domingo, 7 de outubro de 2012

O caminho do voto - Míriam Leitão


Tudo é intenso no enredo vivido pelo país. Na semana que desembocou nas eleições de hoje, uma pessoa emblemática do mais popular governo da República ouviu duras acusações, uma enfática defesa e vislumbrou a condenação na mais alta corte. O julgamento terminou a semana tenso e inconcluso. Mesmo assim, é incerto o impacto de tudo isso na escolha municipal.

O efeito mais importante da já histórica Ação Penal 470 não será em eleições municipais, mas sim na estrutura institucional do país. O cientista político Jairo Nicolau, que acaba de lançar o livro "Eleições no Brasil. Do Império aos dias atuais", avalia que as eleições municipais têm uma agenda muito própria e que o efeito de temas nacionais nas escolhas locais ocorrem apenas em alguns municípios. Em São Paulo, ele acha que pode haver algum impacto:

- Esta será a oitava eleição geral para prefeito e vereador desde 1988, ano da Constituição democrática. São 5.664 cidades escolhendo prefeito e mais de 50 mil cadeiras de vereador. Eleição já virou rotina, e o eleitor sabe que tem que escolher o que é melhor para a sua cidade. Os temas nacionais continuam sendo importantes, mas essa escolha tem outra lógica.

Jairo Nicolau também não acredita que 2012 seja uma prévia de 2014:

- No Rio, PMDB e PT estão juntos, mas dentro de dois anos podem se enfrentar no governo do estado. PT e PSB estão com rugas mas podem se coligar em dois anos. O PRB é fenômeno restrito a São Paulo e o desempenho de Russomanno terá pouco efeito na vereança. O PMDB continuará sendo o partido com mais municípios, mas perderá espaço. É interessante ver se o PT continuará indo para o interior.

Em algumas cidades, os eleitores estão dando sinais de cansaço em relação aos partidos políticos tradicionais e, em outras, estão repetindo o padrão de tomar decisões nas eleições municipais por razões locais.

O eleitor paulistano deu um recado forte nas intenções de voto neste primeiro turno. Avisou aos tucanos que descessem do salto alto e aos petistas que Lula não é Deus, ao contrário do que afirmou a ministra da Cultura, Marta Suplicy. A decisão final ficará para o segundo turno, mas ninguém está garantido de véspera. É a eleição mais embolada e mais emocionante.

O impacto mais importante do julgamento do mensalão no ambiente político será o de quebrar a certeza da impunidade que incentivou, nos últimos anos, as mais ultrajantes práticas políticas.

O julgamento não será uma maravilha curativa. Em Parauapebas, no Pará, a imagem do dinheiro apreendido para ser usado na campanha não deixa dúvidas de que a prática da propina continua. Mas no STF ocorre a mais vigorosa resposta das instituições brasileiras à deterioração dos costumes políticos. Como todo processo de avanço institucional, este será gradual. A boa notícia é que o primeiro passo está sendo dado agora.

Ninguém individualmente tem o monopólio da virtude, mas certos votos no STF servem como aulas de como as autoridades do executivo devem entender o privilégio de representar o eleitorado ou ocupar postos de comando do governo.

Democracia vai além do direito do voto, mas ele é o passo inicial de qualquer projeto civilizado de organização de governo. No Brasil da minha juventude nem os prefeitos das grandes cidades podiam ser escolhidos pelo voto direto. O governo central decidia por nós. Frequentemente, contra nós. Que todo o intenso enredo recente da política brasileira sirva para melhorar a qualidade da democracia, jamais reduzir a confiança no caminho do voto.

Fonte: O Globo 

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