- O Estado de S. Paulo
Com a economia miando, os ajustes mostrando as garras, as dúvidas sobre a independência da equipe econômica e as feras da Petrobrás aterrorizando o Congresso Nacional, o ano já vinha devidamente animado. Só faltavam as manifestações de rua. Não faltam mais.
Pode ser a mais pura coincidência, mas também pode não ser. No mesmo dia, a última sexta-feira, houve protestos ao menos em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Os motivos aqui eram uns, inegavelmente justos. Os de acolá, outros, talvez nem tanto. Mas as manifestações pararam o trânsito, infernizaram a vida de milhares de pessoas e, em São Paulo, atraíram os ainda indecifráveis black blocs. Podem, ou não, se multiplicar pelas capitais.
Com economia estagnada, inflação sempre acima do centro da meta, juros na estratosfera, contas externas desfavoráveis e contas internas exigindo do governo malabarismos tanto contábeis quanto legais, o ambiente é favorável à multiplicação.
O brasileiro está mais bem informado, mais atento e mais crítico. Aprendeu que protestar faz bem à saúde e é um santo remédio, não para curar, mas para dar dor de cabeça em poderosos de todos os níveis. Nem sempre os índices de popularidade suportam. Os da presidente Dilma Rousseff despencaram em junho de 2013.
A diferença de lá para cá é que as condições de Dilma pioraram muito. Quando aquelas manifestações surpreenderam o País e os governantes, Dilma batia recordes de aprovação. Já tinha encenado o teatro da “faxina”, baixado os juros na raça, ido à televisão para vangloriar-se da redução da conta de luz. Ela ainda mantinha a imagem de gerentona. E tinha Lula, tinha o PT unido.
Hoje, Dilma acaba de sair de uma eleição duríssima, em que ganhou por pouco – e apesar de tudo. Os “faxinados” estão de novo no governo. Os juros voltaram para onde sempre estiveram. E, depois que o setor virou um caos, as tarifas de luz só aumentam e o pronunciamento de Dilma foi parar no fundo da gaveta dos marqueteiros.
Ah! E se, em junho de 2013, havia apenas a sensação desconfortável de que algo andava mal na Petrobrás, hoje já se sabe bem o tamanho – e o preço – da encrenca. A roubalheira era gigantesca, mas a administração da maior e mais simbólica companhia brasileira era, igualmente, caso de polícia.
E Lula? Evaporou. A união do PT? Já era. Como diz a senadora Marta Suplicy (por ora PT-SP), que conhece bem a turma e não tem papas na língua, “Lula está totalmente fora”. Mas fora do governo Dilma, não da política.
Dilma depende mais do que nunca de Dilma. Não dá para contar com o carisma e a retórica inebriante de Lula. E o PT está dividido entre “lulistas” e “dilmistas”. Uns precisam dos outros, mas dizer que os lulistas torcem para o sucesso de Dilma não chega a ser verdade.
É assim que Dilma tem de torcer para que as manifestações de sexta-feira tenham sido residuais, desconectadas, sem consequências e sem poder de mobilização pelo País afora.
Mal comparando, é como a torcida em Paris e no mundo para que o ataque ao Charlie Hebdo tivesse sido obra de um punhado de tresloucados, não uma ação terrorista da Al-Qaeda. Lá, já se viu o que era. Aqui, ainda vai se ver.
Como última lembrança: Dilma tem a caneta, uma equipe econômica finalmente considerável e oficialmente o PT, o PMDB e a maior base aliada das galáxias. Mas Lula ainda tem o principal: os movimentos sociais.
Dilma mal consegue ser uma chefe – precisa gritar para acreditarem –, mas Lula, para o bem e para o mal, segue sendo um dos maiores líderes de massa que este País já teve. Além de driblar as ameaças explícitas do PMDB e dos aliados, Dilma tem de acertar na economia para escapar da ameaça implícita que é Lula. E não só em 2018.
PS: Eu sou Charlie.
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