Há sinais de que a reforma política voltará a ser discutida na Câmara dos Deputados e no Senado. Vários assuntos poderão voltar a ficar em evidência, como o fim das coligações para eleições proporcionais, as datas das eleições municipais vis-à-vis eleições nacionais, o financiamento público de campanhas e a suplência de senador. Todavia, é provável que nada venha a ser discutido que tenha impacto sobre a vida dos partidos políticos, que permita que os partidos tenham disputas internas e que eventualmente seu controle seja alterado em função de tais disputas.
Os Estados Unidos deram um grande exemplo, há pouco mais de quatro anos, quando Barack Obama desafiou o todo poderoso Bill Clinton ao enfrentar e derrotar nas primárias sua mulher, Hillary Clinton. O ex-presidente controlava a máquina do partido, mas não controlava nem as fontes de financiamento das campanhas primárias, nem o voto dos delegados. Isso permitiu a vitória interna de Obama, eleito e reeleito presidente. A renovação partidária foi favorável à volta do Partido Democrata ao poder. O caso americano é paradigmático. A última vez em que um candidato a presidente derrotado teve uma segunda chance foi com Nixon. No caso francês, a última vez em que isso aconteceu foi com Mitterrand, pelo Partido Socialista.
Os exemplos são comparáveis porque se trata de dois partidos fortes, consolidados e bem estabelecidos. No Brasil, Lula foi candidato várias vezes, até vencer, mas isso ocorreu, dentre outros motivos, porque o PT era um partido muito pequeno e não havia outros nomes viáveis para disputar de maneira competitiva a Presidência da República.
Nos Estados Unidos há primárias, no Brasil não há. Isso faz enorme diferença. Como aqui não há primárias, faz sentido para os partidos repetirem uma candidatura a presidente: na primeira eleição, o candidato se torna nacionalmente conhecido; na eleição seguinte ele será bem mais competitivo. A França é aproximadamente do tamanho de Estados como Minas Gerais e Bahia. O Brasil é um país continental. Além disso, a população tem escolaridade média baixa e isso exige pelo menos uma eleição a presidente para que um político se torne conhecido em todo o país.
Uma reforma política que ajudasse a renovar os partidos políticos por dentro teria que induzi-los a realizar primárias. Não poderia, porém, ser uma primária qualquer, mas, sim, uma consulta interna na qual os habilitados a votar não estivessem sob o controle, direto ou indireto, do partido. Isso é muito importante. Nossos partidos escolhem seus candidatos a qualquer cargo que seja em convenções. Com frequência, os políticos que desafiam a direção partidária não obtêm legenda, muitas vezes nem sequer para a eleição de deputado estadual ou federal.
Nossas convenções partidárias são formadas, na grande maioria das vezes, por pessoas que participam mais ativamente da vida partidária. Essas pessoas, quando o partido a que pertencem controlam um governo estadual, por exemplo, em geral têm acesso a alguma modalidade de recurso público, seja um cargo comissionado, ou a chance de indicar um parente ou amigo para trabalhar em determinado órgão do governo. É evidente que o controle sobre o voto de um indivíduo que depende em alguma medida do governo é um voto menos independente. Se o governador de Estado apoiar determinado candidato, ele provavelmente será o escolhido. Quando a máquina do governo interfere na vida da máquina partidária, o resultado é fatal: dificilmente haverá renovação.
Tão grave quanto isso é nossa modalidade de financiamento de campanha. É muito comum, por exemplo, que as dívidas de campanha de um candidato derrotado sejam pagas por seu partido. É evidente que, quando isso acontece, o candidato derrotado jamais se tornará um crítico da direção partidária, jamais desafiará aqueles que controlam, jamais agirá visando a renovação da direção partidária.
Nos Estados Unidos há uma grande diversidade de fontes de financiamento de campanha. Dois ou três grupos de pressão podem, juntos, financiar determinada candidatura. Dentro de um mesmo partido, pré-candidatos com propostas diferentes se enfrentam em primárias, cada um deles financiado por um conjunto diferente de grupos de pressão ou de empresas. Terminada a campanha, o candidato derrotado não fica em dívida com o partido. Assim, continua com autonomia para desafiar a direção ou o candidato que o derrotou na primária. A chama da renovação permanece acesa.
Pode ser que não haja reforma política que ajude nossos partidos a criar mecanismos internos de renovação. A força dos grupos de pressão americanos está fundamentada no imenso associativismo daquela sociedade, assim como em sua pujança econômica. A existência de cargos comissionados está fortemente enraizada em nossas práticas políticas. Quem participa da política nos Estados Unidos são voluntários. Quem participa da política no Brasil são pessoas que almejam estar próximas do governo, querem auferir algum benefício direto para si próprios quando seu candidato vence. O sistema político funciona de acordo com a sociedade no qual está inserido. Alguma participação é melhor do que nenhuma. Se não houvesse a chance de distribuir recursos públicos aos militantes dos candidatos vencedores, dificilmente haveria alguém participando da política. O principal resultado partidário disso é a dificuldade de renovação.
O caso recente de maior dificuldade de renovação vem do PSDB. O partido vem lançando Serra candidato mesmo diante de várias derrotas. De 1998 para cá, Serra já foi candidato seis vezes a um cargo do Poder Executivo; venceu somente em duas. Nas duas vezes em que venceu, não exerceu o mandato até o final; saiu antes, para disputar outra eleição majoritária.
Dentro do PSDB, quem mais contrasta com Serra é Fernando Henrique. Desde 1994, disputou duas eleições para o Poder Executivo, a Presidência da República, venceu nas duas e exerceu o mandato até o final em ambas as oportunidades.
A taxa de sucesso de Serra foi de somente 33%. Contudo, seu nome continuou sendo considerado toda vez que se aproximava uma eleição para prefeito, governador ou presidente. Fala-se agora em uma eventual disputa interna, em primárias, na qual Serra seria um dos candidatos.
Não há nada de errado em buscar se perpetuar no poder. Assim, não há nada de errado quando Serra tenta ser candidato repetidamente. Isso é humano, é racional. O grande problema é que nossas instituições políticas permitam isso. Permitam que candidatos derrotados não abram espaço, ainda que forçosamente, para líderes políticos ascendentes. Nossos partidos, de modo geral, não têm meios para realizar a renovação interna quando ela se faz necessária. A candidatura de Serra em 2010 impediu que Aécio tivesse se tornado, já naquela eleição, um político conhecido em todo o Brasil. Serra foi derrotado e não deixou legado. Se Aécio tivesse sido o derrotado, o nome dele hoje teria um elevado nível de conhecimento, não permitindo que candidaturas alternativas, como as de Eduardo Campos e de Marina Silva, sequer fossem consideradas.
O PSDB é, no momento, o caso em maior evidência, mas não é o único. Em maior ou menor medida, todos os nossos partidos têm dificuldade de aceitar a renovação, de incorporar e dar espaço eleitoral àqueles que desafiam a direção partidária. Não renovar torna-se um problema agudo quando o resultado é a derrota eleitoral. Nossa vida partidária tem sido marcada por mudanças de legenda e, mais recentemente, pela fundação de novos partidos. Em vários casos, não todos, isso ocorreu porque a vida partidária impediu a renovação.
Não há uma fórmula para uma reforma política que ajude os partidos a se renovarem por dentro. É preciso, em primeiro lugar, pensar se queremos isso. Em caso afirmativo, será preciso tomar medidas para reduzir o peso dos governos sobre os partidos, sobre suas convenções partidárias e modalidades de financiamento. Não há caminho fácil para uma reforma desta natureza. O fato é que, se for feita, a renovação de candidatos ao Poder Executivo será maior e nos assemelharemos mais, nesse aspecto, aos Estados Unidos e aos países europeus.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo".
Fonte: Valor Econômico
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