Expectativa
de advogados é de que o Supremo reveja a dosimetria das penas. Eles alegam que,
em muitos casos, a punição é mais rigorosa do que a aplicada a assassinos.
Debate
sobre as penas
STF reavaliará as punições e advogados
acreditam que ministros aplicarão a tese de crime continuado
Gustavo Werneck
Advogados dos condenados pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) em crimes do mensalão lançam a última cartada para
aliviar a punição dos réus. A expectativa é de que hoje os ministros façam a
fixação definitiva das penas — "uma calibragem na dosimetria",
conforme disse, no início do julgamento, o agora ex-presidente da mais alta
Corte do país Ayres Britto. "Estamos com esperança de que as sentenças
possam ser reavaliadas, mas prefiro não falar em percentual. Tenho confiança de
que o bom-senso vai prevalecer", disse, ontem, o advogado Castellar
Guimarães Filho, que defende o publicitário Cristiano Paz, 61 anos, condenado a
25 anos, 11 meses e 20 dias por peculato, corrupção ativa, lavagem de dinheiro
e formação de quadrilha. Castellar acredita que os ministros do STF vão levar
em consideração a tese de crime continuado, contida em pareceres apresentados,
há dias, ao STF, de autoria do ex-presidente da Corte Carlos Mário Velloso e do
especialista em direito penal professor e doutor Juarez Tavares.
"O reconhecimento do crime continuado é
uma medida que se impõe. Tecnicamente falando, há que se reconhecer a
continuidade, inclusive, entre os crimes de peculato e corrupção, pois são
delitos de uma mesma espécie, que afetam o mesmo bem jurídico", diz
Castellar Filho, lembrando que muitas questões estão em aberto e precisam ser
avaliadas. "É o caso, por exemplo, do reconhecimento do crime continuado
entre os crimes de peculato e corrupção", cita. Na sequência do
julgamento, ainda cabem, segundo ele, recursos a instâncias internacionais, que
eventualmente poderão ser acionados. "Ainda temos a possibilidade de
apresentar embargos de declaração e embargos infringentes", disse.
O advogado Hermes Guerrero, que defende o
publicitário Ramon Hollerbach, 65 anos, condenado a 29 anos, sete meses e 20
dias por formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro
e evasão de divisas, afirma que deve prevalecer a posição do ministro Marco
Aurélio Mello, para quem "todos os crimes que lesem o mesmo bem jurídico
devem ser considerados crime continuado (artigo 71 do Código Penal)". Ele
diz ainda que "o STF deveria reconsiderar o quantum da pena fixada, quando
do exame da pena-base, para que seja fixada no mínimo previsto da lei. As
circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal são amplamente
favoráveis a Ramon. Aliás, isso já foi feito pelo ministro (aposentado) Cezar
Peluso".
Guerrero ressalta que o posicionamento de
Mário Velloso é "justo e coerente com todos os princípios incorporados ao
direito penal — humanidade, legalidade, proporcionalidade, individualização e
outros. Não é razoável que quem é condenado como intermediário receba pena
superior àquele condenado como beneficiário".
Para o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz
Bastos, advogado do ex-vice-presidente do Banco Rural, economista José Roberto
Salgado, 52 anos — condenado a 16 anos e 8 meses de prisão sob acusação de
lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas e formação de
quadrilha — o cliente recebeu "uma pena altíssima, à revelia das provas
contidas no processo. Ele era o responsável pela área internacional na época
dos fatos. Dos 64 saques mencionados no processo, apenas cinco ocorreram após
ter assumido a vice-presidência executiva".
Considerando que o julgamento ainda não se
encerrou, Thomaz Bastos acredita numa revisão da dosimetria. "A questão do
concurso de crimes é de extrema relevância, pois determina de que modo a pena
aplicada a cada crime deve influenciar na totalidade da sanção e está
diretamente vinculada ao entendimento da Corte sobre a maneira pela qual foram
praticados os delitos. Entendemos que há continuidade delitiva entre os crimes
de gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, há um
entrelaçamento evidente entre os fatos. Os crimes subsequentes representam
desdobramentos dos antecedentes. Com esse entendimento, deverá ser aplicada ao
meu cliente somente a pena mais grave já definida no julgamento, com aumento de
um sexto a dois terços. A pena fixada para Salgado poderá reduzir-se
drasticamente."
Correção
O advogado Maurício Campos, que defende o ex-vice-presidente administrativo do
Banco Rural Vinícius Samarane, 45 anos, também se apega à tese do crime
continuado para tentar reduzir a pena do cliente. "Do ponto de vista
legal, a descrição dos fatos imputados na denúncia impõe a aplicação do crime
continuado. Fatos envolvendo a concessão dos empréstimos questionados e
respectivas renovações, saques subsequentes e pagamentos a terceiros, no Brasil
ou no exterior, não poderiam constituir crimes diversos cujas penas devessem
ser somadas." Ele diz ainda que "exatamente para corrigir a distorção
e a desproporcionalidade das penas nesses casos, o direito penal prevê o instituto
do crime continuado, segundo o qual delitos como gestão fraudulenta, lavagem de
dinheiro e evasão de divisas devem ser entendidos como um só".
Campos afirma ainda que "o julgamento
"fatiado" do processo levou a distorções até então impensáveis. A
desproporcionalidade das penas foi somente uma dessas distorções. Creio que a
visão global dos fatos do processo e o conhecimento geral das consequências do
julgamento para todos os réus levará a Corte a rever situações que, examinadas
em conjunto, tornam evidente a injustiça que a condenação a penas exacerbadas
representa".
Atuando na defesa de Kátia Rabello, o
advogado Theodomiro Dias Neto diz que a pena imposta à ex-presidente do Banco
Rural é "injusta e desproporcional". "A revisão da dosimetria,
pela aplicação da regra do crime continuado, é adequada ao caso concreto, pois
há nítido entrelaçamento entre as condenações por gestão fraudulenta, lavagem,
de dinheiro e evasão de divisas." Ele espera "uma revisão dos
critérios adotados para a dosimetria, no tocante à pena-base e à regra da
continuidade. Seria uma forma de atenuar a injusta e desproporcional pena
atribuída a Katia Rabello", disse.
Fonte: Correio Braziliense
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