Terminado o primeiro turno, a hora é de cálculos, análises e ponderações. O
que disseram os resultados em termos políticos? Ganhou quem mereceu, quem
melhor interpretou o sentimento das ruas ou quem teve mais estrutura de
campanha? O que se pode esperar dos debates que ocorrerão nas cidades em que
haverá segundo turno?
Olhando o País em conjunto, entre mortos e feridos sobreviveram todos.
Ainda que tenha perdido no Recife, em Manaus e Belo Horizonte, cidades onde houve
alto investimento político de Lula, e se saído mal nas capitais, o PT não foi
afetado pelo julgamento do mensalão, nem pelo “cansaço” do eleitor com os
longos anos de domínio do partido. Cresceu em prefeituras e em número de
vereadores. Deixou evidente que sensibiliza parte grande da população. O efeito
que as políticas federais tiveram nas eleições não foi desprezível. Lula pode
até perder em São Paulo que não se enfraquecerá.
O PSB soube usar bem sua condição atual, equilibrando-se entre os apoios do
governo federal e a independência de atuação. Ganhou onde já era poder (Recife
e Belo Horizonte), mas o fez em grande estilo. E aumentou seu poder de barganha
dentro e fora da coligação governante. O PSD, de sua parte, saiu-se bem para um
novato sem crédito na praça. Ficou com Serra em São Paulo, mas flertou com o
governo no restante do País. O PMDB reiterou sua tradicional capacidade de
colar em todo o território nacional. Não emocionou nem retrocedeu demais.
O PSDB permaneceu como a única referência oposicionista do País, mas mostrou
que tem voz fraca e poder de fogo apenas relativo. O resto da chamada oposição
diluiu-se e perdeu o rumo.
Ficou claro que a sociedade quer mais dos políticos e começa a exibir sinais
de que não se sente confortável com as respostas atuais. A votação obtida i
pelo PSOL no Rio é um bom indicador, pela capacidade que teve de dar voz a um
plural e expressivo universo de gente interessada em alguma inovação
progressista. Houve muita renovação nas Câmaras Municipais. Pelas redes sociais
correu solta a reclamação contra o estilo tradicional de fazer campanha.
Outro indicador importante, que terá de ser cuidadosamente avaliado, é o
número de eleitores que faltaram as umas, anularam o voto ou votaram em branco.
De acordo com o TSE, foram j 25% do eleitorado. Na cidade de j São Paulo, três
em cada dez elei- j tores não votaram em nenhum | candidato para prefeito. Para
vereador a soma de brancos, nulos e abstenções chegou a 37,2%. É uma forma de
alienação, mas é também uma forma de protesto, de indiferença, de cansaço com
os políticos.
No caso mais tenso e discutido, o de São Paulo, o resultado foi excelente
para a democracia, mas as torcidas eleitorais não gostaram. Tucanos e petistas
gostariam de ter ido para o segundo turno com Russomanno, mais fácil de
derrotar. Tiveram de engolir uns aos outros. Algum “sangue” rolará entre eles,
porque a temperatura política subiu e há muito combustível acumulado. Mas os
candidatos poderão caprichar no essencial: oferecer uma visão de cidade a
partir da qual pedir votos.
Têm tudo para fazer isso. Os dois são os que melhor representam a cidade.
Têm enraizamento institucional, conhecimentos agregados, capacidade de gestão e
estrutura de campanha. Em termos pessoais, são preparados, falam bem, sabem
como discutir e debater democraticamente. Por que não protagonizarão um bom
debate público? Cada um deles tem seus fardos. Serra terá de se livrar da má
avaliação de Kassab e do peso de sua longa trajetória política, que sugere
continuísmo. E Haddad terá de se desgarrar do apadrinhamento excessivo de Lula,
que lhe dá uma imagem de subalterno, e de Maluf, que lhe prega um carimbo de
cinismo oportunista.
Haddad parte em vantagem, dadas a rejeição a Serra e a expectativa de
mudança existente na cidade. Mas a flutuação do eleitor deverá ser a regra até
o fim.
Serão três semanas que prometem. Com uma dose indesejável de sangue, mas
também com chances de qualificação da democracia. As exigências da vida poderão
pautar os candidatos. Quem tiver mais virtù republicana e sensibilidade social
vencerá.
Se Serra ficar amarrado ao discurso da moralidade e insistir em vincular
Haddad ao mensalão, sem dizer nada de substantivo sobre a vida paulistana, não
sairá do lugar e correrá o risco de perder a eleição. Se Haddad persistir em
associar os tucanos à elite, agitar o fantasma de que há uma “conspiração dos
ricos” contra ele e se mantiver no horizonte de que é o candidato dos pobres,
de Lula e Dilma, sem dizer nada de consistente sobre a cidade, girará em
círculos e crescerá bem menos do que imagina.
Ambos terão de falar sobre a cidade, a vida coletiva, os problemas e dilemas
urbanos, as possibilidades e expectativas da metrópole. Mas terão de falar com
poesia, clareza e convicção, sem ficar limitados ao discurso do “plano de governo”,
das obras e realizações em que ninguém acredita. Terão de romper com o
tatibitate da mesmice e da retórica insossa de promessas e acusações.
Pelo que representam na História do País, PSDB e PT podem oferecer aos
paulistanos bem mais do que essa baboseira de botequim que afugenta e provoca
tédio, em vez de engajamento e entusiasmo. Do lado tucano, ela supõe que o
eleitorado acredita ser Serra o guardião da moralidade, o que é uma insensatez,
até porque o eleitor acha que todos os políticos são suspeitos nesse quesito.
Já a baboseira petista sobrevaloriza o papel de Lula, que em São Paulo nunca
foi particularmente forte, e faz isso num quadro em que o apoio de Lula e Dilma
já rendeu o que poderia render.
A única saída politicamente viável que os candidatos têm passa pela
qualificação do debate entre eles e da comunicação com a sociedade. Se souberem
caminhar nessa direção, um deles perderá, mas todos ganharão.
Professor titular de Teoria Política e Diretor do Instituto de Políticas Públicas
e Relações Internacionais da UNESP
Fonte: O Estado de S. Paulo
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