro da Pesca, Luiz Sérgio, que talvez não esteja restrito ao desdém com que a presidente Dilma Rousseff trata as questões do varejo da política.
Dilma promete mudar, é certo. Mas quando falou sobre isso num almoço com senadores do PMDB, José Sarney e Renan Calheiros entreolharam-se, boquiabertos: ela estava tão disposta a assumir uma nova postura que já havia instruído o gabinete da Presidência da República a agendar um ou dois encontros como aquele - por ano.
O nervosismo entre os integrantes da chamada base aliada é forte e deve se manter assim enquanto o governo não tiver de fato uma instância para distensionar o ambiente. Todo governo, não importa qual seja sua origem, precisa ter algum grau de interlocução que possa mediar as tensões antes que elas cheguem ao presidente. Isso não ocorre (ou não ocorria, para se dar um crédito de confiança aos votos de Dilma e suas fiéis escudeiras Gleisi e Ideli) no governo Dilma Rousseff.
Há três exemplos surrealistas, mais comuns em finais de mandato do que em governo à véspera de fechar o primeiro semestre para o balanço de atividades.
Para não fugir à regra, um deles tem um integrante da família Gomes como protagonista: azucrinado com as cobranças de jornalistas sobre o péssimo estado de conservação das estradas federais no Ceará, o governador Cid Gomes (PSB) rapidamente jogou a responsabilidade pelos buracos no Ministério dos Transportes, cujos dirigentes foram agraciados com adjetivos do tipo "inepto, incompetente, desonesto", integrantes de uma "laia", enfim, uma "quadrilha".
O Ministério dos Transportes, como se sabe, é dirigido pelo senador Alfredo Nascimento, alto dignatário do PR, um dos partidos que integram a base aliada.
Outro exemplo de descoordenação política ocorreu em uma das reuniões do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com governadores do PT e PSB do Nordeste para a apresentação do projeto de reforma tributária do governo. Marcelo Déda chegou à reunião depois de passar algumas horas no Ministério do Planejamento na mendicância pela liberação de R$ 3 milhões para a conclusão de uma ponte já com 70% das obras, em Aracaju. Ao perceber que a "reforma tributária" em gestação não passava de uma nova regulação do ICMS, Déda protestou e deixou a reunião.
Aos auxiliares, Déda contou mais tarde que criticara, de maneira educada e bem-humorada: era mais uma tentativa de regular o ICMS, um imposto estadual, e não incluía a partilha das contribuições (tributo que não entra na partilha da União com os Estados e municípios). No dia que isso ocorresse ele não precisaria ficar mais horas no Planejamento para liberar uma verba já contratada nem pediria para os deputados federais apresentarem emendas parlamentares ao Orçamento da União para beneficiar Sergipe, pois isso já não seria necessário.
Único petista eleito três vezes seguidas em primeiro turno, o governador de Sergipe tem sempre um olho na política e lhe chamou a atenção uma emenda apresentada no Senado por Aécio Neves, virtual candidato do PSDB a presidente. A proposta determina ao governo federal sempre compensar os Estados, quando fizer renúncia fiscal.
Essas são as dúvidas que, na realidade, são de todos os aliados do governo, pois a emenda do tucano certamente terá repercussão na base governista, como acontece com tudo o que se refere a Estados e municípios. Na conversa com Mantega, o governador disse que isso o preocupava, pois o relacionamento federativo do PT sempre fora melhor que o do PSDB, e agora os tucanos ameaçam faturar com os Estados e municípios.
Para o espanto dos demais presentes, Mantega acusou Déda de estar defendendo os governos de Fernando Henrique Cardoso. Não uma, nem duas. Mas três vezes. Déda retirou-se e depois recebeu uma ligação do governador Eduardo Campos, de Pernambuco, ironizando-o. Ele poderia escolher um ministro mais fraco para brigar, mas foi se engalfinhar logo com o da Fazenda. Na verdade, Déda e Mantega já conversaram e trocaram tapinhas nas costas. O episódio ficou como registro da falta que faz a mediação, um filtro na relação do governo com a classe política. O próprio Eduardo Campos surpreendeu ao atacar Ideli Salvatti quando a ministra sugeriu que os governadores poderiam ajudar a derrubar a PEC 300 (aumento dos PMs e bombeiros). Não sem razão: quando ministro da Justiça, Tarso Genro manifestou apoio ao projeto.
Esses são fatos que levam caciques da base aliada a defender que a presidente tenha um anteparo que efetivamente sirva de parachoque, um filtro às tensões emanadas de um ambiente naturalmente nervoso, como são as arenas do Congresso e dos Estados. Mas não é só o pedigree da nova coordenação política que causa ceticismo.
Mais que isso, preocupa os aliados a convicção - de muitos - de que a presidente apenas dá um tempo para a volta de Lula, em 2014, e a de outros tantos - inclusive da oposição - de que Dilma decididamente não ambiciona um segundo mandato. Ou não dá demonstração de ambicionar. Nos dois casos, a expectativa de poder é Lula e isso enfraquece Dilma.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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