A denúncia do advogado Jonas Tadeu Nunes, defensor de Fábio Raposo e de Caio Silva de Souza, acusados pela morte do cinegrafista Santiago Andrade, de que eles e vários outros jovens que participam das ações de vandalismo nas manifestações desde junho do ano passado recebem dinheiro para atuar abre uma nova fase nas investigações sobre a ação dos black-blocs.
O advogado chegou a dizer que cada um dos aliciados recebia R$ 150 por manifestação, e eram abastecidos com rojões, coquetéis molotov e máscaras por seus aliciadores, que seriam ligados a partidos e movimentos políticos.
Caio, ao ser preso, deu entrevista à Rede Globo onde admitiu ter sido quem acendeu o rojão que matou o cinegrafista e também confirmou que muitos dos “manifestantes” são aliciados por dinheiro.
É claro que tudo pode não passar de uma manobra para atenuar a culpa dos dois acusados pela polícia de homicídio doloso qualificado por motivo fútil, com auxílio de explosivo. A pena para esse crime é de 12 a 30 anos de prisão, a ser definida por um júri popular. Se, ao contrário, os dois forem indiciados, como quer o advogado, por lesão corporal seguida de morte, quando os acusados não correram conscientemente o risco de produzir o resultado, a pena é de 4 a 12 anos, a ser decidida pelo juiz.
A primeira declaração de Caio, de que não sabia que se tratava de um rojão, quer dar a entender que ele não tinha noção do perigo que estava provocando, muito menos a intenção de matar alguém. Acusar terceiros de os terem aliciado é também outra maneira de reduzir a culpa dos dois, transformando-os de vândalos em jovens pobres e idealistas manipulados por políticos.
De qualquer maneira, a denúncia pode ser uma boa pista para o início de uma investigação séria sobre as origens da infiltração desses grupos violentos nas manifestações que começaram em junho passado. Houve inicialmente a desconfiança de que grupos como o Mídia Ninja e o Movimento do Passe Livre estivessem a serviço de setores políticos, tentando tomar a direção dos movimentos de protesto.
Ao mesmo tempo, o recurso ao vandalismo, com depredação de prédios públicos e bancos, e ataques a profissionais de imprensa passou a ser utilizado por membros do lumpesinato, provavelmente a soldo de facções políticas em disputa pelo governo do estado, e pelos geralmente jovens black-blocs, que antes de ser uma associação seria uma maneira de encarar os protestos que uniria indivíduos da mesma índole anarquista, sem que necessariamente se conhecessem.
O fato é que não se sabe nada ainda dessas organizações, e agora a denúncia pode levar a investigações da Polícia Federal que definam melhor o quadro. O objetivo seria esclarecer se existe mesmo, como acusa o advogado Jonas Tadeu Nunes, a ação de partidos e grupos políticos, sejam de extrema-direita ou de extrema-esquerda, na convocação desses arruaceiros com objetivo de provocar um ambiente de insegurança pública que favoreça seus objetivos. A democracia exige uma resposta conclusiva.
*****
Cosmo Ferreira, advogado criminal, ex-promotor de justiça/RJ, procurador-regional da República aposentado, escreve para explicar que a Lei de Segurança Nacional não pode ser usada para combater o terrorismo por que, embora em seu artigo 20, puna os “atos de terrorismo”, não os define.
Esse artigo foi considerado revogado, ou não recepcionado pela Constituição, que em seu artigo 5º, inciso XXXIX, exige a definição da conduta criminosa, litteris, “não há crime sem lei anterior que o defina (...)”. Embutido no citado dispositivo constitucional, que consagra o princípio da legalidade penal, está o princípio da determinação ou da certeza.
O cidadão tem que saber exatamente o que é proibido ou o que é mandado. Quando se trata de tipificação de crimes, é que nem no jogo do bicho, “só vale o que está escrito”, ressalta Cosmo Ferreira.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário