Parentes das vítimas da repressão querem que a Comissão da Verdade exponha os nomes dos envolvidos nos crimes
Juliana Dal Piva
DIREITO À HISTÓRIA
Então um menino de 11 anos, Marcelo Rubens Paiva mal acordara e seu pai Rubens Paiva, 41 anos, já havia sido levado de casa por policiais, na manhã do dia 20 de janeiro de 1971. O universitário Stuart Angel Jones, 26 anos, vivia com identidade falsa por suas atividades no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) desde o fim de 1968, por isso, quando militares o levaram em 14 de junho do mesmo ano, a família sequer testemunhou a prisão. Dois anos depois, em outubro de 1973, o estudante Ramires Maranhão do Valle, 23 anos, militante clandestino do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), também foi preso pela polícia sem que ninguém visse. Como os outros, em dezembro, o major da reserva, Joaquim Pires Cerveira, 50 anos, teve destino semelhante. Todos eles desapareceram.
De acordo com o "Dossiê Ditadura - Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1964/1985)", publicado em 2009, o Rio tem atualmente 31 nomes considerados desaparecidos políticos, sendo que em todo o Brasil, o número chega a 138. E está nesta lista uma das grandes expectativas em relação à recém-empossada Comissão da Verdade: saber o que realmente ocorreu com cada um deles. O jornalista Marcelo Rubens Paiva, 53 anos, ressaltou que sua família já está mobilizada para acompanhar de perto o trabalho da comissão.
- Eu acho que, se a comissão de fato começar pelos desaparecidos, é preciso chamar os responsáveis pela prisão e tortura. O caso do meu pai está bem documentado e é muito simples saber quem era o comandante - pontuou Paiva.
O engenheiro Romildo Maranhão do Valle, 60 anos, é irmão do estudante Ramires Maranhão do Vale, desaparecido em 1973. Ele contou que seu pai, mesmo aos 93 anos, também acompanha o desenvolvimento do processo. Os dois, no entanto, não têm grandes expectativas em relação à Comissão da Verdade, mas Valle é categórico ao revelar o que a família gostaria de ver como resultado:
- Nós queremos saber o que foi que houve, quando foi e quem foi responsável. E, é claro, que queremos justiça, algo parecido com o processo argentino, mas sabemos que um processo muito difícil - disse Valle.
Família Angel quer expor culpados
A jornalista Hildegard Angel perdeu a mãe, a estilista Zuzu Angel, e o irmão, Stuart, durante a ditadura militar. O assassinato de Zuzu foi reconhecido pelo Estado. Ela morreu em um acidente forjado pelos militares depois de passar anos investigando o desaparecimento do filho em 1971. Hildegard cobra pela família os detalhes sobre os últimos dias de vida de seu irmão.
- Estou impaciente e a nossa expectativa é que a verdade apareça. A gente quer os nomes dos responsáveis e queremos que isso seja apontado publicamente. A verdade tem que estar nos livros escolares, não podemos viver em um país de mentira - desabafou.
Além de identificar as circunstâncias dos desaparecimentos e os responsáveis pelos casos, a Comissão da Verdade terá que se deparar com o envolvimento da Operação Condor - aliança feita por países da América do Sul para achar exilados na região - na morte e ocultação de cadáveres de brasileiros e estrangeiros, aqui e fora do país. O major da reserva Joaquim Pires Cerveira é um destes casos. Cerveira estava em Buenos Aires quando desapareceu em 1973, mas, segundo testemunharam presos políticos, ele foi trazidos a sede do Doi-Codi/RJ.
- Nada repõe a perda, mas cada vez que alguém diz algo, dá alguma localização (do corpo), ocorre de novo a morte do meu pai. Nesses anos todos ele morreu várias vezes, mas nunca definitivamente - observou a filha Neusah Cerveira, 53 anos, professora universitária.
Ela própria contou que quando tentou publicar sua tese de doutorado realizada na Universidade de São Paulo (USP) sobre a Operação Condor sofreu dois sequestros, os quais só está denunciando agora.
Tanto ela quanto Romildo Maranhão foram chamados para reunião com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, com familiares de outros desaparecidos citados no livro "Memórias de uma Guerra Suja". Na publicação, o ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) Cláudio Antônio Guerra, informou que alguns militantes teriam sido incinerados em uma usina de açúcar em Campos. O pai de Neusah seria um deles.
FONTE: O GLOBO
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