Ao colocar policiais armados no interior das escolas o governo do Estado do Rio de Janeiro contradiz o próprio esforço que vem fazendo de melhorar a rede escolar estadual, atacando problemas crônicos como evasão e desinteresse por parte dos alunos, alto índice de reprovações e baixo rendimento acadêmico. No fundo, a decisão reflete a perigosa tendência – que não é só fluminense – de se tentar cuidar do desempenho escolar do aluno sem cuidar, ao mesmo tempo, da dimensão institucional da escola, que é fundamental para o seu trabalho propriamente educacional. Como se sabe, uma escola exclusivamente preocupada com a socialização e pouco competente no trabalho instrucional se afasta de sua missão, perdendo legitimidade institucional; mas também é verdade que uma escola que apenas pretende ensinar, e que descuida de seu ambiente, não realiza nem uma coisa nem outra.
O fato é que uma concepção instrumental da escola, pouco atenta ao seu ambiente institucional, não reconhece seu papel na chamada socialização secundária que, no caso de jovens de segmentos populares matriculados no ensino médio, é dramaticamente importante, já que felizmente eles não têm mais o ingresso precoce no mundo do trabalho como via principal de entrada na vida adulta.
Ora, não é difícil compreender que ao colocar a polícia na escola o governo agride frontalmente a autoridade escolar, substituindo pelo direito penal os mecanismos escolares de regulação, que têm nos professores, na direção, em seus conselhos internos, e mesmo no Conselho Tutelar, as instâncias próprias de sanção. Com isso, ao contrário do que o governo alega pretender, o efeito social inevitável dessa decisão é o de transformar alunos e professores em indivíduos potencialmente perigosos, e o ambiente escolar em uma extensão dos espaços da cidade potencialmente abertos à criminalidade. Assim, torna ainda mais frágil a confiança no interior do espaço escolar.
Por tudo isso, mais do que debater a pertinência da decisão do governo estadual, inaceitável sob qualquer critério, é preciso indagar sobre como chegamos a ela. Embora o governo não tenha explicitado plenamente as suas razões, uma boa pista paracompreendê-la é a de que ela conta com a adesão – mais velada do que explícita – de parcela importante da comunidade escolar. E isso é compreensível. Acuados, e sentindo-se impotentes diante da sensação de violência, professores, alunos e pais de muitas escolas acabam vendo na policialização do espaço escolar o único remédio para a angústia e sofrimento de um cotidiano que não raro tem sido de fato muito hostil e com graves indícios de insegurança.
Na verdade, essa reação de parcela da comunidade escolar é ela mesma sintoma da fragilidade institucional de uma escola que, entre outros aspectos, não conta com quadros intermediários em quantidade e qualidade compatíveis com a complexidade do ambiente escolar; e que parece ter perdido de vista que sua integridade física está umbilicalmente vinculada ao pleno desempenho de sua missão social e cultural.
Mas os que apoiam essa decisão talvez não estejam percebendo que ao admitir a polícia na escola estão aceitando um remédio que, no limite, só oferece como horizonte tornar a escola mais fraca, e mais dependente da proteção de uma autoridade externa a ela.
Portanto, se é verdade que a decisão extrema de colocar policiais (armados!) no interior da escola conta com o apoio de parte da comunidade escolar, é preciso entender por que sua voz não tem sido capaz de mobilizar segmentos mais amplos da sociedade civil para um debate sobre o quadro de penúria institucional em que a escola se encontra – no fundo o recurso à polícia é fruto desse silêncio; e por que o governo preferiu tomar uma medida que mais aprofunda do que resolve o problema da insegurança na escola, ao invés de implementar uma agenda de fortalecimento institucional, inclusive com o reforço do policiamento externo nas áreas consideradas mais críticas.
* Professor e Pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio e membro da coordenação do Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES-PUC-Rio).
FONTE: CEDES-PUC-Rio, julho 2012.
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