- O Estado de S. Paulo
Sem nada melhor para apresentar, com a credibilidade arrasada e ainda acuado pelo escândalo da Petrobrás, o governo agora se esforça para fechar o ano com um resultado simbólico nas contas públicas - qualquer saldo primário maior que zero. Será uma vitória moral, semelhante à da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1974, na Argentina, como observou um redator da Agência Estado.
"Estamos trabalhando para ter superávit neste ano", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, na quarta-feira. Mas qualquer número positivo ainda vai depender de alguma ajuda divina. Será muito difícil compensar o déficit primário acumulado pelo governo central até setembro, R$ 19,47 bilhões, segundo os cálculos do Banco Central. Mesmo esse número só foi possível com uma indisfarçável dose de maquiagem - dividendos antecipados, alguns bônus de concessões de infraestrutura e vigorosas pedaladas, codinome de atrasos em pagamentos. Mas o resultado simbólico dependerá principalmente da eliminação de qualquer compromisso fiscal para este ano.
Para isso o Congresso terá de aprovar o projeto, enviado pelo Executivo, de mudança da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Segundo o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros, a aprovação poderá ocorrer nesta terça-feira. Avalizada a proposta, o governo poderá abater da meta fiscal deste ano qualquer valor, sem limite, de investimentos e desonerações tributárias. O relator do projeto, senador Romero Jucá, ainda tornou a mudança mais permissiva, ao substituir a palavra meta por resultado, compatível com qualquer saldo.
O projeto equivale a uma confissão de fracasso, mas a presidente Dilma Rousseff nunca reconheceu, publicamente, a mínima falha na formulação e na condução da política econômica. Talvez nunca tenha reconhecido nem mesmo no silêncio de sua consciência. Sua insistência nos erros torna difícil imaginar outra hipótese. Mas os fatos são claros. O desastre fiscal de 2014 de certa forma sintetiza o fiasco econômico do primeiro mandato. Numa análise muito caridosa seria possível levar em conta, como atenuante, a paradeira econômica deste ano, com crescimento próximo de zero. Mas para essa caridade seria preciso avalizar um engano.
Se a estagnação econômica fosse consequência de um problema externo, como têm dito a presidente e o ministro da Fazenda, haveria alguma justificativa, embora discutível, para a piora das contas públicas. No jargão dos economistas, o problema seria atribuível, pelo menos em parte, a um fator exógeno. Uma catástrofe natural, como o tsunami no Japão, também valeria como justificativa. Mas nem os danos causados pela seca serviriam como explicação do cenário econômico. O superávit comercial do agronegócio ainda ficou em US$ 69,74 bilhões de janeiro a outubro, mesmo com a queda de preços internacionais.
O saldo foi inferior ao de um ano antes, mas atenuou, como tem ocorrido há bom tempo, o mau resultado geral do comércio exterior (déficit de US$ 1,87 bilhão em dez meses). O déficit comercial da indústria é explicável essencialmente por problemas de produtividade e competitividade e pela orientação da diplomacia econômica brasileira. A dependência da Argentina como principal destino da exportação de manufaturados é uma das consequências dessa orientação, assim como a subordinação às limitações do Mercosul, uma união aduaneira emperrada e sem acordos com parceiros relevantes.
A presidente habituou-se a atribuir os problemas brasileiros a fatores externos, como fez há poucos dias na Austrália, em reunião do Grupo dos 20. Nunca foi além disso ao tratar dos problemas de integração internacional. Aparentemente, nunca percebeu a excessiva dependência dos mercados sul-americanos nem a relação semicolonial com a China. O fracasso da política industrial - herdada, em parte, da gestão Lula e agravada por novos erros - está associado à estratégia comercial iniciada em 2003.
O protecionismo, as normas anacrônicas de conteúdo nacional e a ideia de parcerias preferenciais com mercados em desenvolvimento limitaram os horizontes de boa parte da indústria. Uma política mais ambiciosa de integração nos grandes mercados teria, muito provavelmente, proporcionado mais estímulos ao investimento, à busca de produtividade e à inovação. A estagnação da indústria de bens de capital, nos últimos anos, é um reflexo dessa orientação. Outro sinal muito claro é o relatório do BNDES: até setembro, os desembolsos para a indústria, R$ 35,7 bilhões, foram 13% menores que os de um ano antes.
O erro estratégico foi ampliado com a política de incentivos ao consumo. Defensável em 2008-2009, quando a crise externa realmente atingiu o Brasil, essa política em pouco tempo deixou de ser funcional. Foi mantida até agora por um erro de diagnóstico e pela teimosia da presidente e do ministro da Fazenda. Eles preferiram sempre o mundo da fantasia. Nunca levaram a sério, em suas decisões, os números do próprio governo, com as indicações de estagnação industrial e de investimento empresarial muito abaixo do necessário.
Ninguém deveria animar-se com o ligeiro aumento do índice de confiança detectado na indústria de transformação. Segundo sondagem da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o indicador variou 3,9% de outubro para novembro, passando de 82,6 para 85,8 (valores acima de 100 apontam otimismo). O número continuou bem abaixo do registrado um ano antes, 99,1, e muito distante da média dos últimos cinco anos, 103,7. Outras pesquisas têm mostrado uma baixa disposição para investir. Investimento maior, segundo os entrevistados, só a partir de 2016, como noticiou o Estado na sexta-feira.
Reeleita há um mês, a presidente Dilma Rousseff continuava na sexta-feira devendo o roteiro do novo governo. Do atual sobrarão somente restos inaproveitáveis. Nem a lição dos erros a presidente parece haver recolhido.
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