quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Câmbio real dói:: Celso Ming

Para entender o que é o câmbio, é preciso muita humildade – chegou a dizer a presidentes de bancos centrais, na Basileia, Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (Fed). No entanto, mesmo com alta dose de humildade, o câmbio produz surpresas.

A crise europeia, por exemplo, está enfiando goela abaixo de economistas e dirigentes políticos a súbita percepção de que existem câmbios reais diferentes, de país para país, dentro da Eurozona – que opera com moeda única. E mais ainda: a diferença entre câmbios reais está aumentando.

Os economistas repetem todos os dias que o mais importante numa relação de câmbio não é o preço de uma moeda em outra moeda, mas o valor do salário (ou da renda) em moeda estrangeira. Ou seja, o mais relevante é o que se chama de relação câmbio/salário. A novidade é a crise do euro mostrando que esse conceito um tanto teórico, além de convulsões no sistema, é capaz de gerar dores insuportáveis.

Na prática, o valor do euro em outra moeda (em dólar, em libra esterlina, em iene, em franco suíço ou em real) ficou diferente para o alemão, para o italiano, para o grego ou para o francês – embora partilhem da mesma moeda. A unidade de produto (uma garrafa de vinho, uma máquina ou um carrinho de bebê) produzida na Alemanha tem custo mais baixo por unidade de trabalho quando comparada à fabricada na Grécia ou na Itália e pode ser vendida mais barata. Como os mercados estão integrados, o alemão consegue exportar mais para os outros sócios do bloco do que esses para o alemão.

O acirramento da crise aprofundou mais um desalinhamento: baixou o custo do endividamento (juros mais baixos) para o alemão e o elevou insuportavelmente (juros muito mais altos) para o grego, para o italiano e para o espanhol.

Ou seja, estamos falando de câmbio real e dos atuais descompassos entre câmbios reais na área do euro – fator que põe a nu outra dimensão do colapso europeu, que extrapola o simples agravamento do endividamento. Trata-se da enorme disparidade entre resultados de balanço de pagamentos entre os membros da mesma área monetária (euro).

No tempo em que cada país tinha sua própria moeda, bastava manobrar a política monetária e o câmbio para forçar uma desvalorização da moeda em relação às demais. Esse movimento barateava em moeda estrangeira os produtos nacionais e encarecia os provenientes do exterior. O resultado era o crescimento das exportações e o recuo das importações.

Na prática, essa desvalorização da moeda diminuía o valor do salário, das aposentadorias e das outras rendas em moeda estrangeira. Tratava-se de operação relativamente indolor que o cidadão, em geral, nem percebia.

A novidade é que a moeda comum não permite a desvalorização do câmbio real, que é diferente entre os países do bloco. Assim, sem poder impulsionar a produtividade, o único mecanismo de ajuste passou a ser reduzir salários, aposentadorias e rendas. Além de doer, isso passou a ser fonte de enormes tensões políticas.

CONFIRA

Recordes superados. Simples mudanças de governo já não impressionam o mercado financeiro europeu. Os rendimentos (yields) cobrados pelos aplicadores que arriscam seu dinheiro em títulos da Itália, da Espanha, da França e também da Bélgica vão batendo recordes todos os dias.

Mais alto. Nesta terça-feira, o rendimento do título de 10 anos da Espanha atingiu o recorde de 6,34%. E o da Itália chegou a 7,07%

Relaxe. O diário madrilenho El País apresentou nesta terça o seguinte título em seu portal: A Europa derrete? Cinco motivos para não entrar em pânico. Esses motivos são: (1) o euro segue relativamente forte em relação ao dólar; (2) as bolsas europeias caem, mas não demais; (3) a Alemanha continua obtendo juros baixos no lançamento de seus títulos; (4) as bolsas americanas têm alta acumulada no ano; e, (5) embora em alta, a curva dos juros dos títulos europeus parecem tender a formar um platô (ponto mais alto).

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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