Disparada de preços faz até Classe A mudar de hábitos. Serviços pesam, com alta de 8,37%
Clarice Spitz, Manuela Andreoni
Dinheiro não é muito problema para eles. Mas isso não significa que não saibam o valor dele. Eles trabalham, viajam para o exterior e podem comparar os preços de hotéis e restaurantes caros e roupas de grife. Pertencem ao seleto grupo da classe A brasileira. Mas a inflação também tem incomodado este grupo, trazendo mudanças de hábito. Não é bem o tomate, vilão já folclórico da alta dos preços, que pesa no bolso desses consumidores. Mas os serviços, que, puxados pelo aquecimento do mercado de trabalho, sobem acima da inflação oficial. Nos últimos 12 meses, os serviços tiveram alta de 8,37%, acima do avanço do IPCA, de 6,59%.
Mesmo quem está no topo da pirâmide percebe os preços subindo. O mineiro Elias Tergilene, que fundou a rede de shoppings populares Uai, nega-se a pagar por serviços de valor exorbitante. Cansado do preço do estacionamento em São Paulo, onde tinha um carro para circular a trabalho, dispensou o motorista e vendeu o veículo.
- O estacionamento passou a custar mais que o salário do motorista. É mais barato pegar táxi - afirma Tergilene.
Para o empresário Alexandre Accioly o problema é outro. Com apartamento em Miami e constantes viagens aéreas, o preço da primeira classe foi algo que sempre o irritou. Como não gosta de pagar tão caro para dormir, como diz, ele costuma viajar de executiva.
- Se viajei de primeira classe na minha vida foi uma ou duas vezes. Tomo um remédio para dormir e não faço questão de um superconforto - afirma.
A irritação ficou maior nos últimos tempos:
- Quando tinha o dólar elevado, a gente tinha muito espaço no avião. Hoje você faz um voo e a primeira classe custa o dobro da executiva. Prefiro descarregar essa diferença na melhor suíte de hotel para onde estou indo - diz Accioly.
A consultora de estilo Alexia Wenk, enteada do presidente da Amsterdam Sauer, também faz parte do grupo de endinheirados que valoriza o dinheiro que tem. Compara preços e compra bilhete de avião com antecedência. Dona de um brechó chique, no Leblon, diz que o hábito de garimpar e de comprar peças mais baratas aumentou:
- A vida está ficando cara. Você precisa se programar.
Para Patricia Rostock, diretora de pesquisas da consultoria GfK, a alta dos preços de serviços faz com que o consumidor avalie com mais atenção o que está pagando.
- Ficar exigente é um fato. O consumidor que tem dinheiro e uma certa experiência e cultura, acaba selecionando mais - afirma.
"Quanto mais rico, mais o serviço pesa"
Não é de hoje que a inflação começou a atormentar os mais abastados. Nos últimos cinco anos, enquanto a inflação geral, medida pelo IPCA, foi de 34,4%, o preço do estacionamento, como reparou Tergilene, subiu 65,5%. Já a passagem aérea, um gasto mais comum à classe A, aumentou 132,62%. O serviço de empregado doméstico ficou 75% mais caro.
- Quanto mais rico, mais o serviço pesa. O tempo deles é normalmente gasto em ganhar mais dinheiro. Então, eles ficam dependentes desses serviços. E esse tipo de profissional é caro. Da mesma forma que ele não entra em qualquer restaurante, não entra em qualquer salão - afirma o economista André Braz, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A classe A cresceu 41% entre 2003 e 2009, ganhando 3,2 milhões de membros. Segundo a FGV, a renda familiar dessa faixa fica em R$ 9.745 por mês. Para o economista da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha, a própria ascensão da nova classe média tem impulsionado os preços para os mais ricos:
- Quanto mais caro vai ficando o empregado doméstico, mais as pessoas comem fora. É um círculo virtuoso para quem está ascendendo socialmente, mas vicioso para a Classe A. Olhando o todo, a sociedade brasileira está cada vez mais homogênea - afirma Cunha.
A professora de piano Olga de Lena, que mora no Jardim Botânico, eliminou supérfluos. Antes pagava R$ 50 para fazer a mão e o pé numa grande rede de salões de beleza. Quando uma ex-manicure abriu um salão perto de sua casa, migrou. Hoje paga a metade. Não estava mais disposta a pagar o dobro para, nas suas palavras, lhe servirem "coca-cola zero em uma bandejinha".
- Tem uns macetes, você mesma pode levar a tinta para o cabelo. Aí paga só pela mão de obra. Porque eles botam uns 300% em cima - afirma.
R$ 1 mil a menos com troca de supermercado
A consultora de acessórios Roberta Wright, de 36 anos e moradora do Alto Leblon, trocou o supermercado do bairro por uma rede popular.
- Eu comprava essas besteirinhas que fazem diferença. Então, comecei a fazer compras mensais. Isso faz uma economia de R$ 1 mil por mês.
Para roupas e calçados, a estratégia de Roberta é comprar o mínimo possível no Brasil. Lá fora, principalmente em viagens aos Estados Unidos (ela vai com frequência a Miami, Los Angeles e Nova York), monta não apenas seu próprio guarda-roupa, mas também o de seus dois filhos, de 2 e 4 anos:
- Eu gosto de bolsa de marca, mas acho uma loucura pagar três vezes mais aqui do que lá fora.
A adaptação feita pelos consumidores também se reflete do outro lado do balcão. Não são poucos os donos de restaurante que viram a frequência de clientes fiéis cair. Nos alimentos mais sofisticados, a diferença entre o preço cobrado no restaurante e no supermercado assusta. Um pedaço de 150 gramas de queijo da Serra da Estrela no tradicional restaurante português Mosteiro custa R$ 68,90. Uma peça de 500 gramas do queijo de mesmo tipo sai a R$ 14 no supermercado Zona Sul. Uma porção de cerca de 300 gramas de manga custa R$ 18 no Quadrifogli. No Pão de Açúcar, a bandeja com duas mangas palmer sai a R$ 9,05.
Com os clientes rareando, os restaurantes buscam alternativas. A Escola do Pão decidiu criar um menu com preço menos indigesto. A oferta custa cerca de R$ 70 no almoço de domingo.
- O Rio está mais caro que Paris e Nova York. Por mais que o cliente seja Classe A, ele não é bobo, ele viaja, conhece, começa a reagir contra os preços. Hoje, não está mais saindo para gastar R$ 800 numa conta - avalia Elen Casagrande, dona da Escola do Pão.
O restaurante Q Gastrobar, do Grupo Quadrucci, também aderiu há pouco tempo ao menu fixo.
- Vejo clientes vindo em intervalos maiores e vejo clientes gastando menos. As pessoas querem manter os hábitos e gastar menos - diz Eduardo Bellizzi, um dos sócios.
Fonte: O Globo
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