Tudo é intenso no enredo vivido pelo país. Na semana que desembocou nas
eleições de hoje, uma pessoa emblemática do mais popular governo da República ouviu
duras acusações, uma enfática defesa e vislumbrou a condenação na mais alta
corte. O julgamento terminou a semana tenso e inconcluso. Mesmo assim, é
incerto o impacto de tudo isso na escolha municipal.
O efeito mais importante da já histórica Ação Penal 470 não será em eleições
municipais, mas sim na estrutura institucional do país. O cientista político
Jairo Nicolau, que acaba de lançar o livro "Eleições no Brasil. Do Império
aos dias atuais", avalia que as eleições municipais têm uma agenda muito
própria e que o efeito de temas nacionais nas escolhas locais ocorrem apenas em
alguns municípios. Em São Paulo, ele acha que pode haver algum impacto:
- Esta será a oitava eleição geral para prefeito e vereador desde 1988, ano
da Constituição democrática. São 5.664 cidades escolhendo prefeito e mais de 50
mil cadeiras de vereador. Eleição já virou rotina, e o eleitor sabe que tem que
escolher o que é melhor para a sua cidade. Os temas nacionais continuam sendo importantes,
mas essa escolha tem outra lógica.
Jairo Nicolau também não acredita que 2012 seja uma prévia de 2014:
- No Rio, PMDB e PT estão juntos, mas dentro de dois anos podem se enfrentar
no governo do estado. PT e PSB estão com rugas mas podem se coligar em dois
anos. O PRB é fenômeno restrito a São Paulo e o desempenho de Russomanno terá
pouco efeito na vereança. O PMDB continuará sendo o partido com mais
municípios, mas perderá espaço. É interessante ver se o PT continuará indo para
o interior.
Em algumas cidades, os eleitores estão dando sinais de cansaço em relação
aos partidos políticos tradicionais e, em outras, estão repetindo o padrão de
tomar decisões nas eleições municipais por razões locais.
O eleitor paulistano deu um recado forte nas intenções de voto neste
primeiro turno. Avisou aos tucanos que descessem do salto alto e aos petistas
que Lula não é Deus, ao contrário do que afirmou a ministra da Cultura, Marta
Suplicy. A decisão final ficará para o segundo turno, mas ninguém está garantido
de véspera. É a eleição mais embolada e mais emocionante.
O impacto mais importante do julgamento do mensalão no ambiente político
será o de quebrar a certeza da impunidade que incentivou, nos últimos anos, as
mais ultrajantes práticas políticas.
O julgamento não será uma maravilha curativa. Em Parauapebas, no Pará, a
imagem do dinheiro apreendido para ser usado na campanha não deixa dúvidas de
que a prática da propina continua. Mas no STF ocorre a mais vigorosa resposta
das instituições brasileiras à deterioração dos costumes políticos. Como todo
processo de avanço institucional, este será gradual. A boa notícia é que o
primeiro passo está sendo dado agora.
Ninguém individualmente tem o monopólio da virtude, mas certos votos no STF
servem como aulas de como as autoridades do executivo devem entender o
privilégio de representar o eleitorado ou ocupar postos de comando do governo.
Democracia vai além do direito do voto, mas ele é o passo inicial de
qualquer projeto civilizado de organização de governo. No Brasil da minha
juventude nem os prefeitos das grandes cidades podiam ser escolhidos pelo voto
direto. O governo central decidia por nós. Frequentemente, contra nós. Que todo
o intenso enredo recente da política brasileira sirva para melhorar a qualidade
da democracia, jamais reduzir a confiança no caminho do voto.
Fonte: O Globo
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