Negociador da Comissão da Verdade, o ex-ministro Nelson Jobim (Defesa) diz que um acordo previa a investigação de violações cometidas tanto pela ditadura como pela esquerda. Jobim afirma ter tratado do tema com Paulo Vannuchi, à época ministro da Secretaria de Direitos Humanos. Vannuchi nega o acordo: "Reajo com indignação".
Houve acordo para apurar esquerda, diz ex-ministro
Para Jobim, acerto para comissão previu investigação sobre luta armada
Ex-secretário de Direitos Humanos nega ter aceito condição proposta durante negociações da lei
Diógenes Campanha
SÃO PAULO - A Comissão da Verdade, que será instalada hoje, colocou em contradição dois ex-ministros que participaram das negociações para a criação do órgão.
A missão do grupo é investigar violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988 e seu foco inicial serão eventos ocorridos durante a ditadura militar (1964-1985).
O ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, que deixou o cargo em 2011, disse que o acordo que viabilizou a criação da comissão previa que ações da esquerda armada também seriam investigadas.
"Esse foi o objeto do acerto na época da redação do texto da lei [que criou a comissão]", disse à Folha.
Ele afirma que discutiu o tema com o então ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, Paulo Vannuchi, e que ficou acertado que seriam apuradas violações de direitos humanos "em todos os aspectos".
"A comissão não tem o objetivo de punir ninguém", afirmou Jobim. "É um levantamento da memória, então tem que ouvir todo mundo."
Vannuchi negou ter feito acordo com Jobim para que a comissão investigasse ações da esquerda também. "Reajo com indignação à declaração dele", disse. "Em 2010, eu chamava a ideia de bilateralidade sugerida por Jobim de monstrengo jurídico."
O projeto de lei que criou a comissão foi enviado pelo ex-presidente Lula ao Congresso em maio de 2010. A lei não é específica ao definir quem deve ser alvo das apurações.
Vannuchi afirma que o ex-colega de Esplanada queria agradar aos militares. Entre os integrantes das Forças Armadas havia o temor de que a comissão pudesse ser usada como instrumento de revanche pela esquerda.
O único acordo que Vannuchi admite ter feito é sobre o período a ser investigado. "Cedi na exigência dele de retroceder a 1946. A proposta inicial era que começasse em 1961." O Ministério da Defesa, comandado por Celso Amorim, não quis comentar as declarações de Jobim.
Nesta semana, integrantes da Comissão da Verdade também divergiram sobre qual deve ser o foco do órgão.
Na segunda, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias disse à Folha que devem ser apuradas violações cometidas pelos dois lados.
Anteontem, a advogada Rosa Maria Carneiro da Cunha, ex-defensora de presos políticos, entre eles a presidente Dilma Rousseff, afirmou que o órgão surgiu para investigar crimes praticados por agentes do Estado.
Após a cerimônia de instalação, no Planalto, Dilma oferecerá almoço aos ex-presidentes da República no Palácio da Alvorada.
Colaborou Kelly Matos
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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