É outra a candidata que se apresentou à reeleição nesta quarta-feira. Sai a ministra aplicada e tecnocrática e entra a presidente de vermelho, do-povo-pelo-povo-para-o-povo.
Ao disputar pela primeira vez a Presidência da República em 2010, Dilma foi talhada para se mostrar uma herdeira do lulismo com raia própria.
Precisava manter o eleitorado do seu antecessor e agregar setores da classe média com pitadas de meritocracia, apego à gestão e tolerância com a crítica.
Quando o ex-presidente subiu o tom contra adversários e imprensa no final da campanha, manteve seu discurso em outro termostato.
Ao assumir o governo fez acenos à oposição, elogiou o legado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cativou a classe média com desoneração de IPI de automóveis e ampliou a popularidade para além de sua votação.
A despeito de ter conquistado uma base maior, fez, nesses dois primeiros anos de governo, uma gestão mais petista que a de Lula. Empurrada pela crise econômica, baixou os juros e a tarifa de energia e, com idas e voltas com a presença do Estado na economia, aumentou a regulação.
O que se viu na quarta-feira foi uma presidente ciosa da necessidade de prestigiar seu antecessor, mas dedicada a lustrar o potencial eleitoral de seus próprios feitos.
Mudou a candidata porque é outra campanha. Por mais que continue na boca do povo e seja o principal articulador da reeleição da sucessora, o ex-presidente deixou de ser o principal avalista da disputa. Dilma agora é a candidata do que fez, fizer e deixar de fazer.
E é como candidata dela mesma, que tem que ser menos Dilma. É porque está menos dependente de Lula que precisa trocar a ênfase. Apela menos à tecnocracia e cede mais ao discurso nacional-popular da tradição petista.
Nada garante que chegue em primeiro, mas já não corre o risco de, nesta raia, ficar à sombra de Lula.
A presidente foi ao evento vestida de petista, do figurino ao discurso. O antecessor se vestiu de Brasil. Da gravata listrada de azul e amarelo a um discurso em que resgatou sua posse.
Dilma cuida de arrumar carisma porque a oferta desta mercadoria tende a aumentar em 2014.
Ainda não se sabe se vai vingar, mas, se a rede de Marina vier embalada como pretende, seu potencial de redentora tende a crescer.
Mesmo que faça muitas concessões para entrar no jogo, Marina tem verbo suficiente para vender um passaporte eleitoral como utopia.
Dilma agora é a candidata do que fez, fizer e deixar de fazer
No Roda Viva da última segunda-feira, esmerou-se na eloquência que tanto serve a púlpitos quanto a redes sociais: "Sábio é quem aprende com os erros dos outros e estúpido quem não aprende com os próprios erros", "o movimento tem ideias cujo tempo chegou", "a justiça que não se faz com amor é vingança", "não somos resultado do passado, mas daquilo que fizemos do passado".
É com esse discurso que quer ampliar a cesta dos 20 milhões dos eleitores religiosos, ambientalistas, cansados da polaridade e sonháticos em geral.
Marina pouco bate em Dilma. Parece mais à vontade ao falar da cláusula de autodissolução do partido do que do investimento em inovação como motor do crescimento econômico.
Com o verniz mais popular, a presidente parece querer reconquistar o eleitor lulista que, em 2010, viu em Marina a reencarnação da liderança popular representada pelo presidente que partia.
A movimentação de Dilma para evitar sangria de votos em direção à candidata da utopia se mostra mais clara do que a estratégia com a qual pretende enfrentar os postulantes do choque de gestão.
Nesse campo há dois, um mais candidato do que o outro, Aécio Neves e Eduardo Campos. Juntos ou separados têm mais carisma que José Serra mas, a exemplo deste, são bons candidatos em busca de um discurso.
O pronunciamento com que Aécio se contrapôs, no Senado, às celebrações petistas, pode ser um diagnóstico pertinente da conjuntura mas ainda está longe de se transformar num discurso político.
Quantos votos Aécio vai ganhar com o sucateamento da indústria, a crise da federação e a constatação de que o PT faz as privatizações que um dia criticou no PSDB?
Sim, os indicadores sociais e econômicos que bombaram na última década petista podem não se repetir nos próximos dez anos se o país não voltar a crescer.
Aécio tenta denunciar o que estaria por vir mas esbarra na economia de pleno emprego. O governador de Pernambuco tem encontrado o mesmo freio para não dar sua candidatura por consumada.
Ambos investem suas fichas nas bases partidárias e empresariais da candidatura Dilma. A inflação de emendas às medidas provisórias do setor elétrico e dos portos são a demonstração de como a base aliada busca ser sócia da tentativa da presidente em reaver o investimento.
É dos excluídos desse consórcio que podem surgir os parceiros do PSB e do PSDB em 2014. Por enquanto, não há sobras. Dirigentes de oito partidos, entre os quais o de Eduardo Campos, estavam na pajelança petista.
No meio empresarial, o PT já identificou claros acenos à oposição. O presidente do PT, Rui Falcão, inconformado com a infidelidade de setores empresariais que avalia serem amplamente beneficiados pelo governo, foi claro sobre os propósitos do partido na relação com o empresariado: "Temos que identificar quem está do nosso lado e quem não está" (Valor, 13/02/2013).
A cartilha preparada pelo PT para os 10 anos no poder mostra que é nos ganhos do presente que Dilma embala sua promessa de futuro. Contra adversários que planejam se contrapor com um discurso de economia sob ameaça, a dona da bola adota um figurino menos tecnocrata e se prepara para sua primeira campanha solo.
Fonte: Valor Econômico
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