• É a pior combinação possível: inflação elevada, economia estagnada, juros altos (só perde dos russos), déficit nas contas
- O Globo
A Rússia de novo? Sim, a pergunta faz sentido por aqui. Na conturbada sequência de crises dos emergentes nos anos 90, a Rússia quebrou em 98 e o seguinte na lista foi o Brasil, em 99.
Mas não se repete agora a parte anterior daquela sequência. Tailândia e Coreia do Sul, que quebraram em 1997, parecem longe da crise. Pelo menos desse tipo de crise.
Ainda ontem, o Banco Central da Tailândia manteve sua taxa básica de juros em 2% ao ano, nível em que se encontra há seis meses. E indicou que pode cortar a taxa em breve, já que a economia anda muito devagar, crescendo 1,5% em ritmo anualizado.
A Coreia também sofre com a moleza da economia mundial, mas resiste bem. Cresce a 3,5% ao ano, com inflação de 1,5% e juros pouco abaixo de 3%. E tem um baita superávit, de 5,5% do PIB nas contas externas. Tailândia também é superavitária nesse quesito importante.
Esses países representam bem a diferença entre os dois momentos. Ao fim dos anos 90, as reservas internacionais dos principais emergentes, sem a China, mal chegavam aos US$ 500 bilhões, com déficits nas contas externas e regime de câmbio fixo, quando o BC se compromete com uma determinada taxa na compra e venda de dólares. É caminho fácil para a fuga de capitais e desvalorização selvagem das moedas locais.
Depois das crises — quando todos ficaram sem dólares para pagar os compromissos da dívida e caíram no colo do FMI —, houve uma sequência de reformas macroeconômicas ortodoxas e a mudança para o câmbio flutuante. Com a ajuda da China, com seu crescimento espantoso e a voracidade com que comprava as comodities dos emergentes, estes acumularam montanhas de dólares. Já na grande crise de 2008/9, desta vez dos ricos, esses emergentes detinham reservas de mais de US$ 3 trilhões. E continuaram acumulando, Rússia inclusive.
Tudo considerado, não que não existam problemas, hoje. São diferentes e variam conforme o país.
A Rússia, por exemplo, enfrenta uma questão política, as sanções econômicas impostas pelos EUA e a União Europeia, por causa da intervenção de Putin na Ucrânia. Há restrições tanto para negócios das empresas russas no exterior quanto para as companhias ocidentais na Rússia. Só isso derruba o investimento e, pois, o crescimento. Em cima disso, veio a queda vertiginosa do preço do petróleo, a principal força econômica e política da Rússia. É a maior fonte de renda da economia e instrumento de pressão sobre a Europa, parcialmente dependente do combustível russo.
Isso não tem nada a ver com as situações de Tailândia, Coreia do Sul e Brasil. Só que, dos três, o caso brasileiro é o mais complicado, embora mantendo reservas elevadas.
Por conta da nova matriz introduzida especialmente no governo Dilma, o Brasil é apanhado nesta turbulência com todos os fundamentos desalinhados. É a pior combinação possível: inflação elevada, economia estagnada, juros altos (só perde dos russos), déficit nas contas externas e internas, dívida pública em alta.
É especialmente ruim porque pouco tempo atrás, ainda no segundo governo Lula, o quadro era o inverso. Com fundamentos em ordem, o país superou a crise de 2008/9. E depois, caiu na nova matriz.
Hoje, véspera do segundo governo Dilma, a crise da Rússia pode não ser um antecedente, mas mostra bem como foi equivocada a política econômica dos últimos anos. E explica por que a presidente resolveu ou foi obrigada a encaminhar uma guinada na busca dos fundamentos perdidos.
E com essa baita crise na Petrobras e no coração do governo e seus partidos. Por falar nisso, olha outra semelhança com o caso russo: o preço do petróleo em queda coloca em risco os planos de expansão econômica baseados no pré-sal.
Oficialmente
Repararam como os investigados usam a mesma desculpa para nada declarar? As empresas, as pessoas, os advogados dizem, quando perguntados sobre novos fatos, como uma denúncia formalizada: não fomos oficialmente comunicados.
É notável esse apreço ao oficial, partindo de gente tão ativa nas contas não oficiais.
Empreiteiras
Não são to big to fail. E isto se aplica mais aos acionistas controladores do que aos negócios. Por exemplo: uma obra viciada por grossa corrupção pode ser transferida a uma outra companhia, nacional ou estrangeira, que assumiria a parte saudável. A parte podre ficaria na conta, inclusive pessoal, dos responsáveis.
Foi feito assim na crise dos bancos privados nos anos 90. Os acionistas perderam seus bancos, mas os negócios continuaram.
Papel do governo neste caso: coordenar o "Proer das empreiteiras". E da Petrobras.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
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