Se o governo Dilma tiver êxito e forem construídos 10 mil quilômetros de ferrovias, o Brasil voltará a ter os 38 mil quilômetros de malha que tinha em 1958. Nesse caso, o governo poderá parafrasear o lema mítico do país e dizer que em cinco anos refez o que foi desfeito em 50 anos. O modelo tem a virtude de alavancar ferrovias e o risco de testar o que nunca houve no mundo.
A estatização de toda a intermediação entre as concessionárias e seus clientes, através da empresa pública Valec, não existe em outro país do mundo, segundo a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF).
Há outro fruto da mesma jabuticabeira: o Brasil vai conviver com dois marcos regulatórios nos trens. Na malha privatizada no governo Fernando Henrique, a concessão termina em 2027 e os bens terão que reverter à União ou ter a concessão renovada. Por enquanto, estão sob regras diferentes das que vão vigorar no novo modelo.
É evidente o atraso do Brasil na área ferroviária. A privatização dos anos 1990 permitiu investimentos e modernização, mas a malha não foi ampliada. Por isso, o movimento do governo Dilma é uma excelente notícia.
- Queremos isso há duas décadas. O investimento privado este ano no setor será de R$ 5 bi, e o nosso dia a dia, eu lhe diria, sinceramente, é um inferno - disse Rodrigo Vilaça, presidente da ANTF.
Empresários e especialistas no setor estão com várias dúvidas sobre o novo modelo. A decisão de dar à Valec a função de comprar toda a oferta de transporte da nova malha ferroviária produz sentimentos mistos. Eles admitem que o modelo viabiliza os projetos porque elimina o principal risco do construtor de estradas de ferro. O prejuízo dos primeiros anos será estatizado. O que eles temem é mais um ente estatal num ambiente que já tem Estado demais.
- O setor de transportes tem que lidar com três agências reguladoras, diversas estatais em transporte, dois ministérios e uma secretaria com status de ministério. E ainda o Ministério do Transporte. Agora, a Valec terá novos poderes e será criada a Empresa de Planejamento Logístico. No setor ferroviário temos que lidar com nove agentes públicos para tratar dos ativos e passivos da antiga rede ferroviária. Na Transnordestina, temos 21 intervenientes - disse Vilaça.
O engenheiro João Guilherme Araújo, do Instituto Ilos de Logística e Supply Chain, teme também o estatismo do modelo.
- A presidente falou de encurtamento econômico, temos que ter o encurtamento burocrático. O setor privado quer simplicidade, rapidez, menos atores governamentais - afirmou.
Ele conta que gostou imensamente de ouvir a palavra logística usada na cerimônia e de a nova empresa ter "logística" no nome:
- O Brasil precisa de visão integrada e explorar os vários modais. A cabotagem, por exemplo, é pouco usada para quem tem uma costa grande e a população concentrada no litoral.
João Guilherme Araújo acha que os valores precisam ser bem dimensionados. O número R$ 133 bilhões parece muito, mas é pequeno para o tamanho das necessidades brasileiras:
- Em cinco anos serão em torno de R$ 80 bi, isso dá R$ 16 bi por ano, o que é 0,4% do PIB. Em 1975, o Brasil investiu 1,8% do PIB só em transporte.
O professor Pedro Cavalcanti Ferreira, da FGV, estudioso de infraestrutura, tem a mesma visão:
- Comparado com o que o Brasil investiu em infraestrutura nos anos 70, e até nos anos 80, que foram de crise, é muito pouco.
O passo é na direção certa. Dos países grandes, o Brasil é o que tem a menor rede ferroviária.
FONTE: O GLOBO
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