Logo após ser condenado, José Dirceu entrou de mansinho em cena na reunião
do diretório nacional do PT. Aconselhou os companheiros a deixar de lado, por
enquanto, o julgamento do mensalão e concentrar seus afazeres na eleição,
notadamente em São Paulo.
Tanta amenidade causou certo estranhamento. Não houve a esperada ordem à
reação aguerrida contra as sentenças nem um chamamento a ataques ao
"tribunal de exceção", como levavam a crer declarações de
simpatizantes e militantes desde que se desenhou a condenação.
Dirceu limitou-se a fazer dois discretos discursos orientando o partido a adiar
quaisquer atos de contra-ataque até a conclusão das eleições municipais.
"Agora o que interessa é o segundo turno, vamos às ruas, à luta",
conclamou.
Nada há de estranho na atitude que, antes, revela destreza e estratégia.
Dirceu percebe que o PT corre o risco de afugentar o eleitorado se
hostilizar o Supremo Tribunal Federal nesse momento. Se contestar com
virulência, desconfiança e desqualificação uma instituição que vem sendo
celebrada como instrumento de redenção à ancestral impunidade e lançar suspeitas
sobre ministros tratados nas ruas como heróis, flertará com o perigo de
despertar sentimentos fortes de antipetismo adormecido.
Pode levar o eleitor a perceber o PT como aquele anterior à Carta aos
Brasileiros que, com suas posições agressivas, radicais e sectárias, perdeu
três eleições presidenciais.
Duas medidas. Quando começar o julgamento do processo em que o tucano Eduardo Azeredo
figura como beneficiário de esquema de financiamento ilegal de campanha, haverá
gritaria e confusão.
O Supremo Tribunal Federal será cobrado por mercadoria que não pode
entregar: isonomia total em relação ao julgamento de agora.
Há o traço base de união entre os dois casos: Marcos Valério Fernandes de
Souza no papel de operador de arrecadações públicas e privadas em troca de
trânsito livre ao tráfico de influência.
Valério fez primeiro para Eduardo Azeredo na tentativa frustrada da
reeleição ao governo de Minas, em 1998. Eleição perdida, os ilícitos ficaram
restritos à campanha.
Talvez se tivesse vencido Valério usasse as mesmas companhias para implantar
em Minas e que viria a executar sete anos depois no plano federal.
Com a derrota, não se materializou esquema de compra de apoio parlamentar ao
Executivo nem foram gerados os conflitos que em 2005 levariam Roberto Jefferson
a quebrar a lei da Omertà e denunciar a existência da organização ora condenada
como criminosa.
Quando se reclama da demora no julgamento do "mensalão mineiro"
não se leva em conta que só foi descoberto muito depois, já no meio do escândalo
capitaneado pelo PT.
A despeito das diferenças, quando o caso for julgado os tucanos não correrão
o risco de ir para a cadeia, mas não escaparão de responder pela proteção dada
a Azeredo, na época da descoberta senador e presidente do PSDB.
Outra freguesia. A proposta do prefeito do Rio, Eduardo Paes, de fazer do governador Sérgio
Cabral candidato a vice na chapa pela reeleição de Dilma Rousseff, só prospera
em duas hipóteses: se Cabral sair do PMDB ou se alterar completamente a
correlação de forças internas.
Caso a vaga continue com o partido, só será entregue a alguém tido como
correligionário de raiz. O governador do Rio é visto como produto de "uma
circunstância".
Nessa condição Cabral não teria compromisso com os interesses do partido
quando (e se) sentado na cadeira de vice-presidente.
Considerando que Eduardo Paes conhece perfeitamente essa realidade e que não
falou por falar, alguma motivação mais elaborada por trás desse
"lançamento" deve haver.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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