• Dilma sinaliza mudanças na coalizão política
- Valor Econômico
Para surpresa de muitos, a presidente Dilma Rousseff não apenas sinaliza que pretende fazer mudanças drásticas na política econômica, como também já fez importantes modificações na gerência de sua coalizão política.
Por que um presidente popular e reeleito se comporta de forma tão distinta no seu segundo mandato? Uma eleição extremamente competitiva, polarizada, com grande incerteza, decidida nos seus últimos momentos e por uma pequena margem de votos, pode operar milagres? Ou houve um aprendizado diante da baixa lealdade dos aliados e dos insucessos legislativos colhidos durante o primeiro governo? Ou será que em um contexto de alto risco, onde o presidente reeleito pode ser diretamente envolvido em um escândalo de corrupção de proporções bilionárias, revelado através de delação premiada, poderia ajudar a explicar tal mudança de comportamento?
No seu primeiro mandato, Dilma seguiu os passos do seu mentor e montou uma coalizão com um grande número de partidos, ideologicamente heterogênea e desproporcional, ao sobre-recompensar o PT e sub-recompensar os outros aliados. Essa estratégia produziu um governo ineficiente, pois, além de caro, a taxa de sucesso de suas iniciativas legislativas foi relativamente baixa. Assim como o do seu antecessor, o governo Dilma foi recheado de escândalos de corrupção. Tudo indica que, como consequência ao seu modelo de gestão, a sustentação política de seu governo continuou a buscar moedas de troca heterodoxas.
A presidente Dilma decidiu montar sua nova coalizão muito mais proporcional, menos heterogênea e com relativamente menos parceiros (embora maior em números absolutos). Ou seja, a gerência da coalizão melhorou a despeito de um aumento considerável da fragmentação partidária, que passou dos cerca de 20 partidos para o impressionante número de 28 partidos com representação na Câmara dos Deputados. Maior fragmentação partidária não é necessariamente um problema se o presidente souber gerenciar bem a sua coalizão. Entretanto, o aumento da fragmentação partidária associado à diminuição de cadeiras do PT na Câmara tornou a presidente ainda mais vulnerável diante do imperativo de governar através de uma coalizão.
Para se ter uma ideia da dimensão dessa mudança de estratégia, o índice de coalescência, que mede a proporcionalidade entre o número de ministérios ocupados pelo partido aliado e o seu peso político na Câmara dos Deputados, melhorou consideravelmente, passando de 44 para 58. Este indicador é o mais alto da era petista, acima da média dos governos Lula (52 e 51) e próximo da proporcionalidade dos governos FHC (60 e 62).
A heterogeneidade ideológica também melhorou bastante, caindo de 45 para 37, também diminuindo a diversidade de preferências ideológicas dos dois governos Lula (48 e 42). Entretanto, a nova coalizão da presidente Dilma ainda é muito mais heterogênea do que as dos governos FHC (21 e 19).
Finalmente, o tamanho relativo da coalizão (medido pela divisão do número de partidos na coalizão pelo número de partidos com representação na Câmara) diminuiu de forma modesta, passando de 37 para 36. Contudo, a quantidade absoluta de partidos na coalizão aumentou, passando de 8 para 10. Mais uma vez, Dilma avançou em relação aos governos Lula (54 e 50), mas ainda montou uma coalizão com muitos parceiros em relação aos governos de FHC (26 e 26).
Em que pese existirem incertezas sobre a qualidade e competência de alguns dos novos ministros, a presidente está fazendo um esforço para gerenciar melhor sua coalizão. Entretanto, ainda aquém do que seria desejável para evitar problemas de coordenação e custos elevados de governabilidade.
Presidentes, quando vulneráveis politicamente, respondem de forma mais atenciosa a demandas de dois atores políticos: os eleitores e os partidos políticos que lhe dão sustentação no Congresso. A presidente Dilma, ao anunciar mudanças na sua equipe econômica, tenta responder às demandas de eleitores que acreditava no equilíbrio macroeconômico como um dos seus principais pilares para o desenvolvimento. Por outro lado, ao gerir melhor a sua coalizão, procurou responder às demandas dos partidos de sua base eleitoral, com isso, colher mais sucesso legislativo com menores custos de governabilidade.
Da mesma forma que a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda é uma clara confissão de que a política econômica e fiscal que Dilma impôs ao país no seu primeiro mandato fracassou, a mudança da gestão de sua coalizão também pode ser interpretada como uma confissão de fracasso da estratégia que utilizou com seus aliados durante os seus primeiros quatro anos na presidência. Restaram poucas alternativas à presidente diante desse duplo fiasco.
A questão é se a presidente será capaz de dar sustentabilidade a essas novas escolhas de gerência da coalizão, uma vez que os principais perdedores podem reagir. O PT perdeu quatro ministérios e o PMDB, embora ocupe agora mais 1 ministério, tem demonstrado insatisfações com a sua pouca relevância política e orçamentária. Outro aspecto importante é se os desdobramentos do escândalo da Petrobras vão permitir que a presidente seja consistente com essa nova estratégia, uma vez que existem riscos de descontinuidade do governo se surgirem evidências concretas que liguem a presidência ao Petrolão.
Se a presidente conseguir ser bem sucedida nesta nova estratégia, deve-se esperar menos animosidades entre aliados, menores problemas de coordenação, reduzidos custos de governo, menos "fogo-amigo" e uma diminuição da necessidade de utilização de moedas paralelas/heterodoxas de recompensa e, consequentemente, menos escândalos de corrupção.
Mas afinal de contas, a mudança de estratégia da presidente Dilma foi fruto do aprendizado ou da sobrevivência? Muitas vezes fazer esta distinção não é tarefa simples. Na dúvida, a sobrevivência política é a principal aprendizagem refletida nas ações e decisões estratégicas dos políticos.
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Carlos Pereira é professor titular na Ebape da FGV, coautor do livro "Making Brazil Work: Checking the President in a Multiparty System".
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