terça-feira, 22 de maio de 2012

O inferno nunca sai da alma:: Clóvis Rossi

Impressões sobre uma visita à máquina de matar nazista construída em Auschwitz-Birkenau

CRACÓVIA - Uma placa no Museu Judaico de Cracóvia registra um diálogo imaginário entre mãe e filha em que a menina diz: "Mamãe, quando eles nos matarem, vai doer?". A mãe responde: "Não, queridíssima, não vai doer, vai levar só um minuto".

Comentário abaixo do diálogo: "Pode ter levado só um minuto, mas foi o suficiente para nos manter despertos até o fim dos tempos".

Profético. A dor pelo assassinato de 1,1 milhão de judeus, só no complexo Auschwitz-Birkenau, perto de Cracóvia, perdura até hoje na alma dos judeus, como deveria perdurar na alma da humanidade. Não foi um crime só contra os judeus, o que já seria intolerável, mas contra a condição humana.

Não apenas porque em Auschwitz-Birkenau morreram também entre 140 mil e 150 mil poloneses, 23 mil ciganos, 15 mil prisioneiros de guerra soviéticos e 25 mil pessoas de outras etnias. Mas principalmente porque uma máquina meticulosa de matar despojou da condição humana todas essas pessoas e milhões mais em outros pontos da Europa.
Quando a mãe e a menina do diálogo imaginário foram levadas para a câmara de gás de Birkenau, já estavam mortas. Elas, como todos os judeus trazidos de toda a Europa para os 30 km² que abrigavam o complexo de Auschwitz, já haviam perdido suas casas, seus trabalhos, seus objetos pessoais, suas posses, seus seres queridos, rigorosamente tudo o que possuíam.

"Quem perde tudo muitas vezes perde a si mesmo", escreveu Primo Levi, judeu italiano, prisioneiro de Auschwitz, um sobrevivente que é talvez o mais completo narrador dos horrores do campo.

Levi escreveu também que quem esteve em Auschwitz nunca conseguirá sair e quem não esteve nunca conseguirá entrar.

É tanto verdade que se suicidou em 1987, mais de 40 anos depois de deixar o inferno. Dele diria o Prêmio Nobel da Paz (1986) Elie Wiesel, outro sobrevivente de Auschwitz: "Primo Levi morreu em Auschwitz 40 anos depois".

De fato, eu confesso que, como parte de um grupo de jornalistas que o Congresso Judaico Latino-Americano trouxe para uma visita-aula aos locais emblemáticos do Holocausto na Polônia, saio com mil perguntas e quase nenhuma resposta.

Principal pergunta: por que construir uma indústria da morte se ela não servia para derrotar os Exércitos inimigos, se não servia para ocupar territórios? (a Polônia já fora ocupada no início da guerra, em 1939, antes portanto da entrada em operação da máquina de matar).

O que assusta, entre tantos horrores, é que permanece a tentação em muitas partes do mundo, mesmo na Europa, de eliminar o "outro", o supostamente diferente, seja judeu, cigano, hutu ou tutsi (em Ruanda), muçulmano.

Nada, é claro, teve, antes como depois do Holocausto, a dimensão do que se fez em Auschwitz e outros campos e guetos. Mas direitos humanos, direito à vida, não podem ser medidos por quilo.

Por isso, vale a frase do filósofo espanhol Jorge de Santayana y Borrás (mais conhecido como George Santayana), gravada na entrada do "Bloco 4" de Auschwitz: "Quem não relembra a História está condenado a vivê-la de novo".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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