quarta-feira, 16 de maio de 2012

Dilma consolida autoridade presidencial:: Rosângela Bittar

Dilma, a presidente, está mais à vontade no cargo este ano do que esteve em todo o ano passado, e seu avanço sobre o próprio governo foi possibilitado por dois fatos inesperados e circunstanciais que acabaram lhe dando maior autonomia: o afastamento temporário do ex-presidente Lula da cena política, por razões de doença, e o afastamento definitivo do ex-ministro Antonio Palocci, uma figura muito forte que acabava impondo seu ritmo e seu estilo no Palácio do Planalto.

Até pouco tempo antes de deixar a cena governamental, Lula já era ouvido mais nos assuntos da política e dos políticos do que de governo, e a sua volta, agora, depois de concluído o tratamento de saúde, já encontra uma outra dinâmica instalada. Não que deixará de ser o mais influente e importante dos mentores, mas inclusive pelo afastamento de vários ministros que havia imposto à sucessora, sua ascendência sobre o governo será naturalmente menor.

No que se pode definir como uma nova abordagem do comando, quase do tipo começar de novo, a presidente radicalizou: passou a fazer só o que quer, a desautorizar quem age em seu nome, a resistir a imposições e timings alheios. Por isso a frequência com que se ouve o dito pelo não dito, as esperas prolongadas no tempo para a tomada de decisões. Dilma vai fazendo ao seu modo, nomeando os seus próximos, restabelecendo a rede de confiança e mandando todo mundo se calar. Eles se calam.

Segundo comentários na aliança governista, onde também se vai desistindo de empurrar a ferro e fogo as demandas goela abaixo da presidente, do jeito que está montado o governo, agora, Dilma terá condições de chegar a julho de 2014, no início efetivo da campanha da reeleição ou da hipótese, menos provável, da eleição de um sucessor, "tendo o que dizer à população".
Além dos programas de promoção social e econômica, a agenda de governo da presidente Dilma está, com uma ou outra exceção - de que o exemplo mais citado é o programa Sem Fronteiras, de formação pós-graduada no exterior - voltada para a economia.

Nos discursos dos primeiros meses deste segundo ano Dilma tem reafirmado os problemas que se transformaram em objeto de sua obsessão, todos no trilátero da economia: juros, câmbio e impostos. O enfrentamento dos juros altos se dá às claras e, segundo um intérprete das intenções presidenciais, ela vai até o limite para não ver mais, no Brasil, lucros bancários de um bilhão por mês. Os bancos terão que trabalhar mais para ganhar a dinheirama com que estão acostumados, em resumo. Embora já se admita, depois do primeiro tranco, concessões para que resolvam os problemas que alegam na sua estrutura, não haverá abertura de guarda, será pressão integral. Quanto ao câmbio, o mundo se encarregou de sacudir, e os impostos, Dilma começa a tratar deles agora. A presidente quer não apenas reduzir a carga tributária, mas simplificá-la. Pretende começar negociando com Estados - por exemplo, a renegociação da dívida em troca de uma alíquota única de ICMS - é uma ideia.

O governo se vangloria de ter obtido, até agora, sucesso em 6 das 7 questões que discutiu com empresários em duas reuniões de grupo de representantes com a presidente. O único que não avançou, reconhece, foi o barateamento da energia, por isso escolhido para ser o seu próximo passo. A economia, para crescer, precisa de condições internas e externas, diz-se o axioma no Palácio do Planalto, e as internas serão construídas, como já estão.

Para realizar seu plano e poder chegar a julho de 2014 na situação ideal que deseja, a presidente acredita que não precisará de embates políticos radicais. Ao contrário, pretende evitá-los. Há dois conceitos muito lembrados nos gabinetes do governo. Um, é que "não somos a Argentina, trabalhamos em paz", e suas variações, como a que evita comparações entre Dilma e Cristina Kirchner.

Que ela irá brigar lá na frente com a oposição, não há dúvida, mas agora sua prioridade é governar. "Ninguém governa na guerra", é um dos preferidos lemas no Palácio do Planalto.

Nessa linha de raciocínio o governo gosta de exemplificar a partir da relação da presidente com os principais políticos da oposição, notadamente filiados ao PSDB. Recebeu os sábios do mundo, grupo de que faz parte o ex-presidente Fernando Henrique, para jantar no Palácio da Alvorada; trata o ex-presidente do partido adversário com educação, até com deferência; aprovou a entrega da relatoria da Comissão da Verdade no Senado, assunto delicado e seu grande interesse, ao senador do PSDB de São Paulo, Aloysio Nunes Ferreira; sua conversa com o governador Geraldo Alckmin, de São Paulo, flui. Enfim, um rosário de exemplos para provar que sua ação, toda, é intencional e formulada com esmero. Ou seja, Dilma também não é Lula.

Por isso, o desgosto com a CPI do Cachoeira, criada com o incentivo do ex-presidente para atender a demandas do PT e do PMDB (Renan Calheiros renasceu com o poder na comissão), além do ex-presidente Fernando Collor. Esse tipo de ocorrência, a CPI, pode levar, ao segundo ano de mandato, o risco que as demissões sucessivas de ministros levaram ao primeiro. Principalmente, o da paralisia do governo.

E o que cria mais tensão para Dilma, hoje, na CPI, é a já histórica ideia fixa, do PT e de Collor, de aproveitar a oportunidade para uma vingança e criminalizar o trabalho da imprensa. "A agenda do PT não é a agenda do governo", diz um interlocutor da presidente. O que se conta, em Brasília, é que a sanha tem dias contados: "Quem mandou começar já mandou parar com essa história da imprensa".

Mas embora não tenha levado adiante ainda o projeto de controle da mídia, deixado a este pelo governo anterior e atualmente revitalizado pelo PT no contexto da CPI, Dilma não o engavetou. Acredita que a lei em vigor é da era pré-Internet e é necessário uma atualização, mas não pode ser algo escrito com o fígado, logo depois da disputa eleitoral, eivada de idiossincrasias e de fissura por controle, como o texto em causa. O projeto será podado de tudo o que ferir a democracia para, um dia, ser lançado adiante. Não será no clima de desvios do foco da CPI do Cachoeira, muito menos num contexto de vinganças, que esse marco regulatório se realizará.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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