• Uma das últimas encomendas era a mudança do DPVAT
- Valor Econômico
Entre as brigas que Eduardo Campos estava disposto a comprar, se eleito presidente da República, uma pouco conhecida tinha como alvo o grupo de seguradoras privadas responsáveis pelo pagamento da indenização em caso de morte e invalidez por acidente de trânsito, o DPVAT.
Com a determinação de reorganizar o sistema, Campos encomendou um estudo sobre o assunto a Alexandre Navarro, membro do Comitê de Especialistas em Administração Pública das Nações Unidas (CEPA), ex-secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional e coordenador da campanha presidencial do PSB da região Centro-Oeste.
O trabalho foi entregue por Navarro poucos dias antes da morte do ex-governador, assim como outros, recentemente pedidos: uma fórmula para reduzir o número de funções e cargos comissionados de livre nomeação na administração pública federal, uma alternativa para acabar como fator previdenciário (cálculo de aposentadoria por tempo de contribuição e por idade que reduz benefícios precoce) e normas para a escolha de dirigentes de autarquias, agências reguladoras e organizações sociais por meio de Comitê de Busca.
A proposta para a reorganização de ministérios - outra demanda do então presidenciável do PSB - não foi concluída a tempo de lhe entregar. A ideia era fazer uma recomposição de ministérios e secretarias agregando áreas com sobreposição de tarefas, eliminação de desvios de funções, extinção de pastas com baixo resultado, baixa execução orçamentária e alto custo de diárias, passagens, etc.
"Mudar o DPVAT é complicadíssimo, acabar com o fator previdenciário é polêmico e reduzir cargos comissionados é um problema político, mexe com guetos políticos. Mas Eduardo ia fazer. Durante a campanha, em pouco tempo, com menos estrutura, ele ia mostrar que era diferente dos outros candidatos. E a população ia entender", acredita Navarro, que trabalhava com Campos no Ministério da Ciência e Tecnologia na época das negociações pela aprovação da Lei de Biossegurança.
Com relação ao DPVAT, trata-se, segundo o especialista, de "desvantajoso para o segurado, moroso no ressarcimento e cheio de fragilidades". Para as seguradoras que participam do pool, ao contrário, "é um grande negócio", onde não há riscos e o lucro é pré-determinado. Nas palavras de Navarro, "um paraíso de ganhos financeiros fáceis".
Navarro faz um levantamento detalhado da gestão e dos recursos movimentados pelo sistema. Conclui que o seguro é totalmente desvantajoso para o segurado, por causa da demora e da burocracia para receber e, principalmente, pelos valores insuficientes. Aponta desperdícios e ineficiência na gestão administrativa do sistema.
Para mudar a relação do ente segurador com o segurado, Navarro sugeriu a Campos dois caminhos, um mais estatizante e outro mais liberal. No primeiro caso, a administração do sistema seria transferida da Seguradora Líder (consórcio de seguradoras) para o INSS. A outra opção seria privatizar o sistema. O seguro continuaria sendo obrigatório, mas cada proprietário escolheria uma seguradora, nacional ou estrangeira, de acordo com o preço de mercado. O presidenciável morreu sem fazer a escolha.
Entre as inovações propostas, está a incorporação, pelo DPVAT, do Seguro por Danos Pessoais causados por Embarcações (DPEM), cujo fundo é deficitário. Uma das preocupações de Campos era garantir as indenizações às vítimas de acidentes com barcos no Amazonas. Os dois sistemas seriam unificados no Seguro por Danos Pessoais causados por Veículos Automotores Terrestres e Embarcações (DPVATE).
O fim da parceria entre a Seguradora Líder e os Correios, que funcionam como pontos de atendimento, também foi sugerido por Navarro. A ideia é que os pontos de atendimento sejam instalados nos hospitais, para facilitar o acesso das vítimas e eliminar a figura do intermediário.
Seguro compulsório cobrado dos proprietários de veículos automotores terrestres, o DPVAT prevê ressarcimento em caso de morte (R$ 13,5 mil para herdeiros), invalidez permanente (até R$ 13,5 mil) e despesas de assistência médica e hospitalar (R$ 2,7 mil). Do total arrecadado, 45% são destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS), 5% ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e os 50% restantes para o consórcio de empresas comandado pela Seguradora Líder-DPVAT.
Do bolo que vai para as seguradoras, 2% são auferidos como margem de resultado. Cerca de 32% a 39% são gastos em indenizações e o restante, em gastos operacionais.
Navarro elaborou várias propostas a pedido de Campos, todas também encaminhadas a Maurício Rands, coordenador do programa de governo pelo PSB, ao lado de Neca Setúbal, indicada pelo grupo de Marina Silva (Rede Sustentabilidade). Cada proposta era acompanhada das respectivas providências legislativas que exigiriam.
Presidente do Conselho de Ética do PSB, no dia 4 de agosto ele enviou carta a todos os 1.318 candidatos do partido (presidente da República, senador, deputado federal e deputado estadual) cobrando o uso da marca de Eduardo e Marina em todo o material de campanha. Navarro avisava que, se a marca estivesse ausente da propaganda, ele encaminharia representação à Executiva Nacional contra a candidatura.
Com a reviravolta na campanha, a carta será atualizada com a marca Marina e Beto Albuquerque - novos candidatos a presidente e vice - e o alinhamento, novamente cobrado. Como há muito material distribuído aos candidatos com a foto e o nome de Eduardo, a orientação, segundo Navarro, é botar essa propaganda na rua até acabar.
"Há duas frases que Eduardo dizia muito: 'não vamos fazer isso, porque não tem perigo de dar certo' e 'vamos criar o problema, que depois a gente resolve'. Quando ele falava, já sabia como resolver. Isso é liderança. O cara dá o rumo e assume o processo", afirma Navarro.
Agora sob nova liderança, o PSB tem que se adaptar a novos rumos e aguardar que Marina dê andamento ou não às propostas que Campos pretendia adotar.
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