terça-feira, 18 de junho de 2013

Legado vira problema - Denise Rothenburg

Um dos motivos subliminares do mau-humor de parte dos brasileiros, e nesse momento da Copa das Confederações, está diretamente ligado à diferença entre o que foi prometido e o que está chegando aos bairros das grandes cidades. Alguns governadores, inclusive, já detectaram esse sentimento de frustração e reduziram o volume de propaganda sobre o evento nas ruas e nos discursos.

Para entender isso, entretanto, é preciso recuar um pouquinho no tempo. Em 30 de outubro de 2007, uma terça-feira, quando saiu em Zurique, na Suíça, a notícia de que o Brasil sediaria os jogos de 2014 foi aquela festa. Ocorre que, agora, na hora do show, o povo ficou na periferia, fora da festa. As melhorias prometidas não chegaram e até os jogadores do Brasil ficam distantes do povo.

Foram vários discursos de promessas desde aquele outubro de 2007. Em Zurique, Lula garantiu que a direção da Fifa veria coisas maravilhosas no Brasil. Falou ainda do "comportamento extraordinário do povo brasileiro", prometendo uma Copa que marcaria a história das copas da Fifa. Alguns anos depois e lá estava a expressão "legado" estampada em todas as falas presidenciais, seja de Lula, seja de Dilma.

Em julho de 2010, seu último ano de mandato, o ex-presidente discursou em Johannesburgo, na África do Sul, fazendo referência aos indicadores econômicos do Brasil. Acenava com uma "economia brasileira mais relevante no cenário mundial", que se refletiria numa Copa gigante e impecável. Agora, três anos depois daquele memorável discurso de Lula, o brasileiro percebe aumento dos preços nos supermercados — embora a inflação, segundo o governo, já esteja recuando. O transporte público continua o mesmo do passado e, para completar, mais caro. A visão que o sujeito tem da sua vizinhança também não se alterou muito, salvo no caso daqueles que moram perto dos estádios e são obrigados a conviver com o canteiro de obras ao lado.

Tudo isso, avaliam algumas autoridades que tiveram essa percepção bem cedo, dá a grandes parcelas da população a sensação de terem ficado fora da festa. Ou seja, quem tem convite VIP ou recursos — e uma internet rápida para comprar ingressos — conseguiu ir aos estádios. Quem não tem ficou de fora. Assim, a Copa do Mundo no Brasil, idealizada no governo Lula para ser um dos orgulhos da população e exemplo de inclusão do país no cenário internacional, acabou excluindo o povo que Lula, há dois anos e meio, cantava deixar nas mãos da presidente Dilma Rousseff. Ou seja, o que foi idealizado para enaltecer o governo da petista, parece, à primeira vista, se virar contra sua própria administração.

Não se sabe se isso se repetirá na Copa de 2014, mas, entre os políticos, há a clara sensação de que uma parcela do público se sente excluída porque percebe que a realização do Mundial, até o momento, não melhorou a sua vida. Obviamente, o governo ainda tem tempo de tentar reduzir esse sentimento uma vez que há diversas obras em curso. Pode, também, negociar pontualmente e reduzir o volume das manifestações. O risco, entretanto, é que parece ter se chegado a um ponto em que não se sabe direito o que negociar ou com quem, uma vez que o governo enfrenta, inclusive, dificuldade em localizar os organizadores desses movimentos.

Por falar em organizadores...

A situação mudou. No passado, quando o PT liderava as manifestações ao lado de centrais sindicais, como a CUT, da União Nacional dos Estudantes e de outras organizações não governamentais, a cúpula dessas instituições era chamada a negociar, e havia um motivo maior para os movimentos. Agora, há a questão das tarifas e o Movimento Passe Livre, que não parece ter ligações com os petistas como a cúpula dos sindicatos tinha com Lula.

Por falar em Lula...

Não se ouviu, até agora, a menor manifestação do ex-presidente sobre os eventos. Ficou longe da abertura da Copa das Confederações. Para alguns, é sinal de que se preserva para o futuro. O que ainda não se sabe é se esse futuro está bem próximo.

Fonte: Correio Braziliense

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