• Dilma bancará o ajuste em nome de sua biografia
- Valor Econômico
As demissões de mais de 12 mil trabalhadores da indústria automobilística em 2014 não comoveram o governo a ponto de fazê-lo reeditar medidas de incentivo fiscal como no passado recente, quando reduziu a incidência do IPI para diminuir preço e incentivar as vendas. Um ministro, questionado sobre a situação do setor, não titubeou: "O que a indústria precisa é se expor mais" à concorrência externa, melhorar a competitividade, buscar novos mercados, exportar mais.
Se consagrada, essa mudança de postura será das mais emblemáticas deste governo em relação ao primeiro mandato de Dilma Rousseff. Os dirigentes do setor, até então, eram temidos por jogar pesado com o espectro do desemprego.
Ela virá precedida de outras não menos importantes guinadas de 180 graus, como o recuo no modelo do setor elétrico concebido pela própria presidente da República em 2012; e a interrupção das transferências de recursos do Tesouro Nacional para o BNDES emprestar a juros fortemente subsidiados.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, considerou como o "último baile da ilha fiscal" o aporte que o seu antecessor, Guido Mantega, assinou em dezembro, de mais R$ 30 bilhões para o BNDES. Segundo relato de um outro ministro, caberá ao banco buscar mais recursos nas suas operações de tesouraria e não junto à União.
Vai-se, assim, consolidando a "operação desmonte" de todos os equívocos acumulados em nome de uma nova matriz econômica que marcou o primeiro mandato de Dilma. Erros que geraram a fatura que será debitada na conta de consumidores e contribuintes.
Os aumentos na conta de luz este ano, estimados em algo próximo a 40%, é que vão financiar os mal dimensionados encargos produzidos pelo modelo do setor elétrico de 2012 para cá, sobre o qual se sobrepôs a escassez de chuva. Até agora, pelo modelo, cabia ao Tesouro Nacional subsidiar despesas antes a cargo do consumidor. Esse ônus volta para o consumidor.
O risco de racionamento de água e de energia ao longo deste ano é elevado e começa a ser colocado nas expectativas dos investidores como elemento crucial para o nível da atividade e para a inflação. Embora o mercado conte com um mínimo de crescimento para 2015, de 0,4%, alguns economistas da área financeira já começaram a projetar recessão.
A falta de água não consta dos prognósticos do governo, embora se saiba, na área econômica, que mais de 90 cidades brasileiras já estão sob algum tipo de racionamento.
A correção de preços relativos gera pressão inflacionária mas produz, também, uma melhora das expectativas, na medida em que preços até então represados começaram a se mover. Só que o Banco Central, no último relatório de inflação, considerou um aumento de 17%, em média, para a conta de luz, que agora se mostra bem maior, próximo de 40%.
A inflação em janeiro deve superar 7% ao ano e, mesmo com a continuidade da elevação dos juros, não será trivial levá-la para 4,5% em 2016. Apenas neste primeiro bimestre, o IPCA poderá acumular uma variação próxima a 2%, quase metade da meta.
A diferença, desta vez, é que o BC assumiu compromisso explícito de entregar uma inflação de 4,5% em 2016 e assegurou que fará "o que for preciso" para cumprir essa determinação, assim como o Ministério da Fazenda está atado à meta de superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) para 2015 e de pelo menos 2% do PIB para os anos seguintes.
Petistas ligados ao ex-presidente Lula estão convencidos de que há um fator positivo que ainda não produziu plenos resultados sobre as expectativas: Joaquim Levy está com mais poder do que o mercado avalia. Se o ministro da Fazenda for bem-sucedido na implementação da nova política econômica e, com isso, mudar a percepção dos mercados sobre o futuro, "em oito meses os investidores começarão a comprar Brasil, o que é um fato relevante para iniciar um círculo virtuoso", completou um agente do mercado externo.
Essa visão, é importante salientar, desconsidera fatores imponderáveis, tais como a possibilidade de racionamento, os efeitos políticos e econômicos do "Petrolão" e o ambiente de conflagração política no PT e na base aliada. E se baseia, também, em outro elemento sobre o qual não há garantias: o de que a presidente Dilma Rousseff vai manter o curso da nova política econômica com disciplina e perseverança, mesmo assistindo à retração da atividade, o aumento do desemprego e à alta da inflação, até que os bons resultados comecem a aparecer para aliviar as tensões políticas e sociais decorrentes do processo de ajuste.
Dilma, até o momento, evitou palavras de apoio a Levy. Em nenhum discurso, ou entrevista, ela se referiu explicitamente à equipe econômica que nomeou, dando-lhe suporte. Nem pronunciou o nome do ministro da Fazenda em público. Esse silêncio é percebido e anotado como produto de um caso de "dissonância cognitiva" - sintoma que revela o conflito interno de um indivíduo que crê de uma maneira e age de outra.
É comum ouvir, no governo, que Levy está com autonomia para fazer o que achar que deve ser feito, desde que entregue resultados no próximo ano. Com a economia em ordem, Dilma teria ainda dois anos para voltar à sua política de flexibilidade fiscal em busca do crescimento.
O fato, porém, é que mesmo com a melhor performance do ministro da Fazenda, o espaço para o país crescer mais de 2% a 3% ao ano a partir de 2016 é diminuto.
Antes disso, o setor privado terá que voltar a investir, melhorar a competitividade sistêmica da economia, ganhar mercado externo e ter no comércio com o resto do mundo uma alavanca de expansão. Há um penoso caminho pela frente e um duro teste para a presidente da República.
Um dos ministros mais próximos de Dilma, hoje, confrontado com todas essas dúvidas, foi assertivo: "Dilma vai fazer o que for preciso, vai bancar o ajuste pelo tempo necessário. Ela não é mais candidata a nada, a não ser a ter uma boa biografia".
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