Dilma fez pouco pelos aliados no primeiro
turno. Para reeleger-se, precisará deles. Terá que se expor mais no segundo
turno
Eleição e mensalão
Hoje tem eleição, festa da democracia, diz o lugar-comum. Democracia que no
Brasil costumamos esquecer, é ainda menininha. Diante de todas as boas coisas
da vida, agimos assim, como se elas tivessem sempre existido e fossem naturais.
Só nos damos conta de sua fragilidade e importância no solavanco da perda.
Cerca de 138 milhões de brasileiros vão hoje às urnas escolher prefeitos e
vereadores. Parece uma rotina quadrienal antiga, mas é apenas a oitava eleição
municipal após o fim da ditadura. E a sexta em plena vigência do Estado
democrático de direito, ou seja, depois da promulgação da Constituição, que
anteontem fez 24 anos.
Esta é uma eleição que acontece sob estranhos e preocupantes presságios. Não
é coincidência que a Suprema Corte tenha chegado à véspera do pleito julgando
figuras políticas do PT que atuaram na luta pela democracia. O sinal é ruim não
pelos efeitos eleitorais que possa ter, mas porque subordina os ritos da
Justiça aos cálculos políticos, por insondáveis que sejam.
A sessão de quinta-feira deixou claro que o ex-ministro José Dirceu e o
ex-presidente do PT José Genoino serão condenados pela maioria a penas que
devem levá-los de novo à prisão, que já experimentaram na luta contra a
ditadura. Ponderações do ministro revisor, Ricardo Lewandowski, sobre a falta
de provas objetivas arrancaram manifestações de escárnio de outros ministros. A
ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber votou pela condenação com
assombrosa ligeireza para a gravidade do assunto – a liberdade das pessoas –,
pedindo licença porque precisava ir para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em seu voto de condenação, diz o professor Luiz Moreira, indicado para o
Conselho Nacional do Ministério Publico, o relator Joaquim Barbosa inverteu o
ônus da prova e da presunção de inocência. "Uma das garantias mais elementares
dos cidadãos ante o Estado é o princípio segundo o qual a prova cabe a quem
acusa." No caso, ao Ministério Público. Mais de uma vez, de fato, o
relator afirmou que a defesa "não logrou" demonstrar infundada a
acusação. "Produzir prova de inocência é apenas um recurso, uma faculdade
da defesa, não uma exigência que se impõe ao cidadão acusado", diz
Moreira, concluindo que o método do relator "não se coaduna com a
Constituição democrática do Brasil. Ela limita o poder do Estado fundamentalmente
em duas searas: no direito penal e no direito tributário, buscando preservar
assim a liberdade e a propriedade", valores fundamentais na democracia.
Eleição e financiamento
O julgamento do mensalão rima mesmo com eleição. Tudo se relaciona com o
financiamento de campanhas e da atividade política. Tal financiamento não acaba
na entressafra eleitoral, como acha o ministro do STF Ayres Britto. No debate
do Rio, o prefeito Eduardo Paes (PMDB), acusado de doar R$ 1 milhão para um
partido aliado, admitiu que a mesma doação foi feita para 18 partidos de sua
coligação. O crime do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares foi buscar os recursos
para esse compartilhamento financeiro inescapável num esquema ilícito, operado
pelo empresário Marcos Valério. Em artigo na Folha de S. Paulo de anteontem, o
ex-secretário geral da ONU Kofi Annan defendeu a regulação global de doações e
despesas de campanha, tão grave tem se tornado o problema em todos os países.
As eleições e a atividade política têm custos cada vez mais elevados, exigindo financiamento
cada vez mais complexo, colocando em risco a democracia, diz ele. Se a
disposição do Ministério Público e do STF para enquadrar a cultura política não
se extinguir com a Ação Penal 470, outros julgamentos virão. E o Congresso, se
quiser resgatar a política, que trate logo de reformar o sistema político,
especialmente nesse capítulo.
Eleição e poder
O PT, partido hegemônico há 10 anos, enfrenta a eleição de hoje no banco dos
réus e com Lula fora da Presidência. Largou muito mal, mas chega à reta final
reagindo em alguns estados. O bloco que forma com os aliados, PMDB à frente,
deve recolher o maior quinhão de votos e prefeituras, como é natural, pela
amplitude da coalizão. A oposição viu no pleito de hoje, por essas e outras
circunstâncias, incluindo a retração da economia, sua grande chance de virada.
Colherá alguns trunfos, mas talvez não a vitória retumbante que esperava. Se
ganhar em Belo Horizonte com o candidato do PSB, Marcio Lacerda, o senador
Aécio Neves (PSDB) terá alargado seu caminho para disputar a Presidência em
2014. Pelo menos dentro de seu partido, terá se tornado inconteste. José Serra
(PSDB-SP), se vencedor, não poderá deixar a prefeitura para se candidatar. Se
derrotado, estará fora mesmo. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos,
presidente do PSB, será certamente um dos vitoriosos. A médio prazo, escolherá
entre permanecer no bloco liderado pelo PT ou trilhar caminho próprio. A
presidente Dilma Rousseff fez pouco pelos aliados no primeiro turno. Para
reeleger-se, precisará deles. Terá que se expor mais no segundo turno.
Fonte: Correio Braziliense
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