- Folha de S. Paulo
O pré-Copa foi tenso e repleto de maus augúrios: ruas indiferentes, obras por um fio, greves, ameaças de ação violenta. Não durou. Foi só rolar a bola para o clima virar. Bandeiras por todo lado, lágrimas ao som do hino a capela, ruas em festa. O transe coletivo da Copa venceu. Até quando?
A Copa une o Brasil. "O povo", reflete o poeta Drummond, "toma pileques de ilusão com o futebol e o carnaval, suas duas fontes de sonho". O sonho é belo, porém efêmero. Quando a bola parar, ganhe ou perca a seleção, a amarga realidade nos tomará outra vez com suas unhas de bronze.
Estamos a três meses da eleição. A vizinhança no tempo entre Copa e eleições --fruto da única medida aprovada na revisão constitucional de 1993, a redução dos mandatos executivos de cinco para quatro anos-- é um desserviço à nossa democracia: não pelo eventual impacto do torneio nas urnas (duvidoso), mas pelo encurtamento do tempo real de campanha.
Democracia não é só voto --é debate e participação. Uma vez a cada quatro anos, renova-se a chance de refletirmos e fazermos valer nossas escolhas sobre os rumos da nação. A sincronia entre Copa e eleições --e isso logo no país do futebol!-- conspira contra o ideal de uma democracia de alta intensidade.
Copa do Mundo e eleição competem pela atenção dos brasileiros. A disparidade, porém, é esmagadora. O futebol empolga e arrebata; a política deprime e exaspera.
Por que não vemos, na área política, a mesma floração de talentos jovens e aptos a nos representar no jogo democrático? Por que não participamos do debate eleitoral com o mesmo entusiasmo e paixão com que nos dedicamos a esmiuçar cada lance da "pátria em chuteiras"?
O futebol traduz o modo de ser e sentir brasileiros: o nosso poder de adaptação e superação; a criação de boas formas de existência coletiva; a improvisação talentosa e uma compreensão lúdica da vida.
Nossa vida pública, ao contrário, parece enredada numa espiral entrópica. Quanto mais ela teima em nos decepcionar com seu fisiologismo e impudor, maior o sentimento de aversão a ela. E, quanto maior a aversão, mais crescem o desânimo e o indiferentismo que favorecem o atual estado de coisas e nos empurram rumo às piores práticas na política.
Como reverter esse quadro? A resposta é uma só: participação. A Copa é fogo-fátuo, mas o resultado das urnas ficará conosco --é o futuro da nação em jogo. Se nós dedicássemos às eleições uma fração da energia alerta que devotamos à Copa, como no esboço das manifestações de junho, nós mudaríamos o Brasil. A política existe para expressar nossos valores e sonhos, não para nos enojar.
Eduardo Giannetti, economista e escritor
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