Espetáculo estreia nesta sexta no Dulcina e lança luz sobre o escritor
Luiz Felipe Reis
RIO — Era 1989 e Luiz Antônio Pilar atuava em “Os negros”, um texto de Jean Genet encenado por Maurício Abud, em São Paulo, quando leu um texto inédito de Luis Alberto de Abreu. Colaborador do CPT de Antunes Filho, Abreu havia escrito, em 1985, uma obra centrada nos últimos anos de vida do escritor Lima Barreto (1881-1922). Intitulada “Lima Barreto ao terceiro dia”, a peça conheceu os palcos dez anos após ser escrita, numa encenação dirigida por Aderbal Freire-Filho, que Pilar assistiu como espectador:
— Era belíssima — recorda.
Agora, mais de duas décadas após o primeiro contato com a obra e a realização de diversos projetos em teatro, cinema e TV relacionados ao negro, Pilar estreia nesta sexta-feira, às 19h, no Dulcina, uma nova montagem para o texto. Mais que um sonho particular, diz que tem como objetivo “fazer toda uma geração redescobrir Lima Barreto”.
— A montagem do Aderbal tem 18 anos, ou seja, muita gente não conhece a peça do Abreu e nem a obra do Lima — diz Pilar. — A peça aborda a vida e as angústias do Lima enquanto artista. É um autor fundamental, mas um tanto esquecido. É nossa obrigação resgatá-lo, levarmos seu pensamento a todo mundo.
Mais que um ícone da literatura brasileira — “mas reconhecido postumamente”, diz Pilar —, Barreto foi um dos mais ferinos críticos de um Brasil recém-alforriado, que ainda subordinava os negros à miséria, ao preconceito e à desigualdade, enquanto mantinha intactos os privilégios de aristocratas e militares da República Velha. Pilar ressalta a importância de se pensar a cidade do Rio de hoje a partir de questões levantadas por Lima no começo do século passado.
— Se fala muito do momento atual da cidade, prestes a receber grandes eventos, mas é importante repensar conceitos que se encontram na obra do Lima, como sustentabilidade, o bom uso da cidade, a importância de tratar os subúrbios da mesma forma que os centros — diz Pilar. — Era um pensamento moderno, em que se discutia urbanidade, a organização da cidade, a igualdade racial, o respeito às diferenças, sejam elas quais forem.
A ideia de igualdade ou a ruptura com hierarquias está impregnada na dramaturgia de Abreu, que dá evidência às falas de todos os dez personagens que atravessam a história, assim como divide o protagonista entre dois atores — Nando Cunha, que vive a ebulição do jovem escritor, e Flavio Bauraqui, que o interpreta na velhice, enfraquecido e em delírios durante os três dias de internação que delimitam o momento presente da peça, o real da cena.
— Todo o elenco é um pouco do Lima, é como se fôssemos pedaços dele, de suas criações, tudo o que ele acredita e o que ele repudia — diz Bauraqui.
Nando Cunha comenta, ressaltando a personalidade contestadora do autor:
— Lima questionava o país, lutava por reforma. Conhecer a obra dele não significa só entender de literatura, mas da luta do negro no Brasil.
Lima em três planos
A peça é dividida em três planos “que ocorrem simultaneamente, se relacionam”, diz Pilar: o real acompanha a internação de Lima num manicômio, em 1919; o nível da memória traz o jovem Lima durante a escrita do romance “Triste fim de Policarpo Quaresma”, e o plano da fantasia é composto por recriações de cenas do romance.
— Além da questão do negro, do preconceito, tratamos da angústia do criador — diz Pilar. — O artista que se sabia genial, mas que não era reconhecido, que não encontrava o seu público. Mais do que falar da loucura, acreditamos que é muito mais rico e complexo trabalhar sobre a incerteza do criador.
Fonte: O Globo
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