O julgamento do mensalão certamente não vai acabar com a corrupção no país,
mas é o ponto alto de um processo de combate às malfeitorias, como gosta de dizer
a presidente Dilma Rousseff, que teve início com a redemocratização do país.
Dizer que foi um julgamento político não desqualifica as sentenças
proferidas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. As leis são resultado
da mediação política da vida em sociedade. Danoso seria um julgamento
partidário.
A presidente Dilma tem razão quando diz que ninguém neste mundo de Deus está
acima "de erros e das paixões humanas". Declaração feita na Espanha
talvez para acalmar o ânimo militante. A dor do mensalão era uma dor que o PT
precisava sentir. Pena que não esteja sendo corretamente interpretada pelo
partido.
Mensalão é marco no combate à impunidade no país
Nesse período de 27 anos de democracia, o mais longo já vivido pelo país, a
intolerância com a impunidade ganhou corpo à medida que se formou uma oposição
forte no Congresso (tendo o PT como protagonista importante), a sociedade civil
se organizou e a liberdade de imprensa foi consolidada.
O impeachment de Fernando Collor foi a primeira reação organizada, nesse
período, da insatisfação civil com a corrupção e a impunidade. Na sequência, a
CPI dos Anões do Orçamento investigou 18 deputados e senadores. Ao final, seis
foram cassados, oito renunciaram e outros quatro foram absolvidos.
Pode ser que num caso ou outro os erros e as paixões humanas tenham
prevalecido. Fernando Collor e Ibsen Pinheiro foram punidos no Congresso e
absolvidos no Judiciário.
Apesar do corporativismo imemorável, mais difícil é identificar, neste
período, o momento em que a Câmara perdeu a vergonha e passou a fazer às claras
o que antes tratava na penumbra. O paroxismo dessa situação é a CPI do
Cachoeira, um acordão feito à luz do dia.
Se há avanços, há também retrocessos. É o que mostra a CPI do Cachoeira, o
exemplo mais flagrante da esterilização das comissões de inquérito do Congresso
e de como elas podem ser manipuladas por eventuais maiorias para emparedar a
minoria.
O penúltimo capítulo da desmoralização das CPIs deve ser encenado hoje com a
divulgação do relatório da "investigação" feita sobre as relações do
contraventor com agentes públicos.
O requerimento para a criação da comissão bateu recorde de assinaturas de
deputados e senadores, mas nunca interessou a ninguém a não ser o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, ao PT e aos mensaleiros em particular.
Sob o objetivo de investigar o contraventor Cachoeira, na prática a CPI
tentou constranger o procurador-geral da República e disputar o noticiário com
o julgamento do mensalão. Não conseguiu nenhuma das duas coisas. Concretamente,
o ex-senador Demóstenes Torres perdeu o mandato e seus amigos tucanos de Goiás
ficaram emparedados politicamente. Mas para isso não precisava de CPI. O
inquérito da PF já contava tudo.
Pior ainda: a CPI empacou quando surgiram as pegadas da construtora Delta em
programas do governo federal e fortes indícios de perigosas relações da empresa
com governantes de todos os partidos. Alguns deles amigos do rei, como Sérgio
Cabral (PMDB), do Rio de Janeiro, ou integrantes do PT, como Agnelo Queiróz
(DF).
Outra CPI que poderia ir longe mas acabou em soma zero foi a da Evasão de
Divisas, mais conhecida como CPI do Banestado. Era presidida por um tucano,
tinha um vice do antigo PFL e relator dom PT. Não havia risco de dar certo.
Restou um projeto do deputado José Mentor (PT-SP) para anistiar e permitir a
repatriação de recursos ilegalmente remetidos ao exterior.
Nesse jogo de avanços e retrocessos, alguns banqueiros engravatados passaram
pelo xilindró. Salvatore Cacciola, do banco Marka, por crimes contra o sistema
financeiro, e Daniel Dantas, numa ação tão desastrada da PF que não teve como
ser sustentada pela Justiça. Agora, pelo andar da carruagem, pode chegar a vez
da "simples bailarina" do Rural, banco que já estrelou outros
escândalos.
Por outro lado, também deu em nada a CPI dos Cartões Corporativos. Apenas
serviu para encorpar a folha corrida que levou à demissão da ex-ministra
Erenice Guerra, sucessora de Dilma Rousseff na Casa Civil da Presidência.
Nesses 27 anos também um desembargador (Nicolau dos Santos Neto) foi
obrigado a dormir na cadeia, um senador algemado a caminho da prisão (Jader
Barbalho), sem falar de outro ex-senador, Luiz Estevão (PMDB), cúmplice de
Nicolau no desvio de verbas para a construção do TRT de São Paulo.
Em 2010, o então governador de Brasília, José Roberto Arruda entregou-se à
polícia, depois de ter sua prisão preventiva decretada pelo Superior Tribunal
de Justiça. Ficou preso por um bom período, quando a aposta em seu staff era
que ele logo seria beneficiado por um habeas corpus, como era a prática dos
costumes políticos.
Já ali o Supremo enviava o sinal de que alguma coisa estava mudando. Parece
não ter sido ouvido pelos réus do mensalão e seus advogados, sempre
transmitindo a impressão de que não havia provas suficientes para condenar a
clientela.
Nunca é demais lembrar do antes inatingível Paulo Maluf (PP-SP), cujas
práticas levaram a população a criar o verbo "malufar", foi condenado
pela Justiça da Ilha de Jersey a devolver US$ 22 milhões para a Prefeitura de
São Paulo. Maluf, hoje aliado do PT, também andou dormindo na cadeia.
Bem ou mal, o país tem avançado no combate à corrupção. O julgamento do
mensalão é um marco. Certamente não significa o fim da corrupção, mas
estabelece um perímetro no qual as outras instâncias do Judiciário poderão
atuar no combate à impunidade. O medo da cana - especial ou não - é o melhor
remédio. Pena que o Congresso se rendeu ao corporativismo, como demonstrou
especialmente a Câmara dos Deputados ao absolver os réus do mensalão que o STF
achou por bem condenar. O avanço da corrupção se dá nas brechas da impunidade.
Fonte: Valor Econômico
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