Tive o prazer de ler, há alguns anos, uma saborosa crônica de Elsie Lessa relativa a seus guardados pessoais. A crônica discorria, mais precisamente, sobre algumas cartas que recebera de amigos escritores. Aludia, ainda, a desenhos e esboços que certos artistas lhe enviaram ao longo dos anos. O material recolhido em seuas gavetas permitia à escritora de traçar uma espécie de história sentimental e cultural de sua existência. Nomes do porte de Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga e Di Cavalcanti privaram da companhia de Elsie Lessa - para ficarmos apenas nesses monstros sagrados da vida brasileira.
Naturalmente, nem todos possuímos um acervo a qualidade daquele de Elsie Lessa - a primeira-dama da crônica brasileira. A escritora paulista viveu a vida que desejou, viajando por diversos países, conhecendo povos e culturas as mais variadas. Mas, bem ou mal, todos nós reunimos, daqui e dali, documentos que nos remetem a certas fases da vida, os quais ajudam a compor nossa memória afetiva.
Ainda que concordando com o poeta – “ Nunca regressa a água que passa / Nem uma só gota volta à sua nascente ” - remexer em nossas próprias gavetas, à maneira de Elsie Lessa, pode reservar determinadas surpresas e implicar uma volta ao passado, à procura de pedaços da nossa história individual.
Percorro então meus alfarrábios e leio com um misto de ternura e tristeza uma carta manuscrita de Claude Lévi-Strauss, onde o antropólogo agradecia por eu ter transmitido aos leitores da revista Módulo o núcleo de seu pensamento. Isso há cerca de trinta anos. Emociono-me, também, com uma generosa carta do combativo Barbosa Lima Sobrinho a propósito do meu livro Memorial dos Palmares. Tenho, ainda, diante dos olhos, um cartão de boas festas enviado por Luiz Carlos Prestes, um brasileiro raro. De outro brasileiro raro, meu irmão Francisco Inácio de Almeida, guardo uma carta onde narra como fora o lançamento, em Brasília, do livro de memórias de um prezado amigo comum, o cientista Luiz Hildebrando Pereira da Silva.
De Oscar Niemyer, o último gênio do Modernismo no mundo, separei a apresentação que fez para o meu Brasil, 500 anos em documentos, uma grande honra para mim.
Também armazenei uma anotação feita à mão por Henri-Cartier Bresson, pedindo para que eu traduzisse um texto inédito seu - sem esquecer de "mencionar a fonte". Não esqueci.
Do meu querido Ferreira Gullar, tenho poemas autografados. Eis do que se compõe meu Museu da Saudade. Do qual a estupenda crônica de Elsie Lessa agora também faz parte.
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