Os protestos se ampliaram e se espalharam ontem pelo país, dissipando dúvidas sobre a natureza essencialmente política: sem líderes e sem partidos na vanguarda, eles denunciam uma grande e generalizada insatisfação, com a política, com a vida urbana, com os serviços públicos. A tomada das cúpulas do Congresso foi um emblema ineludível desta natureza política. Os R$ 0,20 de aumento na tarifa de transportes em São Paulo foram o palito de fósforo no gramado.
Aqui em Brasília, todos sabemos: na seca, um palito pode levar a grandes incêndios. A voz das ruas voltou, e não é rouca. Tem a estridência e a impetuosidade da juventude. Massas nas ruas criam situações delicadas, geram tensões elevadas, como ontem, exigindo dos governantes a experiência do já vivido, a serenidade do aprendido, para além de ação policial. Tudo pode acontecer, principalmente se a energia policial for desmedida. A ruptura do dique das insatisfações, neste fim de outuno, deve servir à continuidade dos avanços que o Brasil vem conquistando, não a qualquer involução. Esse devia ser o propósito de todos, manifestantes e governantes.
A voz estridente dos jovens e os cartazes satíricos exibidos nos protestos mandam muitas mensagens, e um destinatário especial é o PT, que, desde sua criação, em 1980, soube identificar, liderar e canalizar as águas da insatisfação. Assim chegou ao poder, 22 anos depois. Tendo estado sempre na vanguarda, agora o partido se defronta com um movimento social em que não tem protagonismo (embora haja também petistas nos protestos), que não tem líderes, que não conhece bem, e com o qual não sabe ainda como lidar. Há muita coisa junta e misturada, como já dito aqui, nesses movimento: os que querem exercer pacificamente a cidadania, os revoltados que não sabem sequer expressar sua causa, os punks, os anarquistas de ocasião e também grupelhos de direita e de ultraesquerda, certamente, apostando no desgaste dos que estão no poder. Mas o recado ao PT é claro, embora inominado. Um cartaz exibido na Candelária, no Rio, sintomaticamente dizia: "O amor acabou". Amor por quem, o cartaz não explicitou, mas a mensagem serve ao PT: os jovens, expressando talvez (ou não) outras camadas sociais, querem mais, querem outras mudanças, e querem que elas venham mais rapidamente.
Tudo o que aconteceu nas últimas semanas fala de insatisfações: os conflitos entre índios e fazendeiros, os problemas na coalizão parlamentar, as vaias a Dilma na abertura da Copa das Confederações e esses protestos singulares. Em comum com os protestos de minha juventude, contra a ditadura, apenas o cheiro das bombas e a ardência do gás.
Outros partidos são alvos dos protestos, como o PSDB do governadores Geraldo Alckmin, de São Paulo, e Antonio Anastasia, de Minas Gerais, onde também houve manifestações ontem. Mas quem está no topo da pirâmide é mais visado, e tem mais a perder. Acertadamente, a presidente Dilma mandou dizer ontem que "as manifestações pacíficas são legítimas e próprias da democracia". Sua história não lhe permite outra postura. Seu nome apareceu repetidas vezes nas palavras de ordem dos manifestantes que ocuparam as cúpulas do Congresso. Lá dentro, o mais vivido dos parlamentares, o senador e ex-presidente José Sarney, tudo acompanhava com extrema preocupação. Dizia um cartaz que a presidente, acostumada a tomar borrachada, devia descer e "dar uma força à moçada". Desrespeito para com quem foi tão brutalmente torturado, mas cabe a ela ser generosa. Dilma é o alvo mais claro, seja ou não objetivo do movimento feri-la politicamente.
No PT, que ainda não afinou o discurso sobre o movimento, é um quadro da velha guarda, o deputado José Genoino, que recomenda a fidelidade às origens: "Devemos compreender e dialogar com todo movimento social. Por mais heterogêneo que seja, ainda que contenha elementos com propósitos escusos, o protesto é sempre a denúncia de uma insatisfação. O Brasil está insatisfeito, precisamos responder. O PT nunca se fechou aos movimentos sociais. Não se fechará agora".
Mas, além de dialogar, o governo petista terá que responder com soluções, sobretudo urbanas. Afinal, como diz Genoino, com seus governos, o partido destampou a panela de pressão. Atendeu às demandas reprimidas dos mais pobres. Criou uma classe média que agora lhe apresenta novas reivindicações, fazendo apitar.
Casamento e divórcio
Para a viagem que fará ao Japão, a partir do dia 28, a presidente Dilma convidou para acompanhá-la o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, do PSD. O pretexto é a busca de acordo com os japoneses para a importação de carne suína brasileira. A deferência é mais um indicador de que está praticamente fechada a aliança local que unirá PMDB, PT e PSD para garantir um bom palanque a Dilma no estado sulino. A aliança começou a ser costurada na viagem à Rússia, no início do ano, para a qual Dilma convidou o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), que, desde então, passou a trabalhar no apoio. Em consequência, o PSD rachará no estado, produzindo a insólita filiação do ex-senador liberal Jorge Bornhausen e seu grupo ao PSB de Eduardo Campos.
Poesia na planície
Homenageado com jantar pelos advogados e professores Any Ávila e Ulysses Riedel, o ex-ministro Ayres Britto avisou que só falaria de literatura. Nas próximas semanas lançará seu novo livro de poesias, DNAlma.
Fonte: Correio Braziliense
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