Nunca antes na História deste país aconteceu o que se registrou nesta
eleição municipal de domingo: um protagonista absoluto que nem sequer foi
candidato e saiu das urnas como o grande vencedor. Mas pode vir a ser o maior
perdedor, a depender do que ocorrer em São Paulo daqui a três domingos, no
segundo turno. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu o que
muitos, inclusive de sua grei, consideravam impossível: levou aos trambolhões o
jejuno ex-ministro da Educação Fernando Haddad à disputa final contra o
conhecido e experiente adversário tucano, José Serra. Se Haddad ganhar em 28 de
outubro, a oposição será desalojada de seu penúltimo bastião de poder
relevante, a Prefeitura de São Paulo, o que pode dificultar a reeleição de
Geraldo Alckmin para o governo do Estado em 2014. Se perder, será retirado de
Lula o condão de fazedor de reis.
Do êxito da "tucanada" desunida dependerá o futuro imediato do
outro grande vencedor do primeiro turno dos pleitos municipais: o neto de
Miguel Arrais, governador de Pernambuco e presidente nacional do Partido
Socialista Brasileiro (PSB), Eduardo Campos, aliado federal de Lula e seu
desafeto vitorioso em duas praças importantes. Pois o triunfo do petista em São
Paulo poderá tirar das costas do padim Ciço de Caetés o peso representado pelos
erros sesquipedais que ele e seus seguidores cometeram no Recife e em Belo
Horizonte por soberba e ignorância. O que o eleitor paulistano decidirá é um
mistério incapaz de ser constatado pelos institutos de pesquisa, conforme foi
revelado na disputa deste domingo. Nunca antes houve divórcio tão grande entre
pesquisas de intenção espontânea e por indução quanto na reta final da semana
passada em São Paulo: dos eleitores entrevistados, quase 40% não tinham um nome
para enunciar e terminaram queimando a língua das pesquisas. Os números
recordistas de abstenção e de votos nulos e em branco superaram o total dos
dados a Serra. Somados aí os votos dos candidatos retirados do pleito, os dois
ponteiros tiveram 1,3 milhão de sufrágios menos.
Serra ficou com o tradicional terço do reduto do Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB), assim como Haddad se aproximou do terço do Partido dos
Trabalhadores (PT), restando-lhes agora a árdua missão de convencer mais da
metade do maior eleitorado municipal brasileiro a desalojar o adversário do
posto cobiçado. Sim, porque mais do que nunca em São Paulo será escolhido o
menos rejeitado, restando ao vencedor a glória do poder e também a tarefa de
descascar as batatas que lhe cabem de tal forma a superar a barreira óbvia da
desaprovação aos estilos de gestão e política adotados recentemente pelo
partido no governo e pelo principal polo de oposição na União, nos Estados e
municípios.
Numa óbvia demonstração de que o que lhe sobra em sorte falta em juízo e
conhecimento de causa sobre o Estado onde nasceu, Lula patrocinou uma bobagem
sem tamanho que jogou por terra anos de boa gestão administrativa e proveitosa
parceria com o governador na prefeitura do Recife. O bem avaliado prefeito João
da Costa ganhou a convenção do PT e foi impedido de disputar o cargo por uma
intervenção brutal e pouco astuta dos dirigentes nacionais de seu partido. Do
topo do recorde de preferência no Estado, o governador pernambucano simpatizava
com a candidatura do deputado Maurício Rands, também retirada da disputa por
decisão vinda do alto. Rands saiu do PT e Campos partiu para voo solo tirando
do bolso do colete um candidato ainda mais jejuno do que Haddad em São Paulo,
seu ex-secretário de Planejamento Geraldo Julio. Este venceu no primeiro turno
e tudo indica que o aliado socialista livrou o PT de uma evidência vexaminosa:
o candidato imposto por Lula, o ex-ministro Humberto Costa, também foi superado
pelo poste tucano Daniel Coelho. O terceiro lugar do petista reafirmou a
rebeldia do Recife, que o presidente nacional petista, Rui Falcão, cobrará do
diretório municipal. Uau!
A vitória dos aliados PSB em Belo Horizonte e Partido Democrático
Trabalhista (PDT) em Porto Alegre logo no primeiro turno ocultou uma
constatação exata do tamanho dos desastres petistas em praças que dominava sem
sustos na companhia de aliados. Adão Villaverde foi o primeiro candidato do
partido da presidente Dilma Rousseff, que votou não se sabe em quem na capital
gaúcha, a não disputar o turno decisivo do pleito. Mas este não haverá e, por
isso, o fato histórico pode passar ao largo. Em Belo Horizonte a disputa dual
não levaria a segundo turno mesmo, mas a presidente quis se aproveitar da
condição de mineira para tirar da frente um tucano forte para enfrentá-la na
eleição, Aécio Neves, que apoiava, juntamente com o PT, o prefeito Marcio
Lacerda. Com gestão aprovada e a força tucana no Estado, o candidato do partido
de Campos, e mais uma vez Campos, não tomou conhecimento do favorito da
chefona, Patrus Ananias. Também é o caso de Lula e Dilma comemorarem a óbvia
transformação da campanha em carne de vaca em 28 de outubro, quando os olhos da
Nação só estarão voltados para São Paulo.
Eleições municipais não costumam alterar o panorama das estaduais e da
federal, de dois anos depois. A trágica realidade da oposição, et pour cause da
democracia no Brasil, é que, mesmo quando perdeu, o PT foi vencido por aliados.
Principalmente Campos. E o PDT, ao qual não faz muito tempo a presidente era
filiada. A maior vitória oposicionista foi do governista Marcio Lacerda. Resta
Serra, que enfrentará uma rejeição monumental, a avaliação negativa do aliado
Kassab e a invejosa indiferença dos companheiros de partido para garantir um
local de onde alguma dissidência possa levantar a voz contra o aniquilante
poder das bancadas de apoio ao governo federal. Se Serra vencer, os tucanos
ficarão na trincheira, no aguardo do embate de daqui a dois anos pelo maior
Estado da Federação. Se Haddad vencer, Dilma só poderá ser derrotada pela
economia e Campos esperará a vez chegar à sombra e água fresca do poder.
Jornalista, escritor, é editorialista do Jornal da Tarde
Fonte: O Estado de S. Paulo
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